> Em revisão.
Os girassóis refletiam o amarelo de suas folhas molhadas pela chuva. As gotículas de água deixadas para trás escorriam como lágrimas, não se sabe se de tristeza ou alegria. Agradeciam as flores aos céus por a pouco ter lhes mandado um sopro de vida.
Elas, as flores, observavam o corpo de um jovem deitado sobre a terra molhada. Matthew, pobre poeta iludido dormindo sob as folhas dos girassóis. Imaginava que o grande céu azul fosse seu mar de pensamentos. Pensamentos embolados. Pensamentos sem o menor sentido. Talvez fosse ele apenas um sórdido homem insolente?
Ladrão, poeta e sonhador;adjetivos referidos a Matthew.
Desbravador dos girassóis, será que um dia alcança a sua tão sonhada liberdade?
Completamente longe de estar sóbrio, bêbado de sua própria estupidez e ignorância humana. Absorto aos próprios pensamentos, relembrando seu exacerbado medo do depois. Pouco lhe importava se tinha caminhado 7.200 segundos até até ali. Cansado não estava. Faria ainda mais trilha para que estivesse o mais longe possível de casa. Queria estar em qualquer lugar do mundo, qualquer um que não ficasse em Bluefield.
Bluefield; país ao sul, composto por uma grandiosa ilha principal e dois pequenos distritos.
O tempo lhe parecia desconexo, em desordem total. Quando se viu já ia se sumindo o sol ao horizonte, indicando que sua hora de ir para casa se aproximava. "Droga" pensou Matthew "pelo menos o roubo de hoje rendeu para a semana." O rapaz, melhor dizendo, o ladrão/poeta/solitário/esquisito, suspirou enquanto se levantava em um único salto. "Bem, parece que vou ter que abandoná-los meus queridos amigos" em voz alta ele afirmou, se espreguiçando por um breve momentos antes de iniciar seu caminho para o meio da floresta. "Até mais, quem sabe amanhã eu volte ver vocês de novo!" Bateu suas vestes e saiu.
A brisa gélida o pegou de surpresa no momento que adentrou a floresta, seus braços nus se arrepiando profundamente. O inverno já começava a deixar marcada sua presença anual, e o rapaz precisava encontrar uma maneira de manter sua indomável mente ocupada por completo.
Matthew: Lince indomável;inquieto;instável;
O céu alaranjado do entardecer ia se misturando com as folhas das árvores em meio a floresta, dando a visão quase que de um sonho para Matthew. "Pff. Só não abandono esse reino de merda por causa desse maldito céu." Essa era a realidade de sua miserável situação.
Matthew era só um garoto da classe pobre, mas que ao contrário de sua família, era desbocado ao excesso. Nunca conseguiu se manter em emprego algum, todos tinham medo que suas palavras os levassem para trás. Com treze anos percebeu o próprio talento para com suas mãos leves. Roubo. Mas roubava apenas dos nobres, o suficiente para alimentar sua família sem deixá-los desconfiados. Se quisesse poderia facilmente deixá-los no chinelo, como sempre pensou que mereciam.
Era um ladrãozinho de primeira afinal.
Com quatorze comprou um par de tênis novos para sua irmã Aghata. A garota, que que de maneira leve era no mínimo agitada, pulou nos braços ainda não completamente desenvolvidos do irmão de maneira que os derrubou no chão. O piso de madeira de sua velha casa soltou um alto rangido com a movimentação, e naquela noite, sua mãe fez ensopado de carne para comemorarem.
Com dezenove comprava carne para sua mãe fazer ensopado pelo menos uma vez no mês.
Chegou em casa e o dia já havia virado noite, as últimas cigarras cantando pelas árvores. O cheiro da deliciosa comida de sua mãe se espalhando pela entrada da floresta. Retirou os sapatos na porta de casa, percebendo que haviam ali os outros dois pares de costume. Um de sua meia irmã, e outro de seu padrasto Leon. Suspirou. Colocou o sorriso mais grande que conseguiu no rosto. Vestiu sua máscara de bom menino. E entrou pelo corredor que dava acesso à cozinha. Ali sentado a mesa estava um homem de meia idade, os poucos cabelos de sua cabeça já começando a se esbranquiçar. De costas para ele, lavando folhas de salada estava uma mulher. Baixa, com os cabelos negros cortados na medida dos ombros. Sua beleza única e cativante era levemente escondida pelo cansaço estampado em sua feição. A matriarca da família possuía os traços do trabalho excessivo, assim como qualquer um da classe baixa.
"Cheguei! O que tem pra comer?" Matthew anunciou sua presença, seu maior e mais falso sorriso estampado no rosto. "Estou morrendo de fome, o dia trabalhando na lavoura foi cansativo." Mentiras. Cada vez que abria a boca em casa era obrigado a deixar escapar mentiras e mais mentiras. Sua boca era suja das mentiras que tanto odiava, mas fazia isso para seu próprio bem. E para o bem de todos ali.
