Prólogo

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— Hoje é um dia muito importante. Não me faça passar vergonha, por favor. — disse Valentina, enquanto ajeitava seus fios dourados e ondulados pela milésima vez, em frente a um espelho bem antigo.

Assim como tudo mais que tínhamos ali. Tudo estava velho ou em estado precário. O papel de parede já estava descascando. O teto tinha muitas infiltrações e em dias chuvosos era uma tragedia. As janelas possuíam fechos que estavam tão enferrujados, que ao abri-las, um som estranho e alto ecoava por todo o ambiente. E quanto às portas de madeira, os cupins não tinham devorado todas elas, somente porque a cada semana eu usava veneno para afugentá-los.
Mas era nossa casa, nosso lar. Era ali onde éramos felizes. Onde vimos Miguel nascer. Onde construímos nossa família. Um dia as coisas melhorariam, eu estava trabalhando duro todos os dias para isso. Faltava pouco para eu cumprir com o restante das minhas promessas dos votos matrimonias. Já tínhamos amor, saúde, respeito, fidelidade. Agora, faltava a parte em que eu tinha garantido uma boa vida para minha esposa. Eu daria a vida de rainha que Valentina tanto merecia. Ela e nosso filho teriam tudo do bom e do melhor.
— Não se preocupe. Vai dar tudo certo. — olhei com admiração para minha esposa, em seu vestido vermelho de festa, com uma fenda um tanto exagerada na coxa esquerda — Você está linda. Não vejo a hora de despi-la desse vestido. Ainda mais, quando temos a casa somente para nós, já que Miguel está com minha mãe por essa noite.
Ela não respondeu à minha provocação cheia de malicia.
Ela sequer me olhou. Mas eu bem sei que sua mente e sua atenção estão distantes. Hoje, como ela disse, de verdade, é uma noite muito importante. Uma noite que seria uma ótima oportunidade para Valentina socializar com alguns figurões ricos da moda, que buscavam rostos novos para suas agências de modelos. Quanto mais cativante, vistosa e galante, Valentina fosse, mais chances ela teria de passar uma boa impressão para os agenciadores e olheiros. Ela não queria me levar, justamente por minha falta de, como posso dizer, polidez. Não que eu seja um cara bruto ou ignorante, apenas não estava acostumado a ir a tipos de festa como essa, tão pomposas, onde as pessoas disputam quem tem mais dinheiro, as bebidas são caras e as comidas têm aparências, sabores e nomes estranhos.

Mas tinha prometido à Valentina que faria o melhor possível para não a envergonhar e ajudá-la no que fosse possível para ela conseguir um contrato bom com uma agência de renome. Eu tinha até mesmo usado a internet para estudar alguns modos condizentes com a etiqueta. Tinha usado uma parte de nossas economias para alugar um terno chique, sapatos brilhantes e uma gravata de seda. Eu estava mais do que pronto para apoiar minha esposa em seus sonhos. Afinal, o casamento não se resume a isso? Dividir esperanças e sonhos. Estar ao lado nos momentos de alegria, tristeza, saúde, doença, pobreza e riqueza.
— Vamos, não podemos nos atrasar. — ela pegou a bolsa de mão dourada em cima de nossa cama e ficou parada a poucos passos de mim. Ela estava tão deslumbrante que minha vontade era de enchê-las de beijos, o que tentei fazer, mas ela levantou a mão, me impedindo — Não, vai borrar meu batom. E tenho que estar impecável. Lembre-se, hoje à noite vai acontecer a mudança de vida que tanto almejo.
— Só um beijo não vai estragar nada. — disse, tentando pelo menos convencê-la a me dar um selinho. Mas minha esposa estava irredutível, ela saiu do quarto tão rapidamente, que precisei apressar meus passos para alcançá-la antes de ela chegar até a porta.

No caminho todo até o evento, Valentina fez questão de me relembrar o quanto a ocasião era importante e de cada coisa que eu poderia ou não fazer. Ela estava tão paranoica para que tudo desse certo, que até me ensinou como devo mastigar a comida que seria servida. Eu apenas acenei com a cabeça, enquanto dirigia o carro que peguei emprestado com um amigo que conheci na faculdade. Tudo daria certo. Ela era perfeita. Com certeza, encantaria a todos os olheiros. Eles disputariam por ela. Mas colocar isso dentro da cabeça dura da minha esposa era uma tarefa difícil.
Quando chegamos ao local, o salão de eventos mais requintado da cidade, era tudo realmente como eu imaginava. Muitas pessoas trajando roupas elegantes, joias caras e perfumes tão fortes que impregnavam o ar. Nós dividimos uma mesa com outras cinco pessoas, pessoas essas que tinham mais dinheiro do que eu poderia imaginar, e a conversa derivava de artigos de luxos a lugares perfeitos para tirar umas férias. Tudo corria perfeitamente bem, tão perfeitamente, que parecia uma cena de filme de romance típico de sessão da tarde.
Bem, até Anthony – o modelo, famoso, dono de uma coleção impressionante de carros de luxos, de um topete perfeito, sem nenhum fio fora do lugar, e de um sorriso branco e reluzente que estampam todas as atuais revistas nacionais – se inclinar na minha direção. Seus olhos azuis da cor do céu me olhavam com curiosidade.
— Você, com certeza, não é um modelo. Então, com o que você trabalha?
— Eu sou dentista. Ele parecia interessado. Posso dizer que até mesmo fascinado.
— E então, doutor, onde fica seu consultório? Quem sabe, qualquer dia desses, eu não faça uma visita para renovar minhas lentes de contato.
E foi nesse momento que todo o clima agradável começou a ser desfeito. Era como se nuvens escuras estivessem começando a tomar um céu azul, encobrindo um sol brilhante. Como se de um filme de romance fofinho, a noite tivesse se transformando em um filme de terror.
— Meu consultório fica... — respirei fundo e me deparei com os olhos de Valentina focados em mim. Seus olhos verdes transmitiam desespero. Eu não tinha o consultório mais perfeito do mundo, que me rendia uma fortuna por mês. Contudo, tinha orgulho de fazer o que eu amava. Acima de tudo, por atender quem eu atendia. Mas essa não era a mesma opinião da minha esposa. E mesmo sabendo que isso a deixaria zangada, revelei — fica na zona noroeste, no Perus.

UMA MÃE PARA O FILHO DO CAFAJESTE Onde histórias criam vida. Descubra agora