Aquela noite
DanielMinha câmera não queria facilitar as coisas pra mim hoje. O foco estava se perdendo toda hora e precisei ativar o modo manual, além da velocidade, que também não estava regulando mais.
- Preciso de uma nova - suspirei, já nervoso com a máquina nas mãos.
O casamento já estava começando, então precisei me virar e começar a tirar aquelas fotos. Verifiquei entre uma entrada e outra, as fotos estavam consideravelmente boas. Davam pro gasto, mesmo não estando do jeito que eu realmente queria.
Me movi em meio aos convidados, tentando captar as melhores imagens da noiva, que fazia sua entrada às lágrimas. Ah, se elas soubessem o quanto aquelas lágrimas eram valiosas pro meu trabalho! As fotos ficavam incríveis e todo o sentimento era transmitido, eu amava aquilo.
Quando a cerimônia já estava no meio, segurei a câmera sem fotografar nada por uns segundos para respirar. Agora seria a hora da dama de honra entrar com as alianças, e eu precisava de fôlego para as próximas fotos.
No entanto, o perdi completamente quando olhei para o fundo da igreja e vi uma figura de cabelos curtos e vestido rosa.
Eu perdi o rumo de tudo à minha volta por alguns momentos... Ela estava lá. O que ela fazia ali? Por que?
A música soou e a daminha avançou com o pagem pelo tapete vermelho, estava um doce e era seu momento de brilhar à caminho dos noivos, mas mesmo tirando várias fotos daquela cena, minha mente se voltava à pergunta que não se calava: o que a Clara estava fazendo naquele casamento? Seria uma convidada? Parte da rica família presente na cerimônia? Não, ela não era rica quando a conheci, mas e se tivesse ficado?
Por que eu estava pensando nela e nessas coisas todas?
Consegui perceber que, enquanto ela sorria estonteante assistindo a entrada da dama e do pagem, seus olhos estavam marejados. Ela estava emocionada.
Logo, apontei a câmera em direção ao rosto repleto de sentimentos e dei um clique. Mesmo de longe, mesmo ativando um zoom surpreendente, aquela foto havia sido... A melhor.
Ela estava luminosa... Não como naquela época, mas melhor. Mais cheia de luz.
Quis me aproximar dela diversas vezes durante o casamento, mas infelizmente eu era o único fotógrafo lá, captando cada passo dos noivos. Não consegui desgrudar meus olhos da figura doce e sorridente do outro lado da igreja, em dado momento me peguei comparando-a com um pequeno marshmallow rosa...
Era como se eu, inconscientemente, esperasse vê-la de novo depois daquela sexta-feira. Havia me mudado para São Paulo à trabalho, não tinha a mínima ideia de que esbarraria com ela por lá, pois nem sabia que ela havia se mudado para cá naquela época.
Ao final da cerimônia, ela estava diferente. Parecia mais leve, e estava acompanhada de uma mulher morena e um pouco mais alta que ela. As duas se olhavam com ternura e felicidade. Pensei em certo momento que elas talvez estivessem juntas por conta da proximidade, mas tentei não interpretar aquilo de forma desesperada logo de cara.
Quis em me aproximar, terminar aquelas fotos logo e correr para perto dela, perguntar sobre ela, se tinha chegado bem em casa naquele dia... Mas quem eu queria enganar? Fui um completo idiota indo embora de lá e deixando ela para trás. Eu era ótimo em ser um babaca, principalmente com ela desde a escola.
Quando ela estava por perto, eu não era eu. Não entendia o que acontecia comigo, por quê eu mudava na simples presença da garota, mas algo em mim gritava mais forte... E eu acabava sendo um tremendo babaca.
Foi então que ela me viu. Ela notou minha presença, sabia que era eu, mesmo com as roupas pretas e bem camufladas naquela noite. Ela me viu por trás daquela câmera e paralisou. Ela simplesmente parecia não respirar naquele instante.
E eu não resisti.
Minhas pernas criaram vida própria e se moveram em sua direção, eu não fazia ideia do que estava fazendo, o que eu diria quando chegasse perto dela? Eu era um completo idiota, ela me odiava.
Mesmo assim, ela me atraia para perto. Sempre.
- Vai esmagar minha câmera também?
Bom, é um bom começo. Ela riria daquilo... Não riria?
Não. Ela parecia desesperada, mesmo paralisada daquela forma na minha frente, assim como ficou na cafeteria enquanto me olhava fixamente. Mais uma vez eu estava agindo como um completo idiota.
- Clara, quem é esse? - a morena ao seu lado segurou seus ombros e apontou com a outra mão para mim.
É, acho que realmente elas estavam juntas.
- É... Esse é o...
- Daniel, prazer! - estendi a mão para a morena, me apresentando enquanto ela me lançava um olhar confuso. Certamente pela reação da parceira.
Então enquanto me cumprimentava, sua expressão mudou de confusão para surpresa.
- Espera um pouco! Você é o mesmo Daniel que...
Vi de relance Clara lhe dar um cutucão com o cotovelo, o que fez a morena parar de falar no mesmo instante.
- O que está fazendo aqui também? - A voz de Clara saiu como um sussurro doce, mas inseguro.
- Vim a trabalho, como pode ver - ergui a câmera, tentando sorrir sem parecer nervoso.
- Ah, ótimo. Não sabia que seríamos colegas de trabalho também. - ela deu de ombros, enfim saindo do transe que estava - Ainda bem que será apenas por essa noite, não é mesmo?
- Colegas de... Trabalho?
Aquela história estava confusa, e mais confuso ainda era o fato ela parecer incomodada comigo presente no mesmo lugar que ela estava.
- Precisamos ir, temos que ter certeza que as flores ficarão bonitas nas suas fotos.
Virando de costas e saindo em direção à uma Fiorino rosa, as duas seguiram pelo estacionamento me deixando ali, na companhia das perguntas que sondavam a minha cabeça.
"Garden's, tornando seu dia especial como ele deve ser!"
O slogan ilustrava a lateral do Fiorino e então me toquei que ela era a florista do casamento.
E nós estávamos fazendo aquilo se tornar real juntos, como nos velhos tempos.
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Uma pétala por vez
RomanceClara não via a hora de sua floricultura se tornar famosa e bem sucedida. Casamentos, festas e confraternizações eram o foco do seu trabalho, no entanto as crises no país fizeram muitos cancelarem seus eventos e ela se viu caindo num poço sem fundo...