Ao chegarmos a nossa base, fomos recebidos pelo Sumo Sacerdote Yameshi Lahayon.
O velho syhriniano de cabelos longos – tão longos quanto os meus, porém, totalmente brancos – nos recebeu, percebendo nossa aflição, porém pouco insistiu para conversar, prontamente nos dando ordens, como se fosse um patriarca da Ordem, quando todos ali eram iguais.
Infelizmente, houve uma disputa para decidir quem iria ter o único e último contato com Mestre. Obviamente qualquer Sacerdote desejava esta oportunidade, mas não foram eles, mas sim os Superiores, que, diante da celeuma que se criou entre os membros da Ordem, decidiram que eu seria o escolhido. Parece que Eles se adiantaram às atitudes dos discípulos, que momentos depois repetiriam os nossos mesmos erros de promoção pessoal.
A saber, durante o jantar da Páscoa, Yehoshua havia dispensado todos os servos da família de Yohannan ben Zad'yah,[1] um dos seus discípulos, que havia cedido o recinto a realização da celebração. Disputando quais deles se sentariam mais próximos ao Mestre, os discípulos não entenderam quando ninguém se movimentou para lhes preparar, lavando seus pés e as mãos, gerando assim uma acalorada discussão. Entretanto, fora Ele, que aos olhos espantados de todos os seus, realizou aquele ato, considerado ultrajante até para os mais humildes dos judeus daquela sociedade. Do mesmo modo, fomos repreendidos pelos Superiores com as mesmas palavras ditas pelo Soberano antes do jantar, fazendo-nos recordar o fato.
- Nesta noite, quando eu entrei nesta sala, vocês não se contentando em recusar por orgulho a lavarem os pés uns dos outros, também caíram na disputa de quem deveria ter os lugares de honra ao meu lado. Tais honras são buscadas apenas pelos fariseus e pelos homens cegos deste mundo. Mas não devia ser assim entre os embaixadores do Reino. Não sabeis que não pode haver preferências à minha mesa? Acaso não compreendeis que eu amo a cada um como amo todos os outros? Esqueceram-se de que o lugar mais perto de mim, como os homens encaram essas honras, pode não significar nada no que diz respeito à vossa posição no Reino do Céu? (...) Mas não será assim no Reino que virá. Aquele que quer ser grande entre vós, que se torne como que o mais jovem; enquanto aquele que quer ser o dirigente, que se transforme em alguém que serve. Quem é o maior: aquele que se senta para comer, ou aquele que serve? Não é comumente considerado maior aquele que se senta para comer? Mas um dia compreenderão que eu estou entre vocês como aquele que serve... – Quanta ironia. Momentos depois aqueles homens o abandonariam.
Embora os Superiores tivessem nos dado uma lição de humildade, o coração daqueles Sacerdotes continuava cheio de um orgulho que esvaziava a autoridade daqueles que eram considerados os indivíduos mais instruídos e sábios de nosso Universo, mas assim como os discípulos do Mestre, igualmente se afastaram de tudo o que Ele ensinara durante sua vida.
Diante daquele impasse gerado pela absurda disputa, o clima na base estava carregado desde que chegamos a Yuransha, onde ninguém falava além do necessário, talvez ansiosos pelo que estava para acontecer. Durante a silenciosa vigília, plantados diante das telas de transmissão de nossa base, acompanhamos o desenrolar daquele julgamento que durou a madrugada, feito às pressas pelos sacerdotes judeus.
Embora também tenha sido torturado ali, o destino do filho de Yosef estava distante da casa do sumo-sacerdote Keifah.[2] Sendo levado ao governador da então província romana, Pontius Pilatus, este recusou-se a julgar Yehoshua, repassando a responsabilidade para o então rei Hordos Antipatros.[3] Porém, o mesmo, revoltado com o mutismo do Mestre diante de sua ignorância e zombaria, devolveu-o a Pilatus, que surpreso com o retorno da procissão de sacerdotes e guardas, acabou pressionado por uma turba que se ajuntara diante da Fortaleza Antonia. Assim, para satisfazer a crescente sede por sangue da multidão, e tentando se esquivar de uma injusta condenação, Pilatus mandou torturar Yehoshua.
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Os Contos Perdidos de Yuransha: A Hora das Trevas
Short StoryO dia é 6 de abril do ano 30. A lua brilhava intensamente sobre Jerusalém, porém, lá embaixo, a cidade estava mergulhada nas sombras da noite. Após celebrar a Páscoa judaica com seus discípulos, Yehoshua ben Yosef - conhecido como Jesus de Nazaré...