III

31 6 0
                                    

23 de março de 1080 d.G.G.

Sábado

Spring Candy

𝓑𝓸𝓷𝓷𝓲𝓮

Olhos violetas me encaravam. Havia tanta coisa neles, mas o sentimento principal e o mais aparente era raiva. E tão rápido como veio, a raiva se esvaiu e preocupação e dor tomaram conta e, ao fundo, uma lembrança distante, fragmentada, vista só em sonhos, veio à tona. Uma melodia nunca esquecida, que sempre esteve lá, nas profundezas de minha mente, esperando para ser ouvida, relembrada, foi ouvida.

Do espelho, eu pude ver culpa. Ela me corroía, germinou em minha mente e se alastrou pelo meu corpo, se estabelecendo em minhas entranhas, pesando, causando aflição, angústia e dor. A melodia nunca esquecida, tingiu constantemente em minha mente, como um pincel carregado de tinta preta tingia uma tela branca.

Era irritante, vinha de todos os lugares.

E junto da irritante melodia, dos olhos violetas irados refletidos no espelho, fragmentos do que seria uma lembrança foram vistos.

E ela, sorria e ria; e sem aviso, a melodia se foi, e minha mente (ou será o quarto?), se encheu com uma risada genuína, gostosa de se ouvir. Culpa tomou-me conta novamente e do espelho, nos olhos violetas, eu vi dor, tristeza e culpa; e nas lembranças, lágrimas se formavam nos olhos vermelho sangue dela, que então escorreram pelo seu lindo rosto pálido, deixando para trás rastros da nossa história infeliz.

Senti meus olhos arderem de uma forma meio que satisfatória e, lágrimas escorrerem pelas minhas bochechas, deixando rastros de luto, raiva e culpa para trás. É até que impressionante como rastros de lágrimas podem contar toda uma história, sem realmente dizer nada.

Uma gotícula de água escorreu pelo meu rosto, e pude ver pelo espelho a trajetória dela, escorrendo tão lentamente até chegar um pouco acima do meu lábio superior e então sumir entre suas rachaduras.

De alguma forma, finalmente saio do meu transe e respiro fundo, desviando o meu olhar do espelho e apagando como uma borracha todos os acontecimentos, fazendo com que tudo não parecesse nada mais que um delírio meu.

Pego a toalha que havia caído na bancada de mármore da pia e a levo até a parte de trás do espelho, cobrindo o vidro refletivo, escondendo o meu reflexo. Passo as costas das mãos por baixo dos olhos, limpando as lágrimas e depois liguei a torneira, enchendo minhas mãos com água e as jogando no rosto três vezes.

O interfone tocou quando estava prestes a secar o meu rosto com a toalha de rosto que estava pendurada em um gancho ao lado do espelho coberto.

Sai do banheiro e andei até a porta do apartamento onde estava o interfone e, vi pela telinha, minha amiga Iris, com seus olhos castanhos mel contornados com lápis preto e sombra rosa aplicada por cima de suas pálpebras caídas; e seu cabelo amarelo queimado, solto, emoldurava lindamente seu rosto, como uma moldura feita de de ouro. Ela sorria segurando uma garrafa de vinho tinto em suas mãos, enquanto exclamava, transbordando felicidade: - Surpresa!

Isso me arrancou um sorriso enquanto me aproximei e apertei no botão azul do interfone para dizer: - Você não perde mesmo. Pode subir.

Ela sorriu e depois apertei no botão vermelho para abrir o portão da entrada para a loira entrar.

[∆]

O meu relacionamento com Íris é complicado... de certa forma. Somos aquelas amigas que se vêem de vez em quando para conversar e atualizar uma a outra, que compartilham vivências de mais para serem apenas conhecidas, mas, verdades e sentimentos de menos para ser serem melhores amigas. Eu não estou reclamando, gosto de como as coisas estão, Íris tem sua própria vida e motivos para me deixar de fora dela, como eu tenho meus motivos também. Mas essa não é a questão. Íris quase nunca vinha a minha casa sem que eu a chamasse, e as únicas vezes que isso acontecia, era porquê ela voltava.

