> Capítulo em revisão
O dia amanheceu no mesmo horário de sempre, 6:17 da manhã. Nenhum minuto foi acrescentado nessa contagem. Os barulhos das fábricas começando a funcionar, os geradores do lado pobre da cidade com seu horrível "Tec tec" o dia todo. Todos estavam acostumados. Bem, todos menos os nobres, esses nem sabiam que esse constante barulho de funcionamento existia. Nem sequer sabiam que o dia começava nesse horário para mais de 85% da população do reino, afinal, seus dias sempre começavam após um café com gosto de caro às 10:00 da manhã.
Aghata estava acordada como sempre estivera nesse horário, tomando seu café e estudando. Era proibida de estudar sua amada astronomia, seu pai queria que a garota arranjasse um trabalho de verdade, que lhe rendesse o suficiente para manter uma casa com seu futuro marido. Isto é, se um dia conseguisse se casar. Sua pele escura, seu corpo de 1.70 e seus cabelos afro com certeza eram demais para que um homem comum fosse capaz de aguentar. Ela suspirou, guardando seu caderno no exato momento em que ouviu seu pai resmungar no quarto ao lado. No mesmo horário de sempre, 6:30 da manhã. A jovem fingiu ainda estar dormindo, e exatamente às 7:00 horas, Leon abre a porta do quarto, se aproxima da cama da filha e lhe dá um beijo antes de sair trabalhar. Ela suspirou e voltou a dormir, estava cansada de estudar. Todos os dias, das 4:00 as 6:30 da manhã, tudo para conseguir um emprego no observatório.
Exatos dez minutos depois Matthew resmungava em sua própria cama, acordando aos poucos com o clássico cheiro de café do quarto invadindo suas narinas. Sentou-se na cama e se permitiu suspirar. Todos suspiravam muito naquela casa. Não se sabe o motivo certo. Sabe-se apenas que todos estavam cansados, chapados com o próprio cansaço. Ele nem sequer possuía a coragem necessária para se levantar — ou para fazer qualquer outra coisa. "Não acredito que tenho que levantar. Mas se eu me atrasar aquela velha fumante não vai querer negociar." Seus pensamentos se referiam a Amélia , a dona da loja de penhores. Bem, a velha tragava quase três carteiras de cigarro por dia, tinha motivo para ser conhecida como fumante. O rapaz ignorou seus vastos e aleatórios pensamentos, cambaleando ainda bêbado de sono pelo quarto em busca de qualquer roupa limpa. Encontrou sua clássica regata preta, as calças podiam ser as mesmas da tarde anterior.
Foi ao banheiro jogando uma água no rosto. Quando viu seu reflexo no espelho a única coisa que pode notar foi o horrivelmente ridículo e asqueroso ruivo de seus cabelos. Ainda mais, ondulados e com um tipo de vida própria. Ah e suas sardas. Ugh. Elas eram odiosas. Matthew se via parecendo tudo, menos um homem com dezenove anos. Era afeminado demais, baixinho do tipo que ficava ridículo perto de Aghata. Ele desistiu de arrumar suas madeixas na terceira vez em que o pente se enroscou nos fios, arrancando um maço de cabelos ruivos. A única coisa que Matthew não queria mudar em si eram seus olhos. Verdes olhos. Olhos de esmeralda se vamos ser bem específicos. Eles tinham algo de cativante para Matthew, ou talvez pensasse isso simplesmente porque sua mãe sempre disse que eram parecidos com os olhos de seu falecido pai. As 7:43 desistiu de tentar encontrar qualquer mínimo traço de beleza em sua aparência, voltou para o quarto, pegou algumas joias e relógios escondidos em uma caixa sob sua cama, e saiu de casa nem se dando ao trabalho de avisar sua mãe. Não queria que ela desconfiasse que iria sair para vender seu roubo.
Roubo;apropriação indébita de bem alheio.
Caminhou rapidamente pela estrada de terra que ligava sua moradia com o resto do bairro. Moravam mais afastados das outras casas, sua mãe trabalhava vendendo ervas medicinais então era mais vantajoso que estivessem próximos da floresta. Matthew tinha um passo apressado pelo bairro, pensava que o quanto antes de livrasse daquilo melhor, afinal, teria o resto do dia livre para ficar dormindo com seus amados girassóis. "Se essa velha maldita ainda estiver dormindo eu juro que faço questão de me livrar daqueles malditos Blast." E ele o faria mesmo se fosse necessário. Da última vez que Amélia dormiu em serviço Matthew fez questão de jogar fora todo o seu maço de cigarros.
