𝑰𝑰 - Mastermind: kaiseki.

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Will não conseguia dormir.

A culpa não era inteiramente do cubículo que lhe fora designado, apesar de que este contribuía - e muito - com o seu desconforto; ele também não atribuía a culpa à estrutura de ferro abaixo do colchão puido onde seu corpo descansava, muito menos ao frio que rondava a cela e a ausência de uma fonte de iluminação mais apropriada. O verdadeiro culpado estava fora daquelas celas, além dos muros do Hospital Estadual de Baltimore para os Criminosos Insanos, mas Will conseguia enxergá-lo com total clareza apenas se fechasse os olhos - afinal, como esquecer dos traços marcantes que compunham o rosto de Hannibal Lecter? Eis a resposta: não havia como.

Fora um tolo em não ter percebido os sinais antes, quando estavam brilhando diante de seu rosto. Anos de experiência tanto como professor quanto no campo e um dom amaldiçoado que não lhe serviram para nada - Hannibal levara a melhor sobre si e agora cá estava ele, temendo fechar os olhos e enxergar o rosto daquele homem quase como se estivesse marcado à fogo na parte interna das suas pálpebras, mais um fantasma para assombrar e acompanhar todos os outros por sua catedral dos sonhos junto à Garret Jacob Hobbs, Abigail Hobbs e todos os outros com quem Will falhara. E os rostos e as vozes se multiplicarão, lenta e gradativamente, até que levassem Will até o precipício de sua insanidade e ele se jogasse da ponta.

E uma das piores partes era que nem mesmo o FBI estava ao seu lado, afinal, como questionar provas tão minuciosamente plantadas? Jack e Alana desistira dele e o largara naquele lugar abandonado por Deus e comandado por Frederick Chilton para que ele estudasse sua mente, um de seus piores medos tornando-se real; seus colegas desconfiavam dele, e deuses sejam bons, até mesmo Beverly parecia ter desistido dele. Will estava por conta própria, mas ainda assim não se ressentia deles - um pouco, sim, mas ainda era capaz de pensar de maneira apropriado apesar da situação e desviar sua ira ao responsável por sua desgraça.

Toda a sua ira era direcionada ao Dr. Lecter, fúria essa que um dia fora doce como mel. Porque apesar de tudo, Hannibal ajudara-o e lhe compreendera quando todos os outros se aproximaram dele apenas por mero interesse/curiosidade; Hannibal, que fizera-o sentir como se houvesse um lugar no mundo aonde ele poderia se encaixar, que não o fizera se sentir tão solitário; que se tornara mais do que um psicólogo e muito mais do que apenas um amigo - não que Will os cultivasse, não mesmo, e tornava aquela conexão ainda mais especial. E Hannibal o torturava, torturava-o com o seu amor. O passado nada mais era do que uma sugestão de lembrança. Will o absorveu para sua alma, e através dele, tornou-se um novo homem.. E então, os sintomas de sua doença o atingiram e outros inúmeros casos ocorreram e tudo ruiu. Ele deveria ter desconfiado antes, não era essa a sua profissão? Interpretar as evidências? Então interprete-as, Will.

E foi o que ele fez. Ele faria qualquer coisa para ter a sua sanidade novamente, inclusive isso.

Will fechou os olhos e respirou fundo, expiando dentro de si próprio pela a primeira vez depois de tantos dias, aquele formigamento familiar em seu peito surgiu e ele deu boas-vindas àquela sensação familiar - o primeiro em tantos dias, por mais ruim que fosse. Will Graham enfrentou seus fantasmas um a um, indo cada vez mais fundo dentro de sua própria cabeça, fraquejando somente uma vez ao visualizar Abigail, pois era ela a sua perda mais dolorosa, e após mais meia dúzia de investidas ele conseguiu interpretar as evidências. Sentiu um orgulho irrefreável tomar conta do seu peito, afinal quantas pessoas conseguiram interpretar Lecter da maneira que ele conseguia? Ninguém. Por isso que ele se tornara seu escolhido, sua peça de arte mais querida e também a mais cobiçada. Ninguém mais conseguia lê-lo da mesma maneira que Will fazia - não que Hannibal tivesse permitido.

Will compreendia tudo agora. Estava irado.. Mas lisonjeado ao mesmo tempo.

E quando a compreensão disso o atingiu, ele riu. Não uma mera risada, mas uma gargalhada que retumbou pelos os quatro cantos daquela cela gelada e ecoou pelas as suas paredes de pedra, tão alta, tão incrédula que agora ele de fato se assemelhava ao louco que cometera todos aqueles assassinatos. Will riu tão alto que parecia compartilhar da mesma loucura que seus vizinhos prisioneiros, que moveram-se inquietos em suas camas ao som da gargalhada de Graham.

Um guarda noturno surgiu às grades da cela, fustigando o metal com seu cacetete: - Ei, cale a boca, Graham!

Mas Will não parou, não imediatamente, porque agora ele sabia o que Hannibal Lecter realmente queria, e o mais importante: o que ele deveria fazer. A resposta era extremamente simples, tal qual a solução para todos os seus problemas: matá-lo. Porque Will Graham era um gênio.

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