Temporal

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Naquela noite o céu estava mais escuro, o vento mais frio e o mar tão agitado quando os jovens corações.

No marui da família Sully houve um temporal, choveu forte o suficiente para formar um rio tortuoso de águas gélidas e cortantes, apesar de não cair uma única gota do céu.

Uma chuva intensa e silenciosa rasgava o coração e alma de Neteyam, o que ele havia feito?

Era familiarizado com o desespero e dor trazidos pela guerra, mas dessa vez era diferente. Sentia seu peito arder como se estivesse se afogando em sua própria tempestade, a dor de quando foi alvejado há anos atrás era semelhante á que sentia agora, mas essa era pior.

Agonizante, sufocante, horrível.

Não sabia qual adjetivo usar sobre a sensação que rasgava seu peito e bagunçava seus sentidos.

Correu para a varanda de forma silenciosa para que não acordasse os demais, precisava respirar ar fresco.

Puxou o ar com toda sua força, logo depois soltando na mesma intensidade. Não funcionou tão bem quanto esperava, quando se deu conta estava sobre seus joelhos com uma das mãos no peito.

A tempestade se tornou mais profunda, sua visão estava tão turva quanto seus pensamentos.

Mais uma vez estava perdido. Um guerreiro que nunca sairá vitorioso nas batalhas internas, é isso o que ele era e nada mudaria essa situação.

Neteyam perdeu as contas de quantas vezes ao longo de sua vida dormiu acompanhado da tempestade de seu coração, para ele não fazia diferença nessa altura do campeonato.

Mas a chuva de um coração despedaçado nunca é silenciosa o suficiente para uma mãe que ama seu filho.

Ouvindo a situação do primogênito Neytiri se levantou e correu até sua criança, envolveu o rapaz em seus braços como costumava fazer quando ele ainda era um bebê.

A matriarca não questionou, apenas acolheu o choro do mais novo. Então Neteyam desabou no calor do abraço de sua mãe.

Ele não sabia ao certo o porquê de estar se sentindo tão mal com a discussão que teve com Ao'nung, o que havia de errado com ele?

Sentiu as mãos da mais velha passearem por suas tranças, apertou os braços ao redor dela. Queria se sentir seguro outra vez, não gostava de se sentir sozinho e era exatamente o que estava acontecendo.

O primogênito dos Sully sempre esteve perto de tudo e todos, sendo sempre o líder e protetor dos irmãos mais novos, mas eles cresceram e já não precisavam mais dos cuidados de Neteyam. Isso assustava o rapaz de uma forma descomunal.

O pavor de não ser mais útil assombrava a mente de Neteyam tanto quanto o medo de ficar sozinho para sempre.

Nunca se interessou por nenhuma das mulheres de seu clã, menos ainda pelas moças Metkaynas. Por que ele tinha que ser diferente de todos? O que havia de errado com ele?

O único que ganhou sua atenção e apreço foi Ao'nung, mesmo assim Neteyam cometeu o erro de afastá-lo.

Estava profundamente arrependido das palavras que disse ao rapaz de íris azuis, mas agora já estava feito.

Queria voltar no tempo e retirar tudo que disse, ver os olhos que tanto admirava carregados de decepção o machucou profundamente.

Pensando nisso o rapaz chorou mais, um choro sofrido carregado de angústia e mágoa.

Neytiri observava o filho em silêncio, sabia muito bem da relação que o mais novo mantinha com o herdeiro Metkayna.

Os rapazes não eram os melhores em questão de discrição, mas Neytiri não poderia julgar, ela e o marido eram assim quando jovens.

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