Capítulo 2: Observando e sendo observada

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Um mês após a minha mudança ainda mantinha os mesmos desejos que tinham me atormentado durante grande parte da minha vida apesar dos meus esforços, tentando apaga-los com remédios e álcool, enquanto me afogava em novos vícios. Obviamente tudo sem sucesso, já que continuava sendo tentada e perpetuando o mesmo erro apesar de tentar parar muitas vezes.

Se eu me sentia frustrada?

Com toda a certeza.

Mas o problema era um pouco mais complicado de se resolver.

Olhei para o relógio, suspirando ao ver marcar duas horas da manhã. Aproveitei a escuridão da minha casa e da noite para erguer o binoculo comprado na ultima semana e observar o apartamento do meu vizinho. Um binoculo caro com todas as funções que eu poderia desejar.

Estive pensando por um tempo e um dos maiores problemas dos viciados estava em ter forças para resistir às tentações, e infelizmente, havia cedido de novo e de novo. Especialmente quando olhava pela janela de manhã e via o meu vizinho se exercitando constantemente sem ao menos perceber que o observava de longe com tanto afinco e uma disciplina digna de um premio Nobel, se existisse algum para isso. Precisei acordar mais cedo todos os dias para vê-lo e não me atrasar em meu novo trabalho em uma editora razoavelmente famosa.

Começava a ter uma rotina dependente do meu vizinho desconhecido, a quem começarei a chamar de Senhor M. M de maravilhoso e másculo. Precisava admitir o quanto seus esforços meticulosos davam resultados impressionantes em seu corpo.

O meu trabalho era interessante: ler os manuscritos enviados e buscar novas histórias que pudessem cativar o publico. O lado positivo eram os horários flexíveis, os quais facilitavam para que eu ficasse ate tarde vendo o meu vizinho vagar pela casa.

Precisava admitir que ficar olhando-o a distancia não era tão animado quanto a observar os anteriores, afinal ainda não havia pesquisado sobre ele ou sua vida, apenas mantendo uma observação simples e saudável dele em seu apartamento. Eu poderia até ser considerada como a sua segurança particular.

Como ele era uma pessoa sortuda!

Nem sequer precisava de câmeras de vigilância ou equipamentos sofisticados, afinal tinha uma vizinha que realmente se preocupava com ele.

Acabei rindo, incrédula pelos meus próprios pensamentos ao continuar minha vigilância, ou melhor, minha gentil ajuda ao meu novo vizinho.

Não entendia o motivo, mas ele parecia gostar de trabalhar de madrugada, indo dormir apenas as 3 ou 4 da manhã, estranhamente, a sua expressão séria, o modo como se espreguiçava e fingia não ter sono era um pouco adorável.

Claro que para chegar a uma melhor conclusão sobre ele precisaria conhece-lo, saber o seu nome e parar de chama-lo de Senhor M.

E se eu fizesse isso, todo o meu esforço seria a troco de nada.

Ceder ou não?

Abaixei o binoculo, desviei o olhar e resolvi ir dormir. Não poderia continuar fazendo como antigamente, já que meu tempo se tornou menor. Infelizmente, observações continuas da vida alheia não forneceria dinheiro para sobreviver.

****

Kyros Palias

Enganar e ser enganado.

Observar e ser observado.

Acreditar ter o controle e ser controlado.

A verdade era que tudo na vida existia dois lados e Irene Galle nunca iria imaginar que a pessoa que eu via em meu computador todas as noites era ela.

Meus olhos permaneceram na tela do notebook, encarando-a com um tanto de complexidade e curiosidade, ao imaginar quando ela decidiria se aproximar de mim e ir para o próximo nível.

Voyeurs como ela era um tanto peculiares em seu fetiche, se isso poderia ser chamado de tal forma.

Irene Galle havia sido diagnosticada com transtorno de voyeurismo aos quinze anos, após observar um dos vizinhos e invadir a sua casa. O caso poderia ter sido considerado como uma brincadeira de crianças, se ela não tivesse se escondido no closet dele a noite toda, sendo descoberta pela manhã após adormecer de forma descuidada. Aparentemente tinha sido a primeira vez dela agindo assim.

E sua sorte foi que o fato dela ter uma aparência inocente fez o juiz diminuir as acusações e força-la a fazer terapia.

Obviamente ela não iria parar, já que isso era um desejo incontrolável semelhante a de um serial killer que nunca iria conseguir parar de matar. Mas durante alguns anos, ela conseguiu se controlar e evitar a prisão, sendo acusada de delitos leves como observação ilegal ou perseguição.

Irene Galle era uma criminosa e nada iria mudar isso.

Nem mesmo suas tentativas falhas de fugas.

Só restava a curiosidade sobre qual seria o seu crime mais grave e quando ela seria presa. 

CONTINUA...

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