1. Algo memorável

51 4 1
                                    


Minha mãe esteve por três dias no hospital. Ela teve uma queimadura de segundo grau no braço esquerdo. Mesmo depois de dois anos do acidente ela ainda evita falar sobre o assunto, com as pessoas que a questionam no meio da rua e até com a própria família. Eu, minhas duas irmãs e meu pai também nos esquivamos de comentar sobre. -É uma tortura relembrar de tudo isso -.

 Há uma placa enorme de aparência velha na frete da casa: ALUGA-SE. Alguns móveis ainda ficaram intactos – lembro-me dos bombeiros chegando e colocando em prática seus trabalhos. Por sorte, a casa não foi totalmente destruída, mas é um evento traumático e me doe muito ter que voltar e relembrar tudo, cada segundo-. Os quartos de cima da casa e na sala tem poucos resquícios do fogo e uma enorme réplica da pintura de Salvador Dalí. Não gosto do quadro.     Parece estranho, sim, talvez porque seja uma réplica barata, provavelmente, ou uma peça insignificante que presenciou um dos piores dias de minha vida. Eu queria que o quadro tivesse queimado até não restar nenhum fragmento... que ele tivesse sido destruído... cada pedacinho. Eu odeio A Persistência da Memória. Até o próprio nome soa como se me forçasse a lembrar o que aconteceu. Sou Diana Campbell, tenho medo de perder pessoas e me apego em pequenos detalhes.

Acho que vulnerabilidade faz parte disso. Ser tão sensível com determinado assunto, que quando vem algo parecido estremeço de medo. Perder pessoas me faz ter medo. Dizem que perder coisas nos faz ser mais fortes, mas acredito que seja o contrário, pois sempre enfraqueço. Um queimor parece dominar meu coração quando me deparo com isso. Como minha casa, em Setembro de 2015, naquele momento, o fogo também parecia arder em mim.

Para ser concreta faz dois anos e dois dias que ouvi o estalar da madeira, porém não parece fazer tanto tempo, parecem-se meses que demoram a passar. Ainda sou a mesma Diana. Com o mesmo pensamento, fala e autoridade. A mesma que ama ver o pôr do sol em dias em dias de estresse, a mesma em que é apaixonada pela praia. Nós tínhamos uma fotografia em casa exatamente uma semana antes de tudo acontecer. A família estava toda reunida. Todos colados como chicletes, uns com os braços nos outros para ficar ainda mais perto. E eu estou lá. As mechas onduladas e volumosas escondendo um pouco meu rosto bronzeado. Os lábios grossos e rachados pelos dias ensolarados na praia, , os olhos esverdeados marcados com lápis preto tentando inutilmente me sentir mais confiante. Durante o tempo em que Lili é a que mais se destaca. O vestido amarelo combinando perfeitamente com seu cabelo castanho-avermelhado e argolas cintilantes. Ela sorri como se fosse a coisa mais alegre do mundo encarar um celular enquanto espera por uma foto. Ao mesmo tempo que Sara, minha irmã mais nova, finge um sorriso claramente não querendo estar ali. Meus pais parecem ser os mais felizes, esboçando um sorriso por terem conseguido que nós três tirássemos uma foto para guardar de lembrança, quando sua primogênita passou na tão sonhada faculdade.        

- Vamos!  

 Levanto meu olhar e vejo um grupo de pessoas que estão saindo da praia, eles estão bebendo e fumando, o que me causa náuseas. Todos que passam por aqui parecem ter as mesmas ações... a mesma embriaguez e os mesmos palavrões. Já estou acostumada demais com tudo isso, após vir quase todos os dias para cá é de praxe encontrar sempre pessoas pervertidas.

Prendo meu cabelo mais no alto e observo e sinto a brisa que paira ao meu redor. O verão faz qualquer um enlouquecer, parece um sol para cada cabeça, com toda certeza é a estação que mais gosto, posso sempre vestir roupas leves e arrumar um pretexto para dá um mergulho no mar. A praia é meu lugar preferido em toda a cidade, onde sinto uma paz inexpressível, tenho uma ligação muito forte com o mar, é coisa de alma. Não vai demorar muito pra iniciar outra estação, logo mais as pessoas da cidade não irão mais reclamar do calor, mas sim do frio. Sempre arrumam um pretexto para reclamarem de algo.

Tempestade de AcáciasOnde histórias criam vida. Descubra agora