Janeiro de 2023, Salvador-BA
Acordo e já percebo que dormi até tarde: a luz do Sol atravessa as cortinas. Me levanto, faço minha rotina matinal e vou para a cozinha onde encontro minha mãe já de pé.
-Bom dia, filho. Dormiu bem? Tomara que você tenha conseguido descansar bastante. - Ela diz enquanto me serve um café. - Beba um pouco de café, Ramon. Eu também preparei um bolo pra você, é simples mas é de coração. - Minha mãe era uma advogada de sucesso em Salvador; nos tribunais e em toda a sua vida profissional ela tinha uma aparência séria com seus cabelos castanhos, pele bronzeada e olhos verdes. Mas comigo era diferente. Ela era uma mulher doce, amigável e simpática sempre disposta a atos de serviço.
-Obrigado mãe, não precisava se incomodar - Digo enquanto puxo uma cadeira na mesa da cozinha, sento e me sirvo. O bolo estava delicioso, o café também. Após me alimentar e conversar um pouco sobre a viagem, eu volto para meu quarto e pego meu celular para verificar as mensagens.
Havia algumas ligações perdidas do meu pai, algumas dos meus amigos Dylan e Mavis aos quais eu era mais próximo. Eles estavam perguntando como estava sendo no Brasil, se eu havia chegado bem e me pedindo fotos e vídeos que mostrasse a cidade. Desde sempre Dylan e Mavis sempre foram bem interessados no Brasil e sempre me perguntavam sobre já que eu era o único brasileiro da minha turma. Quando ainda estava em NYC eu prometi que algum dia eles poderiam me visitar aqui em Salvador.
Durante a tarde eu e minha mãe fomos para a casa da minha tia Cecília que era perto da praia de Stella Maris. Era uma bela tarde de verão com muito sol, muita música e muita gente nas ruas, muito turismo e é claro, muitos olhares voltados para mim, já que muitas pessoas conhecidas da minha mãe nunca haviam me visto na cidade, e nunca haviam tido conhecimento de um filho adolescente.
Quando cheguei na casa da tia Cecília, encontrei ela, seu marido e sua filha, a Jhenifer, mas ela preferia ser chamada de "J" e era assim que a maioria das pessoas a conheciam na escola e nas redes sociais. Em salvador ela era uma daquelas pequenas influenciadoras digitais e estava sempre muito bem vestida, gravando algo ou fotografando. J era muito comunicativa e adorava festas, ao contrário de sua mãe que era reservada e caseira. Partimos para a praia nós cinco: eu, minha mãe, a J e seus pais.
Passei o resto do dia conversando com a minha família, mas principalmente com minha prima. Quando eu estava no exterior não costumava conversar com ela, nem a acompanhava nas redes sociais, apenas sabia que ela existia. Mas agora, ali pessoalmente ela parecia muito mais interessante, não era como aquelas meninas da internet que são só bonitas e não tem nada no cérebro.
Em meio aos pagodes e "poesias acústicas", ela foi uma espécie de guia pessoal dos adolescentes de Salvador. Me disse onde eram os locais onde normalmente fazem festa, o que fazem pra se divertir, o que gostavam de comer e fazer, as músicas que ouviam, qual o tipo de pessoa que gostavam de ter por perto e senti que estava mais que pronto pra ingressar no ensino médio baiano.
-Mas não leve a minha opinião como regra, primo. Estou falando apenas até onde eu sei e sobre a minha experiência com o meu próprio grupo de amigos. - J diz como finalização para seu "guia rápido para sobreviver em Salvador".
-Não tem problema, J. Confio na sua opinião e acredito que seus amigos sejam ótimas companhias. Se eu conseguir amigos como os seus, estarei satisfeito. - Eu e J estávamos de frente para o mar admirando as ondas e eu confesso que também estava admirando outras paisagens, as garotas baianas são conhecidas por sua beleza natural. E de repente, quando eu estava despercebido, avisto a coisa mais bela que meus olhos já tiveram o prazer de ver: uma garota, parecia ter a minha idade, estava usando um biquíni vermelho que dava um contraste magnífico com sua pele retinta. Ela também tinha um piercing no septo e um cabelo cacheado em camadas e franja super volumoso que a fazia parecer uma rainha com sua bela coroa. Não tive reação, não consegui mais conversar com minha prima, não consegui tirar os olhos dela, o rapaz que sempre tinha algo a dizer e era reservado até no olhar agora estava ali: sem conseguir disfarçar o foco e nem percebendo que a mesma estava vindo na sua direção.
-Ei, amiga eu nem sabia que você estaria aqui hoje. - A voz dela me tirou do transe que eu estava e me fez retomar a postura num instante. Ela parou na frente da cadeira da minha prima e J se levantou para abraçá-la.
-Pois é, eu também não sabia que viria, minha mãe me avisou uma hora antes do Ramon chegar. - Ela apontou pra mim com a cabeça - Ele é meu primo, chegou ontem dos Estados Unidos.
-Uau, um gringo. Ele fala português? - A garota olhou pra mim como se eu fosse um pet e ela estivesse perguntando pra minha dona se eu sabia fazer truques.
-Sim, eu sei falar português. - Me levantei num segundo de coragem e estendi a mão para ela com um medo terrível de não ser retribuído. - Prazer em conhecer. - Graças a Deus ela retribuiu o aperto de mão e sorriu pra mim. A essa altura eu já me perguntava se existia algo naquela menina que não fosse extremamente perfeito.
-Eu sou a Rayca, também é um prazer conhecer você. - Ela apontou pro meu peitoral e disse: Adorei a camisa. - Eu estava com minha camisa branca de botão com estampa de flamingos, um presente de Dylan. Achei que seria um ótimo momento pra estrear. Obrigado, Dylan, a garota bonita gostou da minha camisa!
Depois disso a Rayca foi embora, eu e J nos sentamos, curtimos o resto da tarde, fui pra casa com minha mãe, a noite chegou, eu fui pra cama, mas meu pensamento não saiu daquela garota, da Rayca, da Dream Girl que eu conheci. Mas no fundo eu sabia que eu não poderia. Eu sabia que diante dos acontecimentos em NY eu não tinha condições pra me relacionar com alguém, não poderia ser assim de novo, não poderia me permitir a isso.
Mais uma vez, mais uma noite eu estava ali naquele quarto totalmente diferente ao da minha antiga casa (eu ainda preciso decorá-lo ao meu gosto), com o celular na mão verificando minhas mensagens, e quando não resta mais nada a não ser eu, meu quarto, o escuro e o silêncio que nele habita, eu reflito antes de dormir sobre a minha mais nova vida. Lembro dos desafios que esse ano (sinto um pouco de medo), mas novamente eu estou muito cansado para deixar meus pensamentos se desenvolverem.
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Flamingos (Rascunho)
RomanceRamon é um adolescente estrangeiro de pais brasileiros que se muda para a Bahia aos seus 17 anos para viver com sua mãe em Salvador. Lá, Ramon faz novas amizades e conhece Rayca: uma menina linda, simpática, extrovertida e que ama viver. O maior des...