Deixei que a ideia criasse raízes. Ponderando todas as consequências do ato. Precisava tomar coragem de conversar com Adalto. Essa era a parte mais difícil.
Tinha também a família. Como informar a minha conturbada família, que eu estava abrindo mão, do que era considerado um casamento perfeito?
No final o inesperado aconteceu: ele tomou a iniciativa. Foi em um sábado. Liliana na rua, em uma festa qualquer, Betânia na cama e nós dois ali, vendo um filme besta qualquer.
- Acho que nós precisamos dar um tempo. - Preciso explicar uma coisa antes, Adalto é a pessoa mais direta que conheço. Fala em uma frase o que a maioria das pessoas, enrolaria dois parágrafos para dizer. Por isso, não fez rodeio aquele dia. De maneira, rápida, clara e sem muitas delongas, tratou de explicar que queria o divórcio.
- Também ando pensando nisso...
- Pois é, acho que viramos dois amigos, e se é para sermos somente amigos, que sejam em casas separadas, assim, um não impede o outro de viver um novo amor.
A frase doeu. Em todo o tempo que havia pensando na separação, não havia pensado nas consequências concretas do ato. Ele conhecer uma nova pessoa e tentar uma vida a dois novamente era uma dessas.
- Você está com outra?
- Eu? Não. Mas penso na possibilidade. - Bem, eu sou um ser humano, e como todo ser humano nesta situação, não acreditei.
- Seu cretino, miserável! Você está me traindo!
- Poli, presta atenção! EU NÃO ESTOU TE TRAINDO! E é para não te trair que estou pedindo o divórcio! Será que é tão difícil de entender? Além do mais, você acabou de dizer, que também estava pensando nisso!
Nessa altura, eu já estava com as mãos na cadeira, segurando o choro. A razão completamente submetida ao desvarios do velho monstro de olhos verdes.
Falei uma meia dúzia de palavrões. Xinguei toda a família dele e me tranquei no quarto, aos prantos.
Se você acha que ele foi lá me consolar, pode tirar o seu cavalinho da chuva! Meu querido marido, agora ex, não caia na velha armadilha das lágrimas. Viu o filme todo, e só quando já estava caindo de sono, foi para o quarto.
Eu estava lá, claro, jogando todas as roupas dele em uma mala.
- O que você está fazendo?- Expulsando você!
- Por que?
- Por que você é um cretino, filho da mãe!
-...
- Com quem você me traiu, heim?! Com quem?
- Uê, se você tem tanta certeza que eu te trai, deve saber com quem!
Nessa altura, o resto da dignidade vai por água abaixo, literalmente, sentei no chão, perto da cama, as lágrima escorrendo copiosamente. Uma coisa que é preciso dizer. Nós mulheres somos os bichos mais estranhos do planeta! Eu vinha pensando em me divorciar há meses, esperando só a chance de falar com ele. Sem pensar nos sentimentos dele, ou melhor, preparando-me para vê-lo se arrastar e implorar que eu não o deixasse. Mas como a situação não fora bem a que planejei, fora ele que tomara a iniciativa, sentia-me traída e apunhalada. De repente a ideia do divórcio parecia ser uma coisa horrorosa. Lá estava eu, chorando como uma criança, na beira da cama. Enquanto o cretino, sim, agora ele era um cretino. Olhava tudo, sem esboçar gesto nenhum.
- Não vai falar nada?
- Não, enquanto você não voltar a ser um ser racional.
- Por que você quer se separar de mim?
- Poli, eu não quero me separar de você. Nós queremos nos separar um do outro! Lembra?
Não. Eu não lembrava. Na verdade, só pensava em como era infeliz e como ele podia ter feito isso comigo e que os homens não prestavam e eram todos cretinos, miseráveis e canalhas! Foi uma looooonga noite de conversa. Eu chorei, (mais), ele chorou. Lembramos tudo que havíamos passado. O casamento, o nascimento das meninas... Tudo. Eu gritei. Ele gritou. Fiquei com raiva, ele ficou com raiva. Falei um monte de palavrões, ele falou outros tantos. Eu o ameacei, ele me ameaçou... Resumindo, fizemos o que todos os casais fazem quando o assunto divórcio entra em pauta. Depois dormimos. Eu no quarto e ele no sofá. Amanhecemos separados.
Restava agora contar para a família. As meninas eram a nossa maior preocupação. Por isso, decidimos preparar bem o terreno.
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Poliana em Tempo de Crise
RomanceA personagem homônima da famosa Pollyanna, descobre que o Jogo do Contente é uma farsa e para sobreviver a um divórcio, um desemprego e cuidar de duas filhas tem que ter muito rebolado, humor e coragem.