09| Lembrete Doloroso

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A luz dourada do sol brilhava tímida sobre o chão de madeira gasta, iluminando as partículas de poeira que flutuavam no ar. Aos poucos, o quarto escuro foi adquirindo uma claridade. Os móveis rústicos esculpidos em madeira maciça emergiram da penumbra, à medida que os raios penetravam pela janela. Os contornos dos objetos se destacavam, revelando os detalhes únicos, da textura áspera. Enquanto as sombras desapareciam devagar, o ambiente renascia das cinzas, ganhando uma nova vida, de um modo gradual.

― Será que agora a senhorita aceita meu convite para jantar fora? ― o senhor Uckermann disse após perceber que a dama de vermelho se mexeu na cama.

Logo que escutou a voz rouca dele, ela permaneceu imóvel, de barriga para baixo, incapaz de encará-lo. Memórias da noite anterior invadiram sua mente, trazendo de volta as sensações de prazer que tinha sentido em seus braços. Os lampejos daquele momento a atingiram como um lembrete do que era ser, verdadeiramente, tocada. Christopher esperou paciente pela resposta, acariciando a parte de trás de suas costas.

― E onde seria esse lugar? ― A moça levantou a cabeça, ainda de bruços, após se recuperar dos acontecimentos recentes.

Ela olhou na direção dele, porém a luminosidade a impedia de enxergar com clareza.

― No armazém ― o rapaz informou.

― Mas o armazém fica no andar de baixo. ― A mulher riu por um instante. ― Não é a mesma coisa que se encontrar no quarto?

― Então isso é um convite para eu passar mais uma noite? ― Ele sorriu de um jeito sutil, arqueando de leve o canto da boca, deixando a dama de vermelho sem palavras por um tempo. ― Gostaria de levá-la para jantar fora, como manda a etiqueta.

― Talvez... ― ela respondeu envergonhada sobre a primeira fala dele. ― Veremos isso mais tarde. ― Desviando o olhar, a moça se levantou da cama desconcertada e pegou o roupão que estava pendurado no cabide.

O homem observou a silhueta dela, admirando a forma do chambre* de seda vermelha ressaltar as curvas do seu corpo. Ele tentou conter a atração que sentia por ela, outra vez, naquela manhã, mas não pôde evitar um sorriso entusiasmado nos lábios.

― Bem, eu preciso ir para a delegacia, trabalhar no caso do senhor Nogueira. Porém, depois, se a senhorita desejar, o jantar está de pé. ― O investigador apanhou sua calça do chão, vestiu-se e em seguida a espiou. ― Creio que é necessária uma conversa entre nós.

A mulher misteriosa manteve-se em silêncio por alguns segundos, indecisa se queria discutir sobre o que aconteceu na noite anterior.

― Realmente, está na hora do senhor trabalhar ― ela rebateu para encerrar o assunto.

Ao compreender o recado, ele caminhou até o cabide atrás da porta para apanhar o seu casaco e o chapéu. Antes de sair, Christopher pretendia deixar claro que sua intenção não era apenas de satisfazer sua curiosidade a respeito do segredo que ela escondia, mas sim ajudá-la de algum jeito.

― Eu espero que a senhorita entenda que pode confiar em mim ― ele disse fitando-a. ― O mistério que a envolve me interessa bastante, porém acima de tudo, desejo ajudá-la com o que for. ― O rapaz se aproximou dela, tomando sua mão para então depositar um beijo delicado na pele macia dela.

Por um momento, a dama de vermelho sentiu vontade de confiar nele, contar suas aflições, mas um pensamento cruzou sua mente. Será que uma vez descobrindo a verdade sobre ela, ele acabaria se cansando? Temia que, ao desvendar seu segredo doloroso, o homem fosse embora.

― Uma hora o senhor acaba se cansando ― a moça se surpreendeu por expressar o seu ponto de vista em voz alta.

― Talvez sim, talvez não ― ele comentou em dúvida. ― Entretanto não sou do tipo que desiste facilmente. Eu me atraio pelos enigmas que a vida apresenta. E, você, minha cara, é o mistério mais intrigante que já encontrei. Não sei explicar, mas a senhorita me desperta uma vontade profunda de protegê-la, por trás dessa fachada existe uma coisa que a atormenta. Algo que merece ser compreendido. ― Com um sorriso terno, ele girou a maçaneta, despedindo-se dela. ― Vejo a senhorita mais tarde. ― Tirou o seu chapéu e fez uma reverência, fechando a porta atrás de si.

A Dama de VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora