Capítulo V

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Por onde começar...?
Eu poderia começar pela Organização, que diz querer ajudar, mas que só quer se livrar dos lixos por egoísmo, já que são todos mauricinhos protegendo seus patrimônios. Porém, não arriscarei, por ora, a proteção da minha família.

Ok, tudo bem... Talvez eu me importe um pouco com minha família.

— Para onde vamos? Eu tenho que trabalhar! — contesta ela, me olhando, meio decepcionada.

— Você ainda não entendeu que não pode — gesticulo umas das mãos, enquanto a outra, mantenho no volante — , pelo menos por enquanto, ter sua vida de volta.  Nem família e nem amig…

— Não tenho mais família! — esbraveja. Olho de soslaio em sua direção. Vejo tristeza quando ela enxuga uma lágrima.

Continuo dirigindo em silêncio até me aproximar da estrada da capital. Avisto um carro logo à frente. Paro ao lado.

— Até logo, companheiro... Como se meu carro pudesse ouvir.

— Desce — peço ao estender minha mão.

Ela recusa no primeiro instante, mas desce, olhando para os lados na estrada deserta.

Reparo que ela sente frio, pois esfrega os braços. Já são quase 3 da manhã.

— Venha! — chamo, e ela me segue.
Me aproximo do carro parado e quebro o vidro. Abro a porta e entro, destravando o carro para que ela entre. No caminho, ainda permanece em silêncio, e fico curioso sobre o que aconteceu para que ela não tenha mais uma família, parentes.
Sei que o depoimento dela contra Joaquim foi por assassinato e a tentativa dele de sequestra-la. Uma posse de ódio me incomoda. Não entendo esse sentimento.

Então, deixo de pensar nisso e passo a pensar em onde deixá-la. Ela não poderá ficar comigo. Mas… a casa dos meus pais... Preciso ir para Aracruz. Ótimo. E sem que Marcos descubra.  

Eles vão me fazer milhões de perguntas e até pensar em possibilidades… Bem, vocês sabem como são os pais, ainda mais mãe, especificamente a minha mãe, que vive me cobrando uma nora e netos. Como se eu me importasse...

Olho para o lado, em sua direção. Ela está muito calada. A pego dormindo com a cabeça tombada. Paro o carro por um instante e ajeito o banco, com cuidado, para que ela não acorde. Me pego encarando-a …tão linda e g...  Oh, merda! O que estou dizendo?! Me viro bruscamente, e ela se assusta.
Acelero o carro, e logo que me vê dirigindo, respira aliviada, virando-se para o lado da porta. Volta a dormir.

***

Já está quase amanhecendo. Estamos perto da casa dos meus pais, já avisto. Noto que há carros de vigias na entrada. Espero que seja proteção do Marcos. Resolvo desviar para um boteco não muito longe dali. Não julguem antes de eu terminar. Vou deixar o carro e seguir a pé, entrar pela casa do vizinho do fundo. Espero que não estejam.

— Acorda — chamo em um tom baixo, sem tocá-la, mas ela só ronrona. Puta que pariu... como fica linda assim. Merda! Por que me importo? Ou melhor… Ah, que se dane! Balanço seu corpo.

— Oww! — reclama ela, meio irritada, se espreguiçando.

— Venha, vou te levar para um lugar seguro — digo a ela, descendo do carro. Ela sai logo atrás.

Procuro por lixos que as pessoas costumam abandonar nas ruas e encontro uma tábua de passar velha. Encosto a peça na parede. Marjorie me olha, indignada.

Assim que eu subo o muro sem ajuda da tábua, estendo minha mão para ela.

— Você vai invadir essa casa? Está louco!

— Suba logo e deixe de perguntas, logo vai entender.

Ela segura em minha mão e pula sem usar a maldita tábua. Se eu soubesse, não tinha perdido tempo procurando algo para ajudá-la. Auxilio a descida dela até o outro lado e depois pulo.