A mulher abriu um largo sorriso enquanto Matthew a abraçou e cumprimentou com um beijo, se sentindo extremamente sortuda por ter um filho tão carinhoso. "Oh Matt, imagino como deve ser sofrido ficar na lavoura o dia todo com esse sol. Mamãe fez a carne de frango que você tanto gosta!" Ela sorriu animada contanto sobre o cardápio. Seu sonho era ser cozinheira, cozinhar para a família real todos os dias. Durante a adolescência trabalhou em um restaurante local para ajudar a família, foi a época em que era genuinamente feliz em um emprego. Com 17 se casou pela primeira vez e teve que largar o emprego para ajudar seu marido com a sapataria que ele havia herdado. "Tome um banho e venha comer meu amor, já está quase tudo pronto!"
O rapaz aceitou com a cabeça e foi fazer o que lhe foi dito. Despiu-se, ligou a água gelada com a qual estava acostumado e a deixou escorrer pelo corpo. Junto com a água que escorria seu corpo lhe escapavam suspiros de cansaço sincero. Seu corpo não estava cansado, mas sua mente sim. Estava cansado de ter que fingir tão bem, de agir como se seu dinheiro sujo fosse limpo. De agir como se ele próprio ainda fosse limpo de seus hábitos tão politicamente incorretos. "Droga. Por que essas tenebrosas mentiras me perseguem?" Ele suspirou mais uma vez antes de desligar a água. Não podia gastar demais, a conta no final do mês não era de seu agrado.
Saiu com a toalha na cintura em direção ao quarto que dividia com sua meia irmã, apertado e cheirando a café como sempre foi. Aghata estava focada olhando para as estrelas através da janela, forçando seus olhos a enxergar coisas que jamais conseguiria sem ajuda de um telescópio especializado. A garota com seus cabelos afro levemente bagunçados, estava tão concentrada que nem se deu ao trabalho de virar-se. "Use as cortinas Matt, não quero correr o risco de ver essa coisa." A garota suspirou, e Matthew revirou os olhos puxando a cortina velha que usavam como trocador e vestindo uma de suas poucas mudas de roupa.
"Largue suas estrelas e vamos jantar Aghata, mamãe vai ficar chateada se você não comer de novo. Está começando a ficar muito magra pra sua altura." O rapaz dizia enquanto já começava seu caminho para a cozinha. Seu quarto ficava no fim do pequeno corredor, nada naquela velha casa era grande demais. Tudo milimetricamente planejado para não gastar materiais. "Bem, como eu sei que você vai ficar por aqui mesmo, vou dizer que já tava dormindo." Aghata apenas soube sorrir pequeno, soltando um murmurinho em agradecimento.
Matthew voltou para a cozinha, abriu seu falso sorriso mais uma vez, e comeu junto a sua mãe e a seu padrasto, agindo como se tivesse trabalhado pelo dia todo. Quando terminou lavou a louça e beijou a testa de sua mãe antes de voltar para o próprio quarto. Encontrou Aghata já dormindo, a mesma havia esquecido a janela aberta de forma a deixar a brisa noturna entrar. Ele revirou os olhos, fechou a janela, beijou a testa de Aghata e se deitou em sua própria cama, procurando evitar os barulhos exagerados que sua velha cama de ferro sempre fazia. Fechou os olhos. Não conseguiu dormir. Suspirou Matthew e se levantou novamente, pé a pé indo até a janela e se sentando ali, seu caderno e caneta de anotações em mãos. Puxou um cigarro de seu bolso, sempre tinha cigarros e fósforos roubados espalhados pelos bolsos de suas calças. Acendeu um e tragou.
Escreveu seus doces e amargos poemas quase que pela noite toda, como de costume. Quando o dia amanheceu sua carteira de cigarros roubados estava no fim, e seu caderno, cheio de palavras sórdidas com quase nenhum sentido.
•••
Adeus
Novamente o adeus da chuva.
Murmura saudades,
Que brotam cada dia mais.
As horas que eram nossas,
São só minhas nessa umidade.
Transbordo-me em amarguras...
Não quero ser indivisível.
Quero somar contigo para sermos nós.
A vida não tem sentido sem teu aconchego.
És a paz que preciso para ser
Feliz.- Isaquex Mendes.
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A Miserável Existência De Um Rei
FantasyOs limites sociais em Bluefield. Matthew os odiava, e Thomas queria fugir a qualquer custo para não os encarar. Um encontro inusitado na floresta mistura essas diferentes realidades os levando a descobrir a resposta de grandes mistérios. O que os jo...