Meu refugio - Parte II

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As aparências nem sempre enganam.

O sorriso calmo de Soraya ao entrar de novo naquela biblioteca revelava a paz de espírito de quem havia sido aliviada de muitas e muitas cargas de uma só vez. Seu silencio falava mais do que um milhão de orações bem elaboradas, ainda que ela fosse competente o suficiente para descrever em palavras tudo o que havia acontecido naquele ambiente minutos antes.

Como aquela jovem senhora poderia entender tanto na prática sobre acalentar almas e quebrar amarras?

O fato é que nem Simone sabia como havia envolvido aquela mulher em seu abraço. É verdade que a sua capacidade de consolar e de ler as entrelinhas das pessoas havia se tornado muito aguçada depois de anos e anos trabalhando em um campo de refugiados.

Mas aquela breve experiência havia sido diferente de todas as outras. A jovem advogada mexeu com sentimentos outrora adormecidos, presos e escondidos a sete chaves. Uma tremenda contradição para quem estava acostumada a libertar cativos.

— Você está silenciosa e nem de longe parece a mulher falante e receptiva que conheci há poucas horas. Espero não ter feito um estrago, Soraya. — disse Simone, analisando a loira que entrava com um ar de leveza e com uma beleza ainda mais radiante do que a de costume. No fundo, Simone sabia que não havia feito nenhum estrago — a não ser o de se aproximar demais daquela jovem mulher.

— Digamos que as pessoas não me desmontam com tanta facilidade. E parece que você conseguiu fazer isso. E não, de nenhuma forma essa experiência foi ruim, Simone. Você foi direto ao ponto. Cirúrgica, como nas páginas do seu livro que me prendeu e me libertou na mesma proporção.

Simone sentiu seu coração descompassar mais uma vez e desejou como nunca sentir Soraya em seus braços de novo. "O que raios está acontecendo comigo?", pensou, resistindo ao desejo de se reaproximar da loira.

E mudando de assunto, disfarçou:

— Soraya, sem mais delongas, acredito que você tem total capacidade de desenvolver uma dissertação de mestrado. Andei olhando um pouco o seu acervo enquanto você estava na cozinha — e me perdoe se fui invasiva —, mas não resisti quando vi algumas obras sobre a história da imigração no Brasil. Não sei exatamente o que você quer abordar e aonde quer chegar, mas saiba que pode contar comigo.

— Obrigada, Simone. Bom, eu sempre gostei de pesquisar sobre a inserção dos imigrantes no sistema educacional dos mais diversos países, inclusive do nosso. Me interessa saber como ocorre a integração dessas pessoas quando chegam, muitas vezes sem falar o idioma e com uma profunda sede de pertencimento. Todo imigrante traz em si um sonho e um desejo de liberdade gigante.

— Isso é verdade. Você já pensou em acompanhar um campo de refugiados por um tempo?

— Já. Mas não sei se teria estômago para ver tanto sofrimento de perto, Simone.

— Estômago você vai ter. Mas tem que ter mesmo é coração — e coração alargado. E isso já percebi que você tem de sobra. Lhe proponho um mês de trabalho voluntário comigo, para que você possa tocar nessa realidade concreta e (quem sabe) constatar que é com amor e com coragem que a liberdade vem ao nosso encontro. Volto para a Itália em 15 dias e de lá viajo para um campo específico, que vai exigir muito de mim. Precisarei da ajuda de uma alma sensível.

| Além Da Fronteira | Simone x SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora