Capítulo 4 - O Lago -

32 4 4
                                    


   Os dois continuam, na mesma direção que o garoto se dirigia desde o começo.
  — Menino, porque se sente dessa forma? Quando peguei em sua mão, ela estava gelada, muito gelada. Eu te assusto tanto assim? — pergunta a capivara, ainda com sua voz grossa e assustadoramente trêmula, mas em um tom dócil.
  O menino olha para baixo, pensando. Até que enfim decide falar algo.
   — Não, é que... eu não conseguia falar. Quando você chegou perto, eu senti uma pressão vindo do fundo do meu âmago, e, mesmo que eu tentasse, não conseguia dizer nada.
  — Hm, acho que todos ficam assim quando estão cara a cara comigo. Uma parte deles, uma parte bem forte deles.
  — Uma parte? Como assim?
  — Bom, é simples, garoto. Tenho certeza que antes de me encontrar, você viu algumas coisas estranhas. E também tenho certeza que, por mais estranho que aquilo parecesse ser, algo em você não contestava, e até entendia, mesmo que não fizesse nenhum sentido. Não é?
  — Eu acho que sim...
  — Porém, eu posso te explicar o porquê de você concordar com tantas coisas esquisitas, que de primeira vista, são incoerentes. Ou pelo menos tentar.
  — Então tem uma explicação? Eu estava começando a achar que tudo não passava de um sonho. Ou que eu estava em coma, sei lá.
  — bom, é quase isso. Na verdade, eu não sei como você veio parar aqui, e nem porquê. Não sei de você e nem dos outros que já me encontraram.
  — Tiveram outros?
  — Sim, tiveram, mas é diferente.
  — Ah... e então, o que são essas coisas e o que é você?
  — É bem mais simples do que parece, meu amigo. Nós somos seus sentimentos e pensamentos.
  — O que? Não entendo...
  — Tudo isso que viu, tudo isso que vê, tudo é seu, está dentro de você.
  — Tudo o que vejo? Até esse lugar sem fim totalmente isolado e vazio?
  — Sim, até esse lugar sem fim. Mas não, não é um lugar isolado e vazio, você só não quer que ele seja melhor, não quer que seja mais bonito, mais cheio. Não o suficiente. O mesmo vale para esses seres estranhos que você viu por aí.
  — Hã... — O garoto se vê calado, tentando processar tudo.
  — Garoto, me conte sobre as fadas sem rosto, sobre o que elas falavam?
  — Bom, elas falavam algumas coisas, na verdade, não paravam de falar nunca. Mas, falaram sobre meu rosto, como se tivesse algo errado comigo. E quando citei meu trabalho, falaram que era bem chato, mas com essa parte eu até concordei. — Respondeu o menino, manifestando um leve sorriso de canto.
— Entendo, talvez seja a mistura de alguns sentimentos similares, como baixa auto-estima e frequente desinteresse. Você é bem desinteressado em tudo, não é?
  — ah, talvez um pouco — Diz, sorrindo.
  — Tenho certeza que frequentemente se interessa por diferentes coisas, mas logo perde totalmente o interesse. Assim como aquelas fadas.
  — É, até que faz sentido, mas me julgar não eram as únicas coisas que elas faziam.
  — Talvez, essa balela toda que falavam, era a forma que você inconscientemente encontrou para falar com elas. Em forma de diálogos e questionamentos.
  — Hm, entendi. Mas, e a rã montada no caramujo?
  — O que? Você viu uma rã montada num caramujo? — Fala a capivara, rindo, com sua voz grave.
  — É, lá no ônibus, no caminho pra cá. Não falavam nada, apenas passavam de um banco à outro.
  — Então foi bem no começo da sua viagem, não? Bom, se não fizeram nada, talvez seja como a personificação da sua criatividade. Passando por ali.
  — Minha criatividade? Representada por uma rã e um caramujo? Concerteza por isso eu não esperava.
  — É, acho que nunca há como prever-mos nossa criatividade, de repente ela só vem à tona, de formas aleatórias, cabe a nós aceitar-mos.

Os dois riram, e continuaram caminhando, pareciam bons amigos. Em momento algum pararam de andar, continuavam em direção ao lago. Então, depois de alguns poucos minutos calados, o garoto pergunta:

  — Mas e você? Que Sentimento meu você é? Ou quais sentimentos você é?
  — Eu? Eu sou seus sentimentos ruins, garoto. Todos misturados em um só. Tristeza, inveja, raiva, maldade, avareza e todos os outros diversos sentimentos e pensamentos ruins que você manifesta vez ou outra.
  — É por isso que tive um choque e me senti paralisado quando fiquei à sua presença?
  — Sim, provavelmente. Não é todo dia que ficamos cara a cara com a personificação do que é ruim.
  — Ainda mais quando essa personificação tem a aparência de uma grande capivara — Fala o menino, rindo.
  — Muito engraçado — Responde a capivara, também risonha.
  — Mas, escuta, você não parece ser algo tão ruim assim, sabe? Sendo a personificação de tantas coisas ruins.
  — Não, você está errado. O que aconteceu é que, depois de passar um tempo com seus sentimentos ruins, você começou a aceita-los, como se fosse algo bom. Mas não, eu não sou algo bom. O mesmo aconteceu com as fadas, você não gostava delas assim que as viu, mas depois de conversar um pouco, viu que aceita-las não era algo tão ruim assim.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 06, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Entregando PanfletosOnde histórias criam vida. Descubra agora