1

8 2 0
                                    

- Reencontro -


Chovia forte em Salvador naquela noite de sexta, mas Alba sentia sua pele arder, como se estivesse sob o calor incômodo de um vigoroso deserto. Ela estava nervosa, atrasada para a festa de dezoito anos da sobrinha. Havia quase um ano que não se viam cara a cara e a executiva prometera que chegaria a tempo para a maior comemoração da vida da garota a quem dedicava um carinho de mãe. Depois que os pais de Nicole morreram em um acidente aéreo, Alba havia se aproximado mais da menina; cresceu nela um instinto materno, ou algo muito próximo disso, queria cuidar e proteger a garota de tudo e conceder a ela as melhores coisas possíveis. E além disso, a menina estava passando pela transição de gênero, começando a direcionar seu corpo para que ele se aproximasse mais de um corpo padrão feminino. Ela precisava de apoio, de muita segurança, e Alba se empenhava o máximo que podia para ser o seu porto seguro, até porque, foi Nicole quem ficou ao seu lado e a ajudou a levantar a cabeça quando decidiu se afastar de Olívia e se dedicar a cuidar de si; foi Nicole quem a incentivou a se tornar a mulher independente e segura que era naquele momento.

Foi difícil deixá-la no Brasil com dona Déia, sua mãe adotiva, para passar um tempo com a família biológica na Cidade do México, seu lugar de origem, de onde saiu aos três anos de idade. Mas mesmo com alguns mares separando ela e Nicole, os cuidados de tia e sobrinha eram contínuos; elas eram parceiras independente da distância. Alba continuava cuidando da sobrinha; ligava por chamadas de vídeo todos os dias e fazia de tudo para que não lhe faltasse nada. Naquele momento, no táxi, com sua pele ardendo e seu coração batendo forte, seus olhos refletiam a emoção pulsante por saber que logo abraçaria os maiores amores de sua vida, Déia, sua mãe brasileira e Nicole, sua sobrinha mais próxima. 

A tempestade havia feito o trânsito ficar caótico, raios e trovões faziam Alba estremecer no banco traseiro do táxi. O motorista absolutamente calado cortando as unhas com um pequeno cortador e a música mexicana, La Cucaracha, tocando na rádio não a tranquilizava, pelo contrário, a deixava ainda mais tensa e ansiosa, como se nunca fosse chegar em casa, como se estivesse presa em um filme de Hitchcock. A latina pegou seu celular na bolsa pela quarta ou quinta vez para olhar a hora, que só corria e corria, e a deixava para trás. Havia algumas mensagens de Nicole e de dona Déia, que ela logo resolveu responder:

"Eu sei que estou muito atrasada, mas não é culpa minha, meu amor. A tempestade fez o trânsito parar, deve ter tido algum acidente na estrada, então eu não sei o que fazer, estou praticamente ilhada em um mar de carros. Enfim... Sinto muito, buchi (adjetivo em espanhol para dizer que a sobrinha era chique e elegante), pode começar a festa sem mim, eu assistirei as filmagens depois. A tia pode demorar alguns longos minutos, mas está a caminho. Logo estarei com você. Te amo, gatinha."

Seu peito doía, sua pequena buchi fazia dezoito anos, já era uma mulher adulta e sua irmã, a mãe de Nicole, não estaria presente para abraçá-la forte como fazia antes, e compartilhar da alegria de ver a filha comemorando feliz com muitos amigos e amores. A garota dava passos importantes para a vida adulta e Alba se sentia insuficiente para suprir a falta que uma mãe fazia. Principalmente porque a irmã havia sido uma mãe muito presente e que apoiava a filha em tudo. Laila havia sido a mãe perfeita, absolutamente amorosa. Pena que os bons se vão tão cedo, não? Enquanto tirava o esmalte vermelho cintilante das unhas com os dentes agoniados, a executiva assustou-se com o telefone vibrando repetidamente em seu colo. Pré-visualizou as mensagens e ficou intrigada com uma que veio em um formato pouco usado atualmente, em SMS. O nome ainda gravado em seus contatos lhe causou um calafrio estranho na barriga e um formigamento nas mãos. De Hitchcock o negócio se transferiu para Almodóvar. 

— Não é possível. Não.

Leu sem atrever-se a abrir: "Oi, mexileña. Sei que há tempos não nos falamos, mas estou no salão onde está rolando a festa da Nicole. Sua mãe e sua sobrinha comentaram que está presa no trânsito, então me ofereci para ir te buscar. Como de costume, estou de moto, então consigo te trazer rapidinho. Nicole está quase chorando porque você não chega, então... Me passa aí a localização. Ela diz que não começa a festa sem você aqui. E eu acho justo, sabe. Eu também não começaria.”

Afetos de Alba Onde histórias criam vida. Descubra agora