Sou tirada de meus devaneios ao senti a taça que segurava pesar enquanto Íris a enchia com o líquido vermelho alcoólico, me trazendo uma sensação reconfortante e uma lembrança distante, fazendo-me dar uma risadinha.

- De quê está rindo? - perguntou a loira, com seus olhos cor mel cheios de alegria e curiosidade, ou ao menos parecia.

Íris era uma ótima mentirosa e sabia esconder as coisas com maestria.

- Nada, só lembrei que a última vez que nos vimos, você não podia beber nada alcoólico - respondi sorrindo enquanto mantia meus olhos fixos no reflexo curvo que o líquido vermelho escuro formava em minha taça.

Íris arregalou os olho surpresa e então sorriu.

- Sim...

- Como estão? - perguntei, indo direto ao ponto, observando-a hesitar. Revirei os olhos e acabei bufando, enquanto dizia: - Se não quiser falar, não fala. Você problematiza demais as coisas.

Ela bufou enquanto ria e depois disse: - Bom, eles não são mais tão pequenos agora. O meu mais velho já têm sua própria família e agora está lidando com uma adolescente rebelde - Riu no final de sua fala, tomando um bom gole de vinho em sua taça.

- Hum... Vovó Íris, hein? - Ironizei, vendo-a sorrir.

- É... Vovó Íris... - repetiu, em seu próprio mundo, enquanto enchia sua taça novamente para então levá-la a boca para tomar um grande gole.

Arqueei uma sombrancelha ao vê-la se inclinar para trás, encostando as costas no couro branco do estofado do sofá enquanto suspirava. Dúvida tingiu minha mente, transbordando para meus olhos, de forma tão aparente, que quando Íris olhou para mim de novo, ela percebera o ponto de interrogação que se formava em minha mente.

Mesmo que haja dúvida, eu já sabia o que sairia de sua boca, já sabia o motivo dela ter vindo sem quê eu a chamasse e de ter trazido vinho. Eu não queria acreditar, não queria que estivesse acontecendo novamente, pelo menos, não tão cedo.

A loira olhou para mim com seus olhos cor de mel carregados de pena, e como se não pudesse aguentar, desviou o olhar tão rápido, como se ela fosse a culpada de tudo.

Não... Por favor, não...

Desespero se alastrou pelo meus corpo, e junto dele, a culpa. Ela pesava de forma tão dolorosa, que era quase impossível respirar. Meu peito começou a doer de forma insuportável, como se, algo o estivesse pressionando com força, impedindo-o de pulsar como deveria. E por um segundo, eu realmente desejei que algo o estivesse esmagando. Esmagando de forma tão fria e dolorosa, fazendo-o parar de vez.

Íris, preocupada, me agarrou e me abraçou, tentando me acalmar.

- Bonnie, está tudo bem. Eu tô aqui, não deixarei acontecer novamente, eu prometo...- sussurrava em meu ouvido, enquanto esfregava suas mãos em minhas costas calmamente.

- Nem você acredita nisso... - sussurrei tão baixo que duvidava que Íris ouvisse.

Relembrar de sua pessoa, de forma tão explícita sempre acabava comigo. Falar sobre o que aconteceu era sempre um desafio.

Eu esperava que Íris estivesse errada; que no fim, as minhas últimas experiências que serviram de castigo, fossem o suficiente aos olhos dos deuses. Esperava que finalmente pudesse receber sua misericórdia. Orava pedindo que nunca a encontrasse novamente nesta vida. Que ela morresse antes que eu a visse, pois, eu não aguentaria outro episódio repetindo a mesma história.

- Bonnie... Está tudo bem, eu não deixarei que você a encontre desta vez. - disse Íris tão confiante de si mesma, que quase me convenceu, mas então lembrei que nada passava por cima do Yue Lao.

Não posso tentar ir contra ele novamente.

Não aguentaria outro castigo...

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Nov 23, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

𝑨𝒌𝒂𝒊 𝑰𝒕𝒐 - 𝐵𝑢𝑏𝑏𝑙𝑖𝑛𝑒⚢︎Onde histórias criam vida. Descubra agora