— Onde estamos? — cochicha ela em meu ouvido, e que sensação boa ouvir o sussurro dela.

Foco, foco.

— Vizinhos dos meus pais. — Ela me olha, surpresa.

Passamos o corredor lateral da casa até o fundo, e subo novamente no muro. Espio onde um dia foi minha moradia, não digo lar, pois nunca me senti assim.

Parece que estão acordados, pois há várias luzes acesas. Bem, vai me poupar de ter que acordá-los.

Ela me estende a mão, e a puxo novamente. Como o muro do lado de dentro é mais alto, descido pular primeiro.

— Desta vez vou primeiro — aviso.

Desço e estendo meus braços para pegá-la. Achei que ela fosse descer de costas, mas não, ela pula de frente a mim. E por segundos capturo seu olhar, e que olhos lindos ela tem.  Um castanho magnífico, como dois potes de caramelos. O que eu estou fazendo?! A solto e vou em direção à porta da cozinha, nos fundos.

Bato apenas uma vez, e alguém começa a destrancar. Sem perguntar quem é?! Ahh, devem ter lembrado da minha juventude quando eu fazia muito isso. Eu adorava fugir e aparecer altas horas da madrugada. Mesmo assim é muito perigoso

— Filho, sabia que era você! — É meu pai que abre, já me abraçando. Logo vejo minha mãe e irmã…. E o noivo?!

— O que você fez? — pergunta meu pai.

— Tá com bosta na cabeça para raptar…
— Minha irmã não chega a terminar a frase, pois todos eles observam Marjorie entrando na cozinha.

— Ainda trouxe para casa! — vocifera ela.

— Filho, diz que isso tem uma explicação, o que estão dizendo na tv. — Minha mãe se aproxima, e eu me afasto antes que queira me abraçar também.

— Ok,ok ,vamos todos parar as acusações para cima de mim. — Tá que eu não sou nenhum santo. Mas nunca dei a eles motivos para desconfiarem. Ah, quem eu quero enganar?! Dei sim...

— Ele não me raptou, ele salvou minha vida — diz Marjorie. Olho em sua direção, ela se aproxima da minha família, surpresa. O foco deles é ela agora.

Marjorie deve ter pensado que eu não tinha família... Bem, se eu não tivesse, com certeza teria me tornado um verdadeiro psicopata. O prazer de matar, ver a vida se esvair diante de mim, é tão prazeroso... Isso dá uma sensação de poder. O que posso dizer?! Foram eles que me ensinaram o certo e o errado. Mesmo que eu seja contra a muito do que eles me falaram, eu respeito.

— Não posso explicar, mas preciso que fiquem com ela, e assim que possível, vão para a casa da vó Olga.

— Filho, o carro que está aí fora nos vigiando é da polícia? — pergunta meu pai. Isso porque acabei de dizer que não posso explicar nada.

— Sem explicação! Preciso que confiem em mim, tudo bem?!

— Confiar em você para ajudar….

— Celina! — minha mãe a repreende.

— Só tome cuidado, meu filho. Venha, querida, deve estar com fome — diz minha mãe ao abraçar Marjorie, o que me deixa aliviado. Sigo para a saída.

— Filho! — Ouço a voz do meu pai. Espero até que se aproxime. — Não sei com o que  trabalha, mas volte com vida, tá certo? — Ele repousa a mão em meu ombro ferido, com sinais de pouco sangue.

Apenas o encaro brevemente, sem dizer nada, e me afasto.

O escuto fechar a porta, e novamente pulo o muro. O dia está mais claro e o sol já nasce no horizonte.

— Não vou morrer! — digo em voz alta. Antes não me preocupava, mas agora… me importo. Por quê?

Por agora, enquanto penso qual o primeiro passo para atrair os merdas, preciso do meu impulso matinal, um bom estimulante mental, meu café.

AlvoOnde histórias criam vida. Descubra agora