Capítulo 1: Vício

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Irene Galle

Uma vez, li que ser viciada, dependente de algo, era como se afogar no vasto oceano sem um mascara ou cilindro de oxigênio; era asfixiante, solitário e assustador.

E demorei um tempo para perceber a verdade sobre isso até acontecer comigo.

Não falava com orgulho sobre ser viciada, na verdade, se pudesse esconderia isso do mundo inteiro, e viveria silenciosamente, onde ninguém pudesse despertar meus desejos sombrios e estranhos.

Suspirei antes de me abaixar rapidamente, me escondendo, com medo que o meu vizinho percebesse o meu olhar indiscreto. Levei a mão até meus olhos, escondendo qualquer emoção neles como se realmente acreditasse que alguém, além de mim, estaria em meu apartamento, me vigiando.

— Isso é realmente um problema.

Murmurei ao menear a cabeça, sabendo que deveria me afastar da janela e qualquer anuncio de binóculos. Havia prometido a mim mesma nunca mais retornar aos velhos hábitos que quase destruíram minha vida.

Bem, de certa forma, destruiu, já que precisei me mudar de estado para ter uma nova vida, onde ninguém ficasse me perseguindo ou me chamando e assassina. Eles pareciam ignorar algo simples na lei: inocente até que se prove o contrário.

E meu advogado, assim como o júri e juiz, tinham deixado claro a minha inocência após tanta investigação, já que fui inocentada de todas as acusações.

O problema era que para algumas pessoas, isso não bastou. Eu ainda era a culpada aos olhos de todos.

Respirei fundo, sentindo-me cada vez mais cansada de tudo.

Pressionei as unhas contra a palma das minhas mãos com força, a dor tinha um leve efeito de afastar os desejos sombrios crescentes. A vontade de observar o meu desconhecido vizinho começou a crescer quando olhei para seus músculos e sua aparência selvagem. A curiosidade em descobrir cada detalhe sobre sua vida crescia anormalmente, fazendo-me querer escapar novamente, mas sabia ser impossível. Não poderia continuar escapando indefinitivamente sempre que alguém atraia minha atenção ou me fazia querer retomar os velhos hábitos.

Se isso continuasse acabaria indo morar no meio da floresta.

Voltei meus olhos para os frascos de comprimidos colocados em cima do sofá, resignando-me a minha situação desesperadora. Levantei desajeitada e fui até o sofá, peguei um dos frascos, abri retirando duas pílulas e as engoli sem agua. A dor na garganta apenas tornava tudo mais real.

Sabia que em poucos minutos uma letargia surgiria misturada com a sensação de satisfação. Uma sensação que duraria pouco tempo, mas suficiente para restringir qualquer vontade estranha novamente.

E esse era o meu ápice da felicidade. O meu pequeno momento de plena satisfação antes do desespero retornar.

Mas isso, de acordo com os médicos, era apenas um reflexo do meu desejo e precisava de força de vontade para escapar de tamanho tormento.

Tudo soava extremamente fácil para eles e muito difícil para mim.

Eu era uma viciada.

Uma pessoa em reabilitação.

E para piorar tudo, ainda tinha um vizinho que conseguia despertar o meu vicio de forma tão súbita e rápida que me deixou indefesa. Eu percebi que não poderia continuar evitando eternamente, afinal, morar no meio da mata nunca foi o meu sonho.

— Que merda!

Gritei tendo o silencio como resposta a minha aparente insanidade. Fechei os olhos novamente, buscando algum escape quando escutei alguém bater na porta. Ainda estranhando, levantei sem qualquer opção, apoiando-me na parede mais próxima antes de abrir a porta sem olhar para verificar quem era.

Encarei a mulher de sorriso gentil sem conseguir me concentrar. Meus olhos pesavam e minha única vontade era fechá-los.

— Olá! ­­­—Sua animação apenas me deixou nauseada. Odiava pessoas positivas e animadas demais, pois elas sempre me lembravam do meu fracasso como um ser humano. — Sou Emília, moro nesse corredor. — A encarei sem qualquer emoção ou curiosidade, mas ela continuou me encarando com animação e falando sem se importar se estava interessada ou não. — Percebi que acabou de se mudar e imaginei que poderia estar um tanto sozinha. Moro no 315, então, caso queira companhia, pode vir a mim.

E da mesma forma como chegou, saiu. Ela se despediu e se afastou rápido como se fosse persegui-la. Estreitei os olhos ao vê-la caminhar pelo corredor até entrar em um dos apartamentos.

Optei por esqueci seletivamente um episodio tão estranho e retornei ao sofá, fechando os olhos e me entregando ao paraíso.

****

Emília

Assim que entrei em meu apartamento segurei o celular com força ao enviar a mensagem.

Respirei fundo algumas vezes, controlando o meu coração e a vontade de espalhar para as pessoas que era quase uma agente secreta. Ri de minha tolice ao recordar da mulher com cara de desespero.

Apesar de ter vinte e seis anos, tinha visto muita coisa na vida e aquele olhar vazio era algo impossível de esquecer. Pessoas que passavam por episódios trágicos costumavam ter a mesma expressão.

Só esperava que a pessoa não a machucasse.

Talvez pudesse realmente me aproximar dela, ser sua amiga e a ajudar.

CONTINUA...

E uma feliz páscoa, amores!

E se preparem porque Kyros está chegando com tudo..

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