*** Os POVs do prólogo não avançam numa linha temporal retilínea, visto que Liam é nove anos mais velho do que Jade. Eles são apenas trechos de fatos marcantes de suas infâncias.***
Jade
(2 anos)
Pow!
Algo é atirado contra a porta que papai está prestes a abrir. Ele gira a maçaneta e...
Pow!
Um novo objeto a atinge e se espatifa no chão. Pulo! Perdida e acuada, me agarro às suas pernas. Ele torna a fechar a porta rapidamente e afaga os meus cabelos.
– Não se assuste, filha. Vamos dar um tempo a ela. Venha, sente-se aqui com o papai. – Ele senta-se no primeiro degrau da escada que dá acesso à pequena varanda da frente da nossa casa.
Sento-me em seu colo, um tanto trêmula.
– É só um mau dia, papai? – pergunto, torcendo as mãos em meu colo. Preciso muito ouvir que sim.
– É meu amor, é sim. Só um mau dia... – Papai tenta sorrir, mas seus olhos parecem querer chorar.
Nos maus dias, mamãe não gosta do papai. Ela também não gosta de ser minha mamãe, eu já sei. Mas é só nos maus dias...
– Inferno de vida! Como eu me enfiei nesse inferno de vida?! – A esta altura papai já está tapando os meus ouvidos, mas posso escutar mesmo assim.
– Eu não nasci para isso! Eu não nasci para terminar assim... Olha que bosta! Dia e noite dentro de casa, gorda... Uma cria grudada nas pernas e outra na barriga!!! Essa não sou eu!
– Cale a sua boca, Amanda. Sua filha está bem aqui! E ela está gripada outra vez. Porque você insiste que eu a tire cedo da cama e a deixe na creche o dia todo, mesmo estando em casa.
– Eu sou uma artista! Preciso de tempo, paz e sossego para criar! Como farei isso com uma criança em casa? Chamando, resmungando, pedindo comida? Avisei a você antes de nos casarmos que jamais iria virar dona de casa ou arranjar um emprego na vida... É contra os meus princípios!
– Certo. Você avisou. Só se controle perto da menina e deixe-nos entrar em casa, por favor.
– E Filha?! Nunca quis esta merda...
Papai faz um som esquisito.
Parece eu quando mamãe me dá uma chinelada e dói. Tenho mesmo é vontade de chorar, mas engulo. Se eu choro, ela bate mais. Isso eu também já sei!
– Vamos meu amor, vamos tomar um sorvete. – Papai se levanta comigo no colo e consigo ver seu rosto molhado.
– Não chola papai. – Peço tremendo o queixo. Se ele continuar, eu choro junto... com o papai, eu sei que posso... chorar...
– Não se atreva a sair por esse portão Samuel! – Ela berra quando escuta o rangido alto que o portãozinho da frente da nossa casa sempre faz quando alguém o abre. Papai diz que é porque ele está velho e emperrado.
– Voltamos quando você se acalmar...
Ela abre a porta bem rápido e aparece na varanda.
– Não se atreva a sair daqui com ela! – Berra mais alto.
– Quer continuar descarregando sua frustração e ingratidão? Faça sozinha! – papai retruca.
Ela atira uma sandália velha em nós. Ainda bem que papai é rápido e nos abaixa a tempo. Se o rosto de mamãe não estivesse como o dos personagens dos desenhos animados quando estão vermelhos de raiva, eu acharia engraçado.