03:30h da manhã na mansão 242.
Otto boceja, o sono teimando contra a firme determinação dele de fazer, sozinho, a filha caçula de pouco mais de um mês de vida adormecer sem que Luísa acordasse. Aurora geralmente era calma e aquela noite não era diferente, fazia menos de uma hora que ela havia sido trocada e alimentada, então em teoria não deveria precisar de mais nada durante as próximas duas horas. Porém, vira a garotinha balançar os bracinhos e perninhas pela babá eletrônica e não resistiu a ir até ela. Dera um beijo suave em Luísa que continuava dormindo e saíra do quarto sem fazer barulho. Agora, a menininha o olhava seriamente, a pequena cabeça apoiada contra o antebraço do pai enquanto ele a balançava suavemente pelo quarto, os olhos azuis fixos nele como se compreendesse exatamente quem ele era e o quanto era amada por ele.
- Ei, menina... Você perdeu o sono, é? Será possível que você vai ser agitada como sua irmã? - Otto sussurrava para a bebê. Claro que só sabia como Poliana era desde que chegara em sua vida, e por um momento sentiu o familiar aperto no peito ao pensar em tudo que perdera na vida da garota e da filha mais velha que falecera ainda tão pequena, mas logo tratou de afastar o sentimento. Poliana estava no quarto ao lado agora, e eram tão apegados que ele mal podia lembrar de quando ela não fazia parte dos seus dias. Mas sim, a garota era agitada e cheia de vida, e muito provavelmente a irmã mais nova seria igualzinha a ela.
Otto segurou a pequena mãozinha da filha na sua mão disponível, admirando cada dedinho. Depois analisou o rostinho perfeito, os olhos azuis que ele jurava que era a única coisa que ela herdara dele. Todo o resto - os cabelos castanhos, os lábios cheios, o narizinho arrebitado, até a carinha de brava quando estava com fome ou precisava ser trocada, era toda Luísa. Ele sorriu ao pensar em quantas vezes dissera durante a espera pela bebê que queria que fosse assim, e fora completamente atendido. Os olhinhos azuis continuavam fitando-o quase que solenemente, como se esperasse alguma atitude do pai perante aquela pequena insônia infantil.
- Papai não é bom em cantar, filha. Você provavelmente iria chorar até sua mãe ou sua irmã virem te socorrer. Elas são melhores nisso do que eu, com certeza... Ou será que você só quer conversar, mesmo? - De fato, a bebê parecia mais do que satisfeita em apenas ouvir o som baixo da voz do pai, os olhinhos azuis fitando-o com interesse. Lembrou-se que na gestação, Luísa sempre implicava falando que a menina seria maluca por ele, pois quando estava mais agitada, bastava que ele conversasse com a bebê para que ela se tranquilizasse no útero. Ele resolveu tentar. - Muito bem, que tal uma conversa de adultos então? - Acomodando melhor Aurora no braço, sentindo o calor e o perfume suave de leite e talco do corpinho da filha, Otto observou a pequena apertar firmemente um dos seus dedos na mãozinha. - Ok, vamos lá.
Ele continuava embalando a menina suavemente pelo quarto. Seu olhar parou em uma selfie num porta-