Gotas de chuva calmas tocando a pele descoberta, carros, motos e caminhão, parados no ar, uma irmã assustada segura o sobrinho, enquanto olha pelo vidro do hospital. Joelhos afundados no asfalto da rua, roupas sujas de barro e molhadas de sangue e chuva, sobre o corpo devastado por simples palavras.
"-Ela se foi", disse o médico, "fizemos tudo que podíamos", ele completou, como se a dor fosse diminuir, como se os olhos dela não fossem irradiar raiva, tristeza e medo. Ela, uma mulher forte e poderosa, não teve coragem de virar-se e olhar o próprio filho nos olhos, tinha de ser forte para ele e o marejar em seus olhos não a ajudaria nessa batalha, então resolveu sair no mesmo segundo. A cada pessoa a qual pedia licenca, cada porta dupla que abriu, cada misero passo que dava em direção a fuga, uma nova lembrança cortava seu coração, uma nova lágrima escorria pelo seu rosto ainda jovem, para dissolver aos poucos sua armadura de mulher forte e inquebravel.
Dois míseros metros, se tornaram centímetros, quando ouviu seu nome ser chamado:
"-Ana?!" - a voz de sua irmã tinha sido apenas o tiro do início da corrida, braços cortando o vento e afastando pessoas de seu caminho, pés pisando tão fundo que o chao do saguão ficou repleto de rachaduras. Quando finalmente chegou a calçada, entrou no meio dos carros parados e jogou-se no asfalto quente, gritando tão alto que sua garganta podia, porém não o suficiente para silenciar a dor em seu peito, ou afugentar suas lágrimas teimosas.
A irmã, viu a cena de dentro do saguão, segurou o garoto para que ele não temesse a mãe como as pessoas ao seu redor e se perguntou como responder as simples e únicas perguntas do pequeno:
"-O que aconteceu? A mamãe tá bem?"
A resposta que encontrou foi ajoelhar-se e abraça-lo forte, enquanto fazia carinho nos cabelos escuros e pouco crescidos do garoto e mesmo antes de ver sua irmã se encolher sobre a pequena cratera no asfalto, ela sabia o que tinha acontecido naquela sala e sabia mais ainda que, por mais que todos deixem de culpa-la, aquela mulher sempre se compará por chegar tarde demais.
Você fez tudo que podia
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Curtas-viagens
Short StoryNeste livro, apresento-lhe várias histórias em capítulos próprios e únicos, podendo ser sobre qualquer assunto ou realidade.