CAPÍTULO UM - ENTRE OS BUQUÊS

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20 de fevereiro de 2022
Interior de São Paulo
Clara

   - VOCÊ ESTÁ ESPETANDO UMA SUCULENTA???
   Rafaela está indignada com a cena que acabou de ver. Paro minhas mãos e olho para ela, levando um leve susto com seu ar de espanto enquanto encara minha ação naquele momento: eu estava enfiando um pedaço de arame dentro do caule de uma suculenta que antes era saudável e feliz.
   - Rafaela, pelo amor de Deus, cara! - digo levando uma das mãos ao peito.
   - Que noiva desorientada é essa que quer uma suculenta no buquê? Ela não tem noção de que está sendo uma assassina? POR QUE CONCORDOU COM ISSO, CLARA? - berra Rafaela, fazendo um drama gigantesco com as mãos no ar em sinal de desespero, chacoalhando com os olhos arregalados.
   - Eu concordei porque precisamos do dinheiro, Rafa! Você sabe bem como estão indo as coisas por aqui... Acha mesmo que não estou assassinando essa pobrezinha enquanto meu coração chora? - faço minha melhor voz de choro, retribuindo ao seu drama.
   Quando Rafaela e eu começamos a trabalhar juntas, ambas tínhamos os mesmos neurônios. Duas doidas por suculentas que não suportavam ver crueldades com as pequeninas, mas quando nossos clientes vinham com seus pedidos assassinos, precisávamos responder a altura:
   "- Claro! É possível adicionar uma suculenta ou outra no seu buquê de flores, vão dar uma aparência mais rústica e valorizar muito seu vestido de noiva." - respondi com entusiasmo nossa nova cliente, que se casaria em um campo no estilo rústico e desejava seu buquê na mesma vibe. Aquele dia foi como dar uma facada nas costas do meu jardim de suculentas.
   Pode parecer exagero, mas foi assim que eu e Rafa nos conhecemos. Eu havia acabado de abrir minha barraquinha de plantas e flores na feira do bairro, e minha maior demanda eram as suculentas. Sempre fui apaixonada pelas pequeninas, e quando decidi abrir uma floricultura e fazer disso minha principal fonte de renda, as suculentas foram a ideia inicial. Cultivei várias espécies e fazia arranjos em vasos com elas, além de criar paisagismos para jardins de senhoras apaixonadas por plantas assim como eu. Um dia, Rafaela apareceu na feira e ficou encantada com os arranjos, levando uns cinco no mesmo dia e voltou toda semana para comprar mais dos mini vasos. Foi assim que nossa amizade começou e evoluiu para parceiras de negócios.
   "- Você já pensou em fazer algo maior com suas vendas? - Rafa perguntou certo dia na feira, enquanto selecionava as suculentas que levaria naquele dia.
   - Já tive muitas ideias, mas tenho muito medo de arriscar e perder o que já consegui construir aqui - respondi, retirando folhas secas de alguns vasos.
   - Olha... Não me entenda errado, não quero parecer desesperada nem nada do tipo! Mas posso te ajudar com isso, se quiser. Trabalhei em uma agência de casamentos, eu cuidava das decorações com doces, mas aposto que não deve ser difícil decorar com plantas também."
   Desde aquele dia, passamos a nos encontrar fora dos dias de feira e formular um plano para expandir a Garden 's. Acumulei mais dinheiro com as vendas, e com a ajuda de Rafa conseguimos alugar um ponto comercial no centro da cidade, onde hoje é nosso atual estúdio.
   Conseguimos vários pedidos para casamentos e festas de quinze anos de mocinhas ricas, o negócio bombou na época, mas a pandemia nos fez fechar por um tempo, fazendo apenas vendas online. Agora estamos tentando nos reerguer em plena crise pós-pandemia.
   - A situação não está nada boa pra floricultura a um tempo. E por falar nisso, precisamos conversar e traçar um plano pras vendas crescerem, nem que seja um por cento. - disse voltando ao meu trabalho maligno de enfiar o arame no caule daquela suculenta.
   - Fala sério! O que está acontecendo com todo mundo? Antes tínhamos casamentos todos os finais de semana, e agora é difícil conseguirmos dois por mês - Rafa já havia saído de seu transe de indignação com a pobre suculenta e se sentado na poltrona da sala de produção.
   Nosso estúdio era mediano, sendo três cômodos com uma recepção florida e cheia de vida, pequenos arranjos de rosas cor-de-rosa e tulipas brancas dispostas em frente à porta de vidro na entrada, e mais abaixo uma pequena escada com arranjos de suculentas e outras sozinhas em vasos pequenos.
   Nossa recepção tinha as paredes pintadas de branco e atrás do nosso balcão, havia uma placa nas cores rosa e dourado, dando vida ao nome do estúdio: "Garden's". Logo ao lado, construímos nossa "sala de produção", onde fazíamos os arranjos e toda a nossa bagunça. Era ali que o circo pegava fogo e os lindos arranjos dos eventos eram criados, deixamos duas poltronas cor-de-rosa para a recepção e uma para essa sala. Mas por que apenas uma para a sala de produção se éramos em duas? Ora, depois de horas montando arranjos de vários tamanhos, a primeira coisa que eu fazia era me estirar deitada no chão do estúdio e esticar minha coluna como uma bailarina, sentindo todos os meus ossos voltando ao seu devido lugar e o alívio tomando conta do corpo inteiro.
   Já Rafaela, se sentava na poltrona e imediatamente dormia. Sim, ela dormia em menos de segundos!
   - A crise econômica do país está afetando todos, não só a gente. - respondi, finalizando o assassinato da suculenta e colocando ela junto às outras flores no vaso, para aguardarem sua vez de se unirem num lindo buquê de noiva.
   O buquê seria composto por algumas suculentas rosetas, escolhi as rosas-de-pedra para isso, juntamente com algumas folhagens em verde escuro e tulipas brancas. O destaque das flores ficaria por conta de duas orquídeas brancas e as suculentas. Um buquê bastante rústico e exótico, eu diria.
   - Ei, já está quase na hora do almoço. O que acha de terminar esse buquê depois de um bom prato de frango à milanesa? - disse Rafa, olhando no relógio e saindo da poltrona em um pulo, tomando sua mochila que antes estava jogada no canto da sala, ao lado da poltrona.
   - O João não vai ter frango empanado no cardápio hoje? À milanesa não me agrada muito, não. - tirei o avental deixando ele em cima da mesa, junto com as flores.
   - Não sei, ele não enviou o cardápio e hoje ainda. - Rafa checou o celular para ter certeza que não havia uma nova mensagem de João, o dono do restaurante.
   Em dois passos, fui ao banheiro e lavei as mãos rapidamente, o cheiro do sabonete de morango preencheu o lugar. Em outro salto, saí do banheiro chacoalhando as mãos molhadas e pegando minha bolsa, que antes estava pendurada na maçaneta da porta.
   - Você está com as chaves do estúdio? - perguntei para Rafa, batendo as mãos nos bolsos da calça e percebendo que elas não estavam comigo.
   - Sim - ela balançou as chaves na frente do meu rosto, equilibrando elas no dedo indicador pelo chaveiro - vamos logo, e não esquece de tomar seu remédio antes de sair.

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