três

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Helô apertou as mãos dele, de repente ficou nervosa. Ele continuou a fitando.

-Stenio – ela começou falar devagar – Tem certeza que você quer falar sobre isso agora? – seu tom de voz era gentil.

Stenio suspirou profundamente e um tremor percorreu todo seu corpo. Será que ele queria? E se ela dissesse que tudo isso não significava nada. Ele preferia viver no mundo da fantasia, lá seu coração estaria mais seguro, certamente.

-Acho que vamos voltar a dormir, foi um dia bem longo.

Helô assentiu se afastando dele. Ela caminhou até o banheiro.

Ela se assustou quando viu Stenio parado no batente da porta, a encarava pelo espelho.

-Na verdade eu quero sim Helô, quero conversar. Quero saber o que você pensa porque se a gente não pensar igual e se você não quiser levar isso adiante, então é melhor eu já ir me acostumando com essa ideia.... é, é – ele gaguejou – Aí é melhor eu já ir embora.

Ela encarou seu semblante de dor ainda o olhando pelo reflexo do espelho.

Heloísa se virou para ficar de frente para ele, deu dois passos o forçando a andar para trás e voltar para o quarto, que estava em meia luz.

-Vem, vamos sentar – ela apontou para a cama e ele a seguiu.

-Vamos começar do começo – ela sugeriu. Se sentaram um de frente para o outro – O que é que você quer?

-Casar com você – ele disse na lata.

Ela riu anasalada – Você é impossível, Stenio – ela apertou os dois lados do rosto dele com força.

-Nós já nos casamos duas vezes – ela continuou – E olha onde nós estamos.

Ele olhou para baixou com tristeza.

-Mas desde que nos encontramos novamente, é a primeira vez em que você fala sobre um compromisso sério – ela puxou o assunto de novo.

Ele franziu o cenho – Você estava esperando eu falar?

-Não sei, sinceramente. Eu não vou mentir, que gosto do que temos agora. Mas não como da outra vez, você não ficou super insistente no meu pé. Nos encontramos conversamos, bebemos, falamos de trabalho, temos momento íntimos... – ela olhou para ele – Mas você não tá aqui na minha casa todo dia, não tem flores na minha mesa todo dia, você não aparece com vinho todo dia...

-Você me quer todo dia? – os olhos dele se iluminaram.

-Não é isso – ela riu – Espera. Eu não tinha, ou melhor eu não sei se estou lendo certo os teus sinais. Presumi que esse nosso acordo silencioso estava bom pra você.

Stenio encostou na cabeceira da cama e suspirou – Eu sofri muito Helô, eu tentei muito reconstruir a minha vida sem você, eu até achei que fosse conseguir em algum momento. Mas quando você foi aos poucos voltando pra minha vida – ele deu uma pausa – Não foi fácil para mim ficar longe, você me atrai como um imã, eu não consigo nem explicar. Se você está por perto não consigo me concentrar e mais nada..

Ela assentiu, sabendo bem qual é essa sensação.

-Mas – ele continuou – Eu fiz muita terapia sabe...

Isso a surpreendeu.

-Quando me aproximei de você, minha terapeuta me ajudou a respeitar o seu espeço, ser pouco invasivo, para que eu pudesse entender melhor teus sentimentos, ler teus sinais. Não ir com tanta sede, sabe... – ele riu – Para depois não morrer afogado.

Heloísa sentiu os olhos marejarem.

-Entendi – ela disse num sussurro.

-Eu também sofri muito – ela admitiu – Eu também voltei para minha terapia. Quando nos separamos, eu estava muito enlouquecida com aquele caso lá da delegacia, eu deixei não só você, eu deixei tudo, minha vida, minha saúde. Quando aquele caso se solucionou eu estava em burnout. Quando eu voltei para realidade, você já não estava mais aqui e foi um dos processos mais difíceis da minha vida. Voltei para terapia pra me ajudar a restaurar TUDO que eu havia perdido.

-Isso me inclui?

-Inconscientemente e acho que conscientemente, sim, também.

Ela vislumbrou um sorriso no canto da sua boca.

Ela se levantou e andou de um lado para o outro do quarto. Stenio deitou na cama e ficou encarando o teto.

-Você me confunde, sabe... – ele disse devagar – Não quero forçar nada, mas eu amo estar com você. Só queria que você sentisse o mesmo.

Helô parou ao lado dele na cama, devagar deitou seu corpo sobre o dele – Você não vê? Eu adoro, eu amo a tua companhia, sempre amei. Desde de o primeiro dia que passamos aquela tarde estudando na biblioteca da faculdade – ela cheirou o pescoço dele, depois deitou ao seu lado, colocou a mão sobre seu peito – Mas eu tenho medo, medo...

Stenio virou de lado e encarou ela de perfil, buscou a mão dela e trouxe até os lábios – Eu sei, eu também tenho.

O medo de darem errado de novo, de precisarem se acostumar a viver sem o outro novamente pairava no ar, junto com a ansiedade de se entregarem um ao outro novamente, sem medo, sem amarras. Mas não sabiam se iriam conseguir isso.

Quando Helô acordou, procurou por ele na cama, mas não o sentiu ali. Abriu os olhos e seu coração doeu ao não o encontrar, nem ele, nem suas roupas.

Se levantou procurando por Creusa.

-Bom dia, Creusita. Dormiu bem?

-Bom dia Dona Helô, eu já to passando seu cafezinho, visse.

-Tá bom – ela olhou ao redor – Sabe do Stenio?

-Douto Stenio saiu cedinho, falou que precisava ir para casa trabalhar, tinha uma audiência, não queria acordar a senhora, falou que era eu deixar você descansar.

-Ele foi para o escritório? – ela ficou nervosa por seu perigoso.

-Não, ele disse que ia fazer tudo de casa, que era pra senhora ficar despreocupada.

Helô assentiu e se sentou na mesa para tomar café da manhã. Sua cabeça ia de Pilar e dos problemas com a máfia até a conversa na madrugada com Stenio, iam e voltavam num looping infinito.

Não iria para delegacia hoje, ia monitorar tudo de casa. Tirar o dia para si. Foi para o banheiro, ligou a água da banheira, acendeu uma vela e colou vários sais de banho da água. Entrou ali e relaxou.

Perto das 11h da manhã a campainha da sua casa tocou. Creusa atendeu a porta. De onde estava sentada no sofá visualizou as orquídeas azuis sendo entregues, abriu um sorriso largo no mesmo instante.

-Olha só – disse Creusa – Imagina, de quem será – falou com ironia.

-Que dúvida – Helô sorriu – Pode me dar aqui, Creusa, obrigada.

Esperou Creusa entrar na cozinha para ler o bilhete.

Meu amor,

Espero que tenha dormido bem. Tive que sair cedo, não quis te acordar.

Nossa conversa ficou pela metade. Sei que nossa vida também está uma pequena confusão, peço perdão por isso.

Se quiser, te espero com vinho e massa hoje à noite.

Até depois.

Seu, Stenio.

Era IMPRESSIONANTE, como aquele homem a tirava do eixo completamente.

Nem perto do fimOnde histórias criam vida. Descubra agora