Blast:marca de cigarros popular entre a nobreza;difícil de conseguir;o melhor dos melhores.
Quando seus pés já estavam nitidamente cansados, Matthew se viu entrando em uma das ruas mais movimentadas do reino: a divisão entre o bairro pobre e o Palace, bairro da nobreza. Havia ali quase todo o comércio da cidade. Bem, pelo menos o comércio importante. Joalherias, restaurantes cinco estrelas, feira de alimentos essenciais e, é claro, a loja de penhores de Amélia. Ali podia se encontrar de tudo, desde joias até móveis com algum tipo de história. Era exatamente o tipo de lugar em que Matthew gostava de vender as coisas que "pegava emprestado sem a intenção de devolução" ,como ele gostava de dizer. O ruivo suspirou cansado, seus olhos analisando ao redor até encontrar Amélia encostada atrás do balcão. Era a primeira vez que a via em pé. E ainda mais, a velha estava lendo um jornal. Por Deus, um jornal! Amélia era o tipo de pessoa que dizia que jornais eram inúteis, e que a leitura era mais ainda, mas ali estava ela, lendo um jornal. O dia já começava com grandes surpresas.
"Oh velha do capeta, larga essa coisa aí e vem me atender logo." Matthew disse retomando a sua clássica postura de garoto sem um mínimo de educação. Arrancou dos bolsos tudo aquilo que com certeza não era seu, mas o dinheiro que a venda de tais objetos lhe renderia com toda certeza pagaria as contas pelo próximo mês. Ele encarou Amélia no fundo de sua alma, um sorriso maroto enquanto observava a velha largar o jornal e analisar cada uma das peças mostradas pelo rapaz. Colares, anéis, pulseiras, relógios e tudo que tivesse o mínimo valor para a nobreza. Resumindo: coisas que gente como ele é sua família jamais poderiam comprar pelo preço original. "Então, quanto me paga por isso?" Ele a encarou com uma espécie de curiosidade, mas o sorriso egocêntrico se mantendo em seu rosto. Uma vez seu padrasto o disse que se quisesse conseguir convencer alguém de comprar algo de suas mãos tinha que fazer uma única coisa: olhar com a maior confiança possível, mesmo que não exista confiança alguma na realidade.
"Trezentos aureus." A velha o respondeu, olhando por cima de seus óculos como se dissesse que essa era a única proposta existente. "Se me conseguir uma carteira de Blast eu te arrumo mais cinquenta." O ladrão pareceu pensar por um momento, suspirando após um tempo e concordando com a cabeça. Amélia puxou um dinheiro escondido em uma caixa de sapatos em baixo do balcão, entregando para Matthew trinta moedas de ouro. O rapaz apenas aceitou e guardou o dinheiro nos bolsos, catando dali uma carteira de cigarro que a maioria não tinha condição de pagar. Ele já previa que a velha fizesse esse tipo de troca, ela sempre foi desse tipo. Entregou o maço e estendeu as mãos novamente em busca dos cinquenta prometidos. Com um sorriso cínico ela o entregou mais cinco moedas, o suficiente para que Matthew se virasse e fosse caminhando com sua costumeira paciência. O dia mal começava e já estava cansado.
Ainda antes que seus pés alcançassem o lado de fora da loja de penhores, a velha tossiu e resmungou algo que com toda certeza não era do interesse de Matthew, nem sabia se tinha escutado certo. "O príncipe fugiu do palácio sem deixar rastros, realmente esse jornal não é tão ruim". E ele saiu, pensando ser apenas mais uma das loucuras da fumante compulsiva.
Um privilegiado nunca perderia tempo jogando fora seu futuro.
•••
Carinho
Carinho é o que eu sinto por você,
É o que eu queria sentir por qualquer outro,
Mas sinto apenas por você.
Ergo minha adaga contra meu próprio pescoço,
Isso apenas para te ter aqui.
Tenho pensado que esse carinho é agressivo.Tenho pensado que por você me tornei um masoquista.
-R.
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A Miserável Existência De Um Rei
FantasyOs limites sociais em Bluefield. Matthew os odiava, e Thomas queria fugir a qualquer custo para não os encarar. Um encontro inusitado na floresta mistura essas diferentes realidades os levando a descobrir a resposta de grandes mistérios. O que os jo...