Agosto de 2018
Rio Grande do Sul
Clara- Você viu o que tem pra merenda de hoje? - Gabriela me pergunta, puxando a touca da minha blusa de frio azul (minha favorita!), fazendo meu corpo arcar para trás na cadeira.
Ficar horas sentada na mesma posição naquelas cadeiras desconfortáveis já não era favorável naturalmente, então o bruto movimento me fez sentir a coluna estralando e causando certo alívio em mim, e minha ação de me espreguiçar naquele momento acaba sendo involuntária, até mesmo quando minha mão acertou "acidentalmente" a testa da minha amiga, retribuindo seu puxão com um empurrãozinho.
- Ai! - levou a mão à testa, batendo de leve a minha com sua outra mão livre. - Eu tô falando sério! Tô morrendo de fome.
- Você tá sempre morrendo de fome - respondi rindo e me virando para trás para poder olhar melhor para ela enquanto falava.
Eu e Gabi éramos amigas de longa data, mais ou menos desde o quinto ano do fundamental. Totalizando sete anos de amizade, já que estamos no terceiro ano do ensino médio hoje em dia. Em todos esses anos de amizade, nunca vi seu cabelo preso.
Isso é uma informação um tanto aleatória, mas é o que sempre me vem à mente quando lembro do nosso tempo de amizade.
- Por que não pergunta para o Daniel o que tem de merenda? Ele deve ter passado por lá entre as cinquenta saídas que deu pro banheiro. - provocou Gabi, com um sorriso no rosto.
Gabi sabia das minhas tretas com Daniel, já que somos melhores amigas e conto tudo para ela. Daniel é meu estresse diário nessa escola, desde que ele chegou vivia me provocando e tentando ser melhor em tudo o que eu sou ótima. Modéstia a parte, eu sempre fui considerada a melhor aluna desta escola. Sempre fiquei em primeiro lugar em todos os anos, ganhei prêmios e fundei a oficina de horta e compostagem no início do nono ano do fundamental.
Sempre fui apaixonada por plantas e paisagismo, minha ideia inicial era uma oficina de paisagismo mesmo, mas não chamou a atenção dos coordenadores. Então, optei pelo mais atrativo. Estava no topo da minha fama como aluna exemplar, estava até ele chegar e ocultar meu status, fazendo minha colocação cair de primeiro para o segundo lugar.
Ele veio com suas impecáveis notas e carisma inabalável com todos, menos comigo, no primeiro ano do colegial. Sempre tentando se mostrar melhor que eu em tudo, sem a menor humildade e por pura diversão.
Eu não tinha problemas com ego ou orgulho, mas o que me fazia perder a cabeça sempre era seu deboche. Suas brincadeiras eram saudáveis e agradáveis com todos, mas quando se tratava de mim ele utilizava todo o seu espírito de cinismo, me dando respostas cínicas ou usando do seu deboche para atrair risadinhas das garotas, tentando se mostrar "melhor" que eu.
Se era guerra o que ele queria, era guerra que ele havia conseguido!
Hoje em dia, já no terceiro ano do colegial, minha relação de coleguismo com Dani estava estável. Brigas bobas já não aconteciam com frequência, mas ele nunca parou de me provocar e fazer gracinhas para chamar a atenção das pessoas.
Ele era atraente aos olhos das pessoas. Era alto e tinha sardinhas espalhadas pelo nariz de uma forma que deixava seu semblante sempre tão fofo, mas ao mesmo tempo seus olhos transmitiam uma intensidade feroz e cativante. Além dos braços que eram um tanto quanto definidos, já que frequentava a academia desde o início do ano. Tinham vezes em que eu perdia o sono imaginando como seria ter aquelas mãos cheias de veias saltadas na minha cintura e seus olhos fixados nos meus, tentando revelar o que há nos meus pensamentos...
Tudo bem, eu admito não o odiar tanto assim.
Ok, eu gostava dele.
Precisar lidar com seu afastamento era horrível e me fazia sempre pensar não valer a pena gastar meu coração naquilo. Ele nunca sentiria o mesmo, na verdade acredito que me via como uma palhaça! Isso era evidente nas suas ações.
- Nem morta falo com ele mais do que o necessário - respondi Gabi.
O semblante da minha amiga mudou de animação para expectativa quando olhou para algum lugar atrás de mim.
Foi quando senti uma mecha do meu cabelo sendo levemente puxada para trás.
Só podia ser ele.
Aquele imbecil.
Um imbecil gato.
- Aí, seu ridículo! - disse, levando a mão aos cabelos e olhando para cima, apontando para o indivíduo com a mão livre e tentando, de maneira falha, dar um tapa no seu braço.
Daniel desviou do golpe rindo como se ter puxado meu cabelo fosse a coisa pela qual mais esperava no dia. Tentei dar mais um golpe, agora usando a outra mão, mas ele conseguiu desviar para o lado evitando ser atingido e parando entre a minha mesa e a mesa de Gabi.
- Desnecessário, ein! - reclamo com ele, ajeitando o cabelo - sabe quanto tempo leva para colocar um cabelo ondulado indeciso no lugar em plenas sete horas da manhã?
- Eu sei exatamente como é! Esqueceu que também sofro com a herança de um cabelo ondulado sem forma ou jeito? - ele respondeu, passando as mãos pelo cabelo como um galã de novela mexicana, olhando para cima, ou para uma câmera imaginária da cabeça dele.
Dani tinha um cabelo consideravelmente comprido, indo até o ombro e sendo completamente ondulado e castanho claro. Ele costumava usar seu cabelo preso e um rabo de cavalo invejável, ficando despojado e bonito.
Já eu, tinha o cabelo do mesmo jeito, só... Um pouco pior. O mesmo comprimento, a mesma forma, a mesma cor. No entanto, ele não ficava despojado e bonito, mas sim desarrumado e armado!
- Fica quieto, Dani. Certeza que você lava seu cabelo com detergente. - eu disse, me virando para frente e ajeitando a cadeira mais perto da mesa.
Um ato falho quando cometido perto de Daniel, que logo se aproveitou da fresta aberta entre minha cadeira e a mesa de Gabi e puxou a cadeira para trás, me fazendo ter a sensação de que iria tombar.
Meu grito agudo e o som da cadeira rangendo no chão fez a sala agitada olhar para nós, e os uivos começaram, mesmo que eu não tenha necessariamente atingido o chão em um belo tombo, a simples menção a um tombo já era motivo de uivos na escola.
- SEU IDIOTA! - me levantei e saí correndo atrás de Dani, que já fugia às risadas de mim.
Mais um dia normal na minha vida.
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Uma pétala por vez
RomanceClara não via a hora de sua floricultura se tornar famosa e bem sucedida. Casamentos, festas e confraternizações eram o foco do seu trabalho, no entanto as crises no país fizeram muitos cancelarem seus eventos e ela se viu caindo num poço sem fundo...