102°- Dono do morro

9 0 0
                                    

LUCAS

Ainda não consigo acreditar, não consegui dormir direito essa noite, só passava o rosto deformado do Kauã em minha mente, o choro desesperado da Patrícia, aquela cena angustiante do Jonas abraçado com Luiz.
Estou me arrependendo amargamente por não ter seguido o Kauã, será que eu teria feito algo ou não adiantaria nada a minha presença?
Todos estão em choque, o morro inteiro parou, acho que até agora, nenhum favela nunca conheceu um dono do morro tão generoso e carismático como o Kauã. Todos amavam muito o Kauã, ele não era apenas um dono do morro, ele era pai das crianças órfãs, ele era como um marido para as viúvas, um filho para as idosas, ele ajudava todos.
Ele sempre foi um pai presente, um marido super exemplar e um irmão perfeito. Talvez ele nem queria essa vida e agora está morto, como se nada tivesse acontecido.
Ele era a minha metade, eu amo ele, como vou entrar na boca sem ver ele? Como vamos voltar na casa e festejar sem ele?
Olho para o relógio e já é 9 horas, o enterro está marcado para 10:30 e eu ainda não acredito. Acordei bem cedo, a liza e as meninas foram ficar com a Pat, nem sei o que está passando na cabeça do Jonathas, será que ele vai conseguir assumir o morro em um momento como esse? Depois de terminar um relacionamento e de repente invasão, morte do pai, tráfico no foco, dono de morro...
Como aqui no morro tem um cemitério e o desejo do Kauã era ser enterrado aqui medmo, não vamos contrariar.
Tomo um banho bem gelado, em meio as lembranças com ele, de quando éramos pequenos, quando aprendemos atirar sozinhos e ele quebrou o vidro da janela.
Sinto lágrimas deslizarem sobre o meu rosto, não consigo controlar, fazia muito tempo que eu não sentia essa dor tão profunda.
Chegando no local, já tem uma quantidade boa de pessoas, já que o Kauã era conhecido em muitos lugares. Fora isso, tem uma Máfia fora do Brasil que apoiava muito ele, provavelmente chegarão.

10:30 em ponto e o cemitério está lotado. Decidimos fazer algo diferente justamente para lembrar da diferença que o Kauã fez para muitas pessoas.
Chamei a atenção de todos e pedi que fizessem silêncio.

- Primeiramente desejo um dia de paz para todos que estão aqui, agradeço pela presença de vocês. Não tenho palavras para descrever o que estou sentindo nesse exato momento pois é um sentimento muito complexo e doloroso. - Me calo e fico alguns segundos assim para controlar o choro - Sei que a maioria que estão aqui têm muitas lembranças boas com o Kauã, para aqueles que não sabiam seu nome, mais conhecido como Sorriso, pois sempre trasmitia a alegria que estava nele. Eu não sei ao certo o motivo da morte dele, talvez inveja ou procura de guerra e tenham certeza de que isso não vai ficar assim, não vai ser barato! - Afasto o microfone da minha boca e pergunto para pat se ela quer falar algo e ela assente.

- Vocês devem estar pensando "Meu Deus, a Pat é fria, não está chorando" e talvez até pensar "ah, ela nem amava ele" mas, as minhas lágrimas estão indo atrás do Kauã, o de quer que ele esteja, não só as lágrimas mas o meu próprio coração com a intenção de trazê-lo de volta. Não consigo imaginar como vai ser minha vida agora sem ele. Ele sempre foi o meu ponto de paz, com certeza não me arrependo de ter amado ele tão imensamente como ainda o amo. Espero que vocês valorizem os amores enquanto estão aqui, vocês devem valorizar os momentos, até os momentos de chateação. PORQUE NÃO VOLTA! - A pat grita a última parte, me entrega o microfone rapidamente entre o choro e abraça o caixão.

- Como falei, vamos fazer algo diferente, peço que todos cantem a música que vai ser compartilhada no telão.

"Como eu queria um segundo para me despedir
A ficha ainda não caiu, tu teve que partir
Eu sei que Deus vai te abraçar e acolher no céu
Aqui na terra cê cumpriu o seu papel
Não serás esquecido, dentro da comunidade
A família e os amigos, te amam de verdade
Vai com Deus, vai na fé
Quando eu chegar no céu vamos dar um rolê"             

(×2)

A sensação de ouvir uma multidão cantar e compartilhar um sentimento acolhedor é incrível.

- Peço que batam palmas - Falo chorando e batendo palmas.

Depois que as pessoas mais próximas se despediram, foi a minha vez. Me afasto do caixão e os rapazes pegam para começar o enterro, lá se vai o meu melhor amigo, o meu irmão....




Obs*: A Gaby estava presente no funeral.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Feb 03 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Filho do donoOnde histórias criam vida. Descubra agora