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O Brinco

Alba já conhecia Letícia, a garota era amiga de Nicole desde o ensino fundamental, vivia na casa de sua mãe fazendo as tarefas da escola ou vendo filmes com sua sobrinha e outros amigos. Ela sempre a encarou com aquele olhar brilhante de admiração, aqueles olhos de quem enxerga além da superfície. Era quase uma fã, gostava de ler seus textos, e a escritora achava acolhedor o jeito carinhoso e admirado com o qual a garota lhe tratava, mas nunca imaginou que aquela admiração pudesse conter um desejo maior. Não até separar-se de Olívia. Meses depois do término com sua noiva, Letícia respondeu a um de seus Stories no Instagram com uma mensagem bastante inusitada, declarando o seu interesse. De início Alba assustou-se, mas depois foi relaxando, tendo curiosidade sobre aquele interesse por ela, queria saber até onde ele iria.

Trocaram algumas mensagens desde então; Letícia contou sobre suas ambições, sobre sua vida e suas artes. Ao conhecê-la melhor e dar-se conta de sua personalidade, de sua inteligência e carisma, Alba viu aquela coisa rara acontecer novamente: o interesse por alguém, o desejo por contatos físicos, intelectuais e mais íntimos com outra pessoa. Foi um susto, sim. Não queria. Havia jurado que não permitiria que isso voltasse a acontecer, então relutou um pouco. Em seus trinta e cinco anos só havia sentido atração física, desejo carnal por outra pessoa umas quatro ou cinco vezes. Ver-se interessada por alguém era sempre um acontecimento. O que ocorreu com Olívia foi o mais forte, o interesse que mais mexeu com seus sentidos, um amor, de fato. Antes de se transformar em um abismo do qual não sabia como se salvar. E depois de Olívia ela havia desejado que nunca mais se repetisse, que nenhum sentimento voltasse a dominar sua mente. Não queria mais desejar ninguém, seu desejo por si mesma já bastava para viver em paz. Não podia se desestabilizar. Não queria mais querer alguém, amar... sentir saudade, necessidade de estar perto. Isso para Alba era colocar a própria vida em risco. Precisava e queria cuidar de si, da sua segurança, da sua autoestima. Como nunca ninguém cuidou. Afinal, na mente de Alba, amor poderia significar dor, pois junto dele poderiam chegar outras coisas, invasoras, como o egoísmo humano e o ciúme humano e

a soberba humana, a irracionalidade humana, todas essas coisas nocivas que vem do humano.

"A ignorância humana"

“Será que um dia viverei um amor leve, tranquilo, que não me arranque pedaços e os jogue em qualquer canto sem se preocupar se isso vai me matar?” — Questionou-se no momento em que percebeu que não era ela quem determinava se viveria ou não outros amores, outras paixões, pelo menos, não inteiramente. Era algo além de seu querer, que ela não compreendia e nem ousava compreender. Quer dizer, às vezes ousava, mas logo desistia, era inútil, era inútil querer entender tudo. Alba era assim, pensava demais, questionava demais a vida, perdia-se horas nos próprios pensamentos e depois seguia com poucas certezas.

Voltando ao momento da dança, Letícia sabia dançar, era ótima com os passos, tinha aquele gingado baiano, tinha aquela jogada de corpo segura, de dar inveja, até porque, era professora de dança, coreógrafa, fato que deixou Alba um tanto sem graça, já que achava que não dançava quase nada. Com Olívia ela tinha certa segurança, dada pela intimidade do relacionamento e pelo fato de as duas dançarem apenas o básico para se divertirem, quase no mesmo nível. Mas com Letícia... sentiu-se constrangida. Não queria decepcioná-la, minar sua admiração. De alguma forma queria agradar a garota, de maneira que a fizesse se aproximar cada vez mais de si. Letícia tinha um toque suave, um toque de veludo, porém seu corpo era quente, parecia acolhedor. Alba segurava a sua cintura com precisão, rebolava seu quadril junto ao dela, encaixava os corpos no ritmo da música; a escritora fazia o melhor que sabia, e saia mais do que imaginava. Com os movimentos dos corpos, Letícia a encarava com um olhar penetrante, sedutor. A pele de Alba arrepiou-se em dado momento e as duas sorriram em sintonia, percebendo as faíscas que os corpos juntos causavam.

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