"Ele então deu a ordem de matar
E matou as criancinhas."
— Cantiga tradicional inglesa
Um gosto metálico inundou seu paladar, escorrendo um líquido escarlate pelo corte aberto no lábio e pingando do queixo. As gotas se reuniram no solo de concreto contrastando com o solo cinzento, enquanto a fumaça subia ao ar. Segurou o bastão e soltou a fumaça pelas narinas.O soco bem dado que levou não só o machucou fisicamente, mas também feriu seu ego. “Maldito seja aquele idiota engomadinho!”, ruminou, jogando o cigarro no chão e pisando com a ponta da bota pesada.
O caminho insinuava o que de dia não o fazia; livre a passagem pelas vielas, seguiu a passos trôpegos; sua silhueta era apenas mais uma em meio a vários objetos inanimados. Um gato, em algum canto, miava sem parar, para se seguir a gritos humanos de raiva.
Era apenas mais uma noite comum, sem grandes surpresas, apenas as esperadas. As botas pesadas emitem sons ao que pisava pelo chão de cimento. O cheiro que subia as suas narinas não eram das mais agradáveis, ainda sim, eram mundanas, reais.
A língua alcoolizada lambeu o lábio ferido, o gosto ferroso se misturou a saliva quando a engoliu, e pôs nos cantos dos lábios outro cigarro. A noite rastejava pelas ruas, tomando cantos que as luzes não eram capazes de proteger; um fulgor quente acendeu na noite e a fumaça subiu ao céu.
Guardou o isqueiro no bolso traseiro da calça jeans e seguiu o caminho chutando pedrinhas. O gosto amargo permanecia em seu paladar, borbulhando, a mente alterada trazia lembranças da briga ocorrida mais cedo.
O peso da mão podia ainda ser sentida na face que tomava uma coloração arroxeada e um aspecto inchado, desvalorizando as feições delicadas. Sangue por sangue. Era isso, tinha posto todo o respeito que lhe restava de lado para dizer as simples e carinhosas palavras: “vai se foder, inferno”.
Tinha dirigido tais palavras ao irmão mais velho, que não hesitou em revidar com o punho. Não se gostavam e não o fingiam; a infância era regada de ódio à competição, um sempre queria mais.
E, agora, caminhando com os pés imperfeitos, sentia-se humilhado e envergonhado. Surpreso, fora incapaz de revidar, de dar continuidade ao ódio crescente no peito. Pela primeira vez, o ódio velado era exposto.
Cada qual seguiu seu próprio caminho, surpresos e irritados, como quem foge da cruz.
O lobo se espreguiçou observando sua pequena ovelha separada de seus semelhantes, sentia que teria de guiá-lo por ele mesmo. Como que pressentindo, a natureza agiu, uivando os ventos em sinal de alerta, mas a pequena ovelha nada entendeu.
O mais jovem dos Kang permaneceu fiel ao seu trajeto, cambaleando e tropeçando vez ou outra nos próprios pés. De tanto chamar, a desgraça havia vindo ao seu encontro, vestido de homem, e com uma tremenda sede.
— Ei! — gritou uma voz desconhecida atrás de si.
Kang Minho, lentamente, olhou por sobre o ombro e enxergou duas silhuetas ondulantes; apertou as pestanas, girando nos calcanhares para vê-lo melhor. Aos poucos a verdadeira figura tomou forma a 5 metros de si.
— Esse celular pertence a você? — questionou a voz macia como seda. Ergueu a canhota, mostrando o aparelho nela.
Minho com a mente alta não notou, mas o bom homem usava luvas de couro preto. Tateando os bolsos traseiro deu por falta do aparelho e riu alto.
— Sim, é meu. — Assentiu freneticamente, erguendo a palma para apanhar o aparelho. — Muito obrigado.
Os olhos do lobo arderam, as narinas dilatadas farejaram o cheiro de álcool alheio, por fim, abriu um enorme sorriso. O predador fez menção de entregá-lo o aparelho, mas parou no meio do trajeto.
— Sabia que é perigoso vagar por aí com um assassino a solta? — alertou, e a pequena ovelha maneou as espáduas em pouco caso.
A mão que segurava a ponta restante do cigarro agarrou o aparelho da mão do desconhecido, puxando-o para si. O desconhecido não permitiu, segurando apertando os dedos envolvendo o celular. E ficaram puxando e puxando o aparelho, como uma brincadeira de criança.
O som de metal encontrando o chão ecoou alto pela viela deserta; os olhos da ovelha captam o brilho do metal cortante e dobraram de tamanho; a mão afrouxou o aperto e deu um passo atrás.
— Você é louco, cara. — negou com a cabeça vendo uma das mãos cobertas pela luva sumir dentro do sobretudo.
— Dou-lhe 25 segundos pra correr.
Não precisou de muito e o doce aroma do medo já tomava todo o ar, inspirou o ar doce e provocante para dentro de seus pulmões. Sua ovelha saiu correndo, gritando a plenos pulmões.
O medo, em forma de presa, correu com sua vida pelas vielas imundas e mal-cheirosas. Se aquilo fosse uma brincadeira, seria a de gato e rato. E, hoje, o gato estava faminto.
O ar pesava em reverência com a iminente presença da morte, pedaços de lixo espalhados pelo chão como tapetes, os gatos deitavam sobre as caçambas de lixo para assistir o espetáculo. Tudo perfeito para uma atração igualmente perfeita. E o caçador saiu à caçada.
Uma dor lancinante se espalhou pela nuca, e Minho caiu, arranhando a pele delicada no solo áspero. Tentou levantar, mas um pé pesou em suas costas e um joelho manteve a lateral do seu rosto pressionada ao chão.
— Por que faz isso? — falou com dificuldade, tentando, inutilmente, agarrar o atacante.
A alguns metros, a faca jogada na ovelha reluzia no luar, o Caçador esticou o braço para apanhar a arma e a ergueu contra a luz crua. Vislumbrou o instrumento, como que pensando na resposta certa.
— Pergunte ao seu papai quando eu enviá-lo ao inferno para lhe fazer companhia.
A alma do Kang mais jovem tremulou, desesperado, covarde, pois já recuava ao além. “Que Deus tenha piedade da minha alma”, pensou, soluçando alto quando as primeiras lágrimas despontaram dos olhos.
O desespero dominou o corpo acuado, que violentamente se debateu embaixo do predador, como um peixe fora d'água.
Em um movimento fluído, agarrou a cabeleireira acastanhada e ergueu a face alheia após retirar o peso do joelho para transpassar a lâmina afiada pela carne macia do pescoço. Sangue se espalhou pelo chão imundo, como a arte raivosa de um pintor.
E o Caçador arrancou a alma do corpo frágil e o largou as costas da morte. Perguntou-se qual era a sensação.
Seu coração retumbou no peito, apodrecendo mais um pouco, enquanto a vida do mísero homem se esvai pelo chão. Quente e vermelho.
E, no final das contas, o adivinho morreu pela própria adivinhação.
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Blood Roses - Taekook
Mystery / ThrillerEssa é uma história de um homem que teve a vida tomada. Quando morremos só levamos o nosso nome conosco, talvez a única coisa que prova de que um dia vagamos pela terra; que estivemos entre os vivos, sendo um. Levamos o nosso nome e com ele carrega...