Capítulo 3 - Entregando panfletos -

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   — Ah, que loucura, parece que hoje eu falei bem mais que o normal, e ainda tô com sono, por algum motivo... — Diz o menino se espreguiçando ao descer do ônibus.

   "Eu achei que o ponto de ônibus seria bem em frente a esse tal lugar, mas vou ter que andar mais um pouco"

  O garoto anda alguns metros até que para frente a uma grande placa verde.

   — ACARACUZINHO. Não era isso que eu esperava, mas tá melhor que o lugar de anteontem.

  Então começa a caminhar, olhando ao redor, conhecendo o lugar. É uma estrada longa, pouco se vê seu fim. Um lugar espaçoso, quieto, isolado, nem muito frio nem muito quente. Uma rua limpa, não porque alguém teria limpado, mas porquê a muito tempo por ali não passavam.
  As grandes árvores que se espalhavam em cada lado da rua escondiam o sol e provocava sombra. Um lugar que transmitia uma verdadeira sensação de paz.

   — que sensação estranha, é um lugar calmo e aconchegante, mas me dá um certo desconforto. Talvez seja porque não sei o que posso encontrar pela frente. E tá aumentando mais ainda a minha vontade de dormir, o que eu queria agora era largar tudo e deitar nesse chão, sem ligar pra nada — diz o menino, com voz sonolenta. — Mas fazer o que, tenho que entregar os panfletos.

  Mesmo sabendo que não entregar aqueles panfletos o traria problemas, o menino seguiu lentamente, sem pressa alguma. Porém, quanto mais ele andava, parecia não chegar a lugar nenhum, parecia que a rua se tornava mais longa a cada passo que o garoto dava.
  Se passaram alguns minutos e o menino ali continuava, andando, em busca de ao menos uma casa. Ouviu um barulho no mato e se assustou, olhou de repente, mas nada viu. Exceto um brilho, uma luz vermelha, que emanava de um montinho de folhas que estava entre alguns galhos.
  Curioso como sempre foi, não ficou com medo, mas foi até lá, tirar suas próprias conclusões. No momento em que ia pôr as mãos, alguma coisa, ou algumas coisas, pulam para fora, eram fadas, ou ao menos era o que parecia.
  Pequenos seres humanos da cor avermelhada, uns magros, uns gordos, uns mais grandes que os outros, mas não passavam de 10cm. Usavam roupas vermelhas, com asas também vermelhas, mas não tinham rosto, nem se quer a marca dos olhos, nariz ou boca, simplesmente não tinham face.
  O garoto pula para trás assutado, se perguntando sobre o que via a sua frente.

   — Aahr! O que é isso? São fadas? Mas, Por que não tem rosto? Espera, SÃO FADAS! O QUE DIABOS ESTA ACONTECENDO COMIGO?

  As supostas fadas voam para cima do menino enquanto ele se sacode para que vão embora, até que começam a falar.

   — Por que você tá se mechendo de um jeito engraçado?
   — Ei, esse menino é divertido — disse, gargalhando.
   — Que medo, parece que ele tá levando um choque.
   — Ele tá com medo da gente, vamo entrar no ouvido dele e comê-lo de dentro pra fora!
   — Ei, o que vocês são? E ninguém vai comer meu cérebro aqui não, tá legal? — Diz o garoto.
   — Nós? Nós somos nós, ué. E quem mais seríamos? Quando nos vimos pela primeira vez, eu tinha achado você estranho, mas agora, tenho certeza!
  — É, ele é estranho né?
   — É mesmo, ele é estranho.
  — sua boca é grossa demais, e seu nariz é meio grande comparado ao resto.
   — Como vocês falam e enxergam sem rosto? — interrompe o menino. As fadas o ignoram e continuam:
   — Ei, o cabelo dele é estranho, né?
  — É mesmo, o cabelo dele é estranho, né?
  — qual o problema com o rosto dele? Parece que quanto mais eu olho, mais errado fica.
  — Calem a boca! Vocês são as coisas mais irritantes que eu já tive o desprazer de encontrar. E não tem nada de errado com meu rosto.
   — Haamm — todos param e olham fixamente para o garoto, fazendo um barulho confuso.
   — Que papo é esse de "a última vez que me viram" por acaso a gente já se viu em algum lugar antes?
   — é claro que já, a gente se viu no ônibus, você não lembra?
   — no ônibus?
   — É, no ônibus.
   — É, foi no ônibus né, no ônibus.

   "Hm, as únicas coisas estranhas que eu vi no ônibus foram o velho da bala caseira e a rã montada no caramujo, mas não lembro de ver fadas vermelhas, ainda mais sem rosto."

  — não lembro de ter encontrado nenhum de vocês por lá — Diz o menino, arrumando a roupa e continuando em frente. As supostas fadas o seguem, mas ele não dá muita importância. Elas continuam a falar besteiras e repeti-las.

  — Ei menino, o que cê veio fazer aqui? — perguntam.
  — entregar panfletos.
  — panfletos? Porquê?
  — porque é meu trabalho, ué.
   — que trabalho mais chato né?
   — é, que trabalho chato, parecia mais legal, né?
   — Parece que nisso a gente concorda — Diz o menino, sorrindo.

  Eles seguem em frente, as "fadas" o fazendo perguntas bestas e inúteis, e o menino respondendo, na maior modéstia. Afim de faze-las perceberem que já estavam incomodando. Mas, depois de um tempo conversando e falando balela, o menino começou a se divertir.
  Conversar um pouco sobre nada ajudava a passar o tempo, mesmo que ele não fosse muito de conversas. De repente, o menino interrompe a interessantíssima falação e pergunta:

   — Olha, desculpa interromper o interrogatório, mas, eu preciso falar uma coisa, na verdade, nem sei porque esperei tanto tempo. O que está acontecendo aqui?
   — como assim o que tá acontecendo? Não tá acontecendo nada, ué.
   — é, não tá acontecendo nada, né. Na verdade, aqui tá bem mais quieto que o normal.
   — é, tá mesmo né.
   — Não, está acontecendo algo sim. Tem algo de errado com esse lugar, na verdade, não só com esse lugar, vocês falaram que me viram no ônibus, então, devem saber algo sobre a rã e o caramujo que eu vi naquela hora.
   — Rã e caramujo? Não sei de nada sobre isso.
   — Eu acho que esse menino aí tá mais louco que a gente, né.
   — Eu também tô achando, né.
   — Então, se vocês não sabem sobre o que eu estou falando, em que momento e de que forma vocês apareceram no ônibus?

  Novamente, ficam fazendo barulhos confusos, enquanto olham para o garoto. Parece que, apesar de parecerem místicas, não sabiam de nada.

   — Tá legal, tá legal, já entendi que conversar com vocês de nada vai adiantar. Mas, conseguem ao menos me responder porque mesmo depois de tanto tempo andando, até agora não encontrei nenhuma casa? O dia está sendo estranho mas ainda preciso entregar esses panfletos.

  As "fadas" continuam caladas, fazendo o mesmo barulho, porém um pouco mais baixo. E continuou assim, durante pelo menos 15 minutos. O garoto continuava andando em frente, e elas continuavam a segui-lo. Até que, o barulho cessou, só se ouvia o barulho das folhas das árvores que se mexiam continuamente. O menino confuso olha ao redor e não as vê mais, nenhum só vestígio.

   — O quê? Para onde foram todos? Como sumiram assim, do nada? Quanto mais tempo eu passo aqui, mais esse lugar fica estranho.

  De repente, mais uma vez, se ouve um barulho vindo do mato, mas desta vez, bem mais alto. Parece que é algo grande e pesado, quebrando os pequenos galhos caídos ao chão. O garoto se assusta e se afasta, sua coragem e curiosidade terminavam ali, depois de tantas criaturas estranhas, não tinha mais certeza se sair bisbilhotando tudo ainda era seguro.
  Finalmente, algo apareceu, um animal quadrúpede, de cor marrom, do tamanho de um porco, saía da mata lentamente, até que se mostra por inteiro.

  — ah, merda, é só uma capivara — Diz o garoto sorrindo, aliviado.

  Porém, para sua surpresa, não parava por ali, aquele lugar era estranho de mais para ser só isso. A capivara então, começa a se levantar e ficar de pé, sobre as duas patas traseiras. Um animal que aparentava ter algo como 60kg, fica de pé. E começa a caminhar em direção ao garoto.
  O menino se afasta, novamente assustado, dessa vez bem mais que antes. Anda de costas, chocado, levemente paralisado com o que via. Até que tropeça no próprio pé e cai no chão. A capivara então, se aproxima do garoto e estende a pata.

   — Eu te ajudo.

Uma voz grossa e falha ecoa da boca do animal. O garoto se vê paralisado, não tinha reação, aquela voz fazia seu corpo tremer e lhe dava arrepios.

   — Venha, garoto. Já está acabando, vamos conversar mais um pouco antes que você chegue até o lago.

  O menino, ainda sem reação, estica a mão até a pata da capivara, que o puxa, o deixando de pé e dizendo:

   — Não há segredos, vamos continuar em frente, afinal, não há outra opção, a não ser voltar. Vamos a caminho do lago.

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