Capítulo 3

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   Depois do café da manhã, o Jeongin passou o resto do dia tentando me convencer a sair, pra qualquer lugar que eu pudesse estar disposta. Como a loja de jogos, alguma das livrarias da cidade, ou uma das cafeterias. Sugeriu que não ficaríamos por muito tempo, mas a cada segundo a minha cabeça parecia cada vez mais cheia.

(Jeongin): Tudo bem então o que acha de uma tarde de filmes?

—Apoio. —Sorri.

(Jeongin): Ok, eu vou comprar os doces e a pipoca. —Avisa antes de sair de casa.

   Me sentei no sofá e abracei uma das almofadas, estava pensando no livro, tentando imaginar como seria estar em um lugar como aquele.

Não é tão simples! Você não pode ficar!

   A mesma dor de antes, o mesmo nó na garganta, talvez seria melhor ter ido com o Jeongin aonde quer que ele quisesse ir. Eu queria me lembrar de onde tudo aquilo vinha, queria entender por quê me afetava tanto, queria saber tudo logo, não suportava mais tantas dúvidas, tantas lembranças ou seja lá o que eram esses fragmentos.

   Me levantei do sofá, peguei as chaves do carro e da casa e saí. Eu não sabia pra onde iria, nem quanto tempo precisaria pra me distrair. Apenas dirigi, tentei ignorar o aperto que se formava no meu peito, assim como o nó na minha garganta.

   Não sabia há quanto tempo estava dirigindo e não me importava, só parei quando parecia longe o suficiente de casa. Ao redor havia uma floresta de pinheiros, o cheiro parecia me acolher me acalmando aos poucos. Saí do carro e tranquei ele, não haveria problemas em deixá-lo ali, fora da estrada não atrapalharia ninguém que estivesse passando e eu duvidava que alguém pudesse aparecer ali apenas para roubá-lo.

   Entrei na floresta em passos calmos, eu não ouvia nada além dos pássaros cantando e do vento que passava pelas folhas das árvores criando uma melodia serena. Uma sensação familiar percorreu todo o meu corpo, a floresta parecia estar mudando, flores brotaram pelo chão ao meu redor, flores que eu jamais havia visto iguais.

   As cores tão vivas e brilhantes, as árvores ao redor agora pareciam cantar uma canção harmônica em coro, tão suave como um sussurro. Em algum momento eu devo ter deixado a minha imaginação voar pra longe demais da realidade. Tinha ficado maluca de vez, os pássaros pareciam conversar entre si, em arbustos eu via fadas colorindo flores minúsculas, suas asas brilhavam mais forte que qualquer constelação que eu tivesse visto algum dia.

   Eu tentei me beliscar, me acordar daquele sonho, fechei meus olhos com força e os abri várias vezes, mas a cada vez que os abria, mais a floresta parecia real e se amplificava cada vez mais. Até clareiras, planícies, montanhas, lagos, cascatas... Um mundo inteiro, completamente mágico, completamente irreal, exatamente como em meus livros.

   Aquilo não podia ser real, eu devia ter dormido depois que o Jeongin saiu, a qualquer momento ele vai chegar em casa e vai me acordar. Não era real, não era real, não é real. Me sentei na grama verde como esmeraldas.

   Ousei passar a mão por ela, e senti um pulsar contínuo, calmo, um coração. Não era como se estivesse preso ou contido ao chão, na verdade era como se tudo ao redor ganhasse a vida daquele pulsar, passava pelo chão até mesmo pelo vento que corria por ali. Me sentia em casa. Como se uma parte de mim, uma parte enterrada, esquecida, agora estivesse viva.

   Eu a ouvia chorar dentro de mim... Aliviada, não havia mais peso em meu peito, nem nó na garganta... Sentia lágrimas leves e silenciosas descerem pelo meu rosto. Um conforto imenso me abraçava, sentia como se tivesse ficado por meses sem respirar e agora finalmente conseguia sentir o ar em meus pulmões.

   A floresta ficou em silêncio, completamente quieta. Algo estava errado, senti algo se aproximar e me levantei olhando ao redor, procurando por algum sinal de perigo, mas eu não conseguia ver nada. Mesmo assim, tinha a impressão de que não estava sozinha ali, meu coração acelerou mais do que nunca quando ouvi asas baterem.

   Me virei na direção do som, uma criatura quase humana se não fossem pelas asas e as orelhas pontudas. Sua pele morena assim como os cabelos e os olhos, olhos que pareciam um céu estrelado da forma que brilhavam. Ela segurava um arco e flecha, apontado diretamente em minha direção.

: Você não...

   Sua feição irritada se suavizou ao olhar pra mim, suas mãos que ainda envolviam o arco e seguravam a flecha, se abaixaram enquanto ela me analisava. Parecia confusa, triste. Ela se aproximou e fiz o possível para não estremecer a cada passo que ela dava.

: Você só pode ter ficado louca... mortal.

   Eu não sabia o que responder, sentia o medo crescer dentro de mim, um tremor crescente, eu podia imaginar o que ela faria comigo.

: Não vou te machucar. —Diz baixo. —Pensei que fosse outra criatura. —Suspira. —Vem. —Diz segurando a minha mão.

—Não posso ir com você. —Declaro me soltando de sua mão.

: Bem, se prefere ficar... —Dá de ombros. —É com você.

—Você quase atirou em mim.

: Pensei que fosse outra criatura, se ficar aqui, vai ter que lidar com ela.

   Pensei... Ficar ali era tão seguro quanto ir com ela, talvez eu pudesse voltar pra casa, eu precisava voltar.

: Então?

—Preciso voltar.

: De onde você está, teria que passar por três reinos diferentes, para chegar até a barreira. E tais reinos não simpatizam com humanos.

—Então... Estou presa aqui?

: Presa... Não, é complicado, mas nem tanto.

—Pode me levar?

: Não é um bom momento para atravessar pelos reinos. E antes que faça mais perguntas, é melhor irmos logo, aqui não é um lugar seguro pra essa conversa. Na verdade, nada aqui é seguro pra você.

—Tudo bem. —Concordo baixo.

   Deixei que ela segurasse a minha mão, senti como se por alguma vez, já tivesse a visto, como se algum dia ela tivesse significado muito.

—Nós nos... Conhecemos?

: Não. —Responde baixo.

   Continuamos andando em silêncio, no caminho eu só conseguia olhar ao redor, o quanto aquele mundo era diferente do meu, ele era real e eu não conseguia imaginar há quanto tempo ele estaria ali. Cada passo era como se uma partícula de dúvida se dissipasse de mim. A cada passo parecia mais real.

Locked MemoriesOnde histórias criam vida. Descubra agora