Prefácio - A morte

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"Anjos e Demônios

Santo Agostinho certa vez escreveu sobre quando foi para o deserto fazer um retiro de silêncio e foi acometido por todo tipo de visão - tanto demônios quanto anjos. Disse que em sua solidão, algumas vezes encontrava demônios que pareciam anjos, e outras vezes encontrou anjos que pareciam demônios. Quando lhe perguntaram como ele sabia a diferença, o santo respondeu que só se pode dizer quem é quem com base na sensação que se tem depois que a criatura foi embora. Se você ficar arrasado, disse ele, então foi um demônio que veio visitá-lo. Se você se sentir mais leve, foi um anjo."

— Santo Agostinho

Os tecidos jaziam espalhados pelo chão, amassados e intocados, uma prova clara do ocorrido a horas atrás. Lee foi o primeiro a acordar, sentindo-se quente, extremamente quente, e precisou de uns minutos para que as lembranças o inundassem. Um braço forte pesava em sua cintura o mantendo colado ao peito do amante.

A respiração morna à sua nuca era estranhamente boa. Boa demais. De um jeito errado, sujo e delicioso. Serpenteou para fora da cama, agachando para recolher suas vestes com pressa. A culpa pesava no peito e encarar o homem deitado nos lençóis caros de cetim o fazia se sentir um monstro. Sua vontade era de retornar aqueles braços quentes, tanto que a porta lhe parecia pouco utilizável naquele momento.

Mas não podia. Pelo menos, era o que achava.

Desembocou no grande corredor, que horas antes era preenchido de risos de ambos e muito receptível, mas que logo se fecharia para si.

— Aonde vai, Lee?

Sua mão travou a centímetros da maçaneta e olhou por sobre o ombro, pousando um olhar cuidadoso na figura esguia e sonolenta. Como podia ser tão lindo?, perguntou-se, girando os calcanhares devagar com um suspiro.

— Eu… Eu não posso...— falou, desviando o olhar para os próprios pés descalços. — Não posso continuar com isso, desculpa.

Ouviu passos até um par de pés entrar em seu campo de visão e ter uma palma morna erguendo seu queixo. Os olhos de avelã permaneciam cabalísticos, bem como a personalidade do portador.

— Ao menos tenha coragem de olhar em meus olhos, — ordenou, baixando o rosto e colando suas testas. — seu maldito covarde.

Eu te amo, a palavra estava na ponta da língua, porém jamais as pronunciaria. Afastou o toque do outrem antes que cedesse e falou com uma falsa confiança:

— Acabou. Eu o usei, nada mais. Ficou claro?

O corpo grande permaneceu imóvel, a mão ainda erguida, e, lentamente, baixou a palma junto ao corpo. Anuiu uma vez, parecendo decepcionado por um segundo.

— Feche a porta quando sair.

Não havia mais o que fazer, por isso, olhou a figura alta dar-lhe as costas marcada por um dragão serpenteando pelas costas, cintura e sumindo no limiar do quadril onde a calça permitia a vista, e, mais uma vez, saiu pela porta.

Desta vez, sabia que não seria mais bem-vindo.

[...]

Se a noite era o refúgio, a brisa gelada era a leveza, então, a chuva era uma benção. Bastava fechar os olhos para olhar um outro eu sob a chuva, leve e feliz, caminhando para um rumo oposto.

A realidade era outra.

Pendeu a cabeça para trás, expondo a língua avermelhada a fim de capturar as gotas, desejando que fosse veneno para engoli-las. Voltou a andar, os tênis mais  encharcados cada vez que pisava nas poças d'água.

Blood Roses - TaekookOnde histórias criam vida. Descubra agora