CAPÍTULO CINCO - FLORES E CLIQUES

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No dia seguinte
Clara

   Estava caminhando com os pés descalços em um campo repleto de margaridas. A brisa do fim de tarde fazia meu corpo se sentir em casa, e enquanto eu me deliciava daquelas sensações alucinantes, ouvia um som ao longe que decidi ignorar, pois aquele era meu momento de paz de espírit...
   Vrum, Vrum, Vrum.
   Aquele som passou a ficar mais alto à medida em que eu tentava ignorar, e de repente aquele vale de margaridas e a brisa fresca se tornaram um borrão e depois, o meu quarto.
   Eu tinha pegado no sono depois do banho e dormi com a cara no celular, aquele som da vibração do toque do telefone tinha me tirado do paraíso de margaridas.
   Retiro o celular debaixo do meu rosto e percebo que está um pouco babado. Eca. Limpo um pouco com o próprio cobertor e tento atender rápido, já que parecia estar tocando a algum tempo.
   - ESPERO QUE TENHA UMA ÓTIMA EXPLICAÇÃO PRO ATRASO! - Rafa ralhou do outro lado da linha antes mesmo que eu dissesse qualquer coisa.
   Foi então que tirei o celular do rosto e vi as horas, tombando da cama com a cara no chão.
   - RAFA DO CÉU - tentei me sentar no chão, uma tentativa falha, já que escorreguei e parei de quatro - JÁ ESTOU CHEGANDO!
   Desliguei e corri pro banheiro, sem acreditar em como deixei de colocar o despertador no celular na noite passada. Hoje terminaríamos os arranjos florais para o casamento que aconteceria amanhã, e eu havia combinado de estar no Estúdio às nove horas com a Rafa para fazermos, mas já eram onze horas.
   Me olhei no espelho e eu estava horrorosa, um completo desastre. Apenas vesti uma calça moletom cinza e coloquei uma regata branca, já que fazia calor, e assim que coloquei uma faixa no cabelo desgrenhado para disfarçar o volume, corri para o ponto de ônibus.
   Morar no fim do mundo, praticamente do outro lado da cidade, tinha muitas desvantagens. Uma delas era que levava cerca de uma hora para o ônibus viajar daqui até o Estúdio, que ficava no centro. Logo, calculei que chegaria pelo menos por volta do meio dia lá.
   Uma dor de cabeça me acompanhou durante o trajeto, e não ajudou em nada o enjôo me fazer uma visitinha enquanto eu tentava responder às mensagens no celular dentro do ônibus, eu sempre ficava nauseada com aquilo quando não tomava o café da manhã. No entanto, assim que desci do ônibus e corri ao encontro da Rafa, a dor de cabeça piorou, me levando a ter algumas tonturas.
   - Graças a Deus! Já estava ficando apavorada aqui - disse Rafa assim que eu passei pela porta.
   - Desculpa mesmo, aconteceu tanta coisa ontem que não me lembrei do despertador para hoje - joguei meu celular e o cartão de passe do ônibus na poltrona da sala de produção, imediatamente vestindo o avental e dando uma boa olhada na mesa que Rafa havia usado para fazer os arranjos.
   - Faltam dez arranjos pequenos para as mesas da festa, já fiz vinte nesse tempo que demorou.
   - O quê? Como assim conseguiu fazer tantos em... - verifiquei o relógio na parede, já eram uma hora e vinte minutos - Oh...
   - É - Rafa olhou para mim rindo - Além disso, ontem acabei ficando mais um pouquinho aqui enquanto a chuva não passava, aproveitei e fiz mais uns... Cinco, talvez. - Deu de ombros e voltou os olhos para o arranjo nas suas mãos.
   Na breve menção que fez do dia anterior, me lembrei de todos os acontecimentos na cafeteria. O bolo esmagado, a muralha de carne e osso que eu atropelara, aqueles olhos verdes...
   - Clara? Está tudo bem?
   Não me dei conta de que havia parado por um momento, eu estava perdendo tempo com aqueles pensamentos. Um tempo valioso.
   - Ah, sim! Tudo ótimo, só vaguei por um segundo - me apressei tomando algumas das flores do arranjo nas mãos e uma tesoura na outra, iniciando mais um arranjo.
   Teríamos uma tarde de muita produção para aquele casamento, então tentei focar apenas nos arranjos e no pedido dos noivos para que a cerimônia fosse perfeita.

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O dia do casamento
Clara

   Dias como aquele eram sempre tumultuados, tínhamos todo o trabalho de colocar os arranjos na Fiorino e levar ao local do casamento e após isso, montar tudo e deixar perfeito. Rafa e eu já tínhamos certa agilidade com aquilo, então em menos de duas horas conseguimos organizar o campo e metade do salão de festas.
   - Vou precisar levar o buquê para a noiva e o arranjo da dama de honra - disse para a Rafa, enquanto ela terminava de arrumar mais cinco mesas do salão com os arranjos - Vai ficar bem sem mim por enquanto?
   - Sim, pode ir. Já estou acabando e logo vou para a cerimônia também, então nos vemos lá! - sorriu, com otimismo.
   - Sim... - a palavra saiu com um suspiro, eu tinha medo de cometer algum erro no processo e estragar tudo em um dia tão especial para duas pessoas, sempre ficava nervosa.
   - Ei... - Rafa se aproximou, colocando as mãos nos meus ombros enquanto as minhas estavam em cada lado da minha cintura - Vai ser perfeito, já fizemos isso antes.
   - Eu sei, vai ser perfeito - respirei fundo e recebi um sorriso encorajador da Rafa, que voltou aos arranjos logo em seguida.
   Tomei a caixa com o buquê nos braços e segui para o salão onde a noiva estaria.

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   Tudo sucedeu de forma bem rápida, pra falar a verdade. Depois de ir encontrar a Rafa que já me esperava na igreja, comecei a preparar as floristas e a dama de honra. Particularmente, o arranjo que fiz para a dama de honra foi o mais especial.
   - Clara, está lindo! - Larissa sorriu e se encantou com o arranjo que levaria as alianças dos noivos.
   Lari era uma menina cheia de luz, com seus sete aninhos de idade. Preparei o arranjo adaptando-o para que ela pudesse levar as alianças ao casal sem dificuldades, já que teria que usar as mãos para locomover a cadeira de rodas que não era motorizada ainda.
   - Agora sim ganhei a noite, pequena! - me agachei para falar com ela melhor, dirigindo um sorriso sincero e tocando a pontinha do seu nariz com meu indicador - Seu sorriso fez valer todo o esforço com os arranjos, e principalmente o seu arranjo!
   - Eu vou poder levar essas flores pra casa depois?
   - Ela é toda sua!
   Logo seria a vez da pequena Lari entrar com as alianças, então ajeitei elas em seu colo e ajudei ela a ir para junto do pagem, que a acompanharia.
   A entrada dos dois deixou meu coração quentinho, e ver que tudo correu bem quando a cerimônia chegou ao fim me fez sentir um grande alívio.
   Os noivos estavam fazendo sua saída triunfal, e tudo estava tão lindo... Até que eu enfim notei o fotógrafo que estava do outro lado da fila de saída, tentando captar as melhores imagens dos recém casados.
   Estava tudo lindo até eu perceber quem estava por trás da câmera. Até a pessoa me olhar e dirigir aquele sorriso de canto sínico.
   Aquele sorriso se aproximou de mim, sem desviar o olhar enquanto todos se dispersaram para seus carros a caminho da festa. Enquanto todos à minha volta circulavam, eu não conseguia desviar o olhar daqueles olhos...
   - Vai esmagar minha câmera dessa vez?
   O fotógrafo era...
   O Daniel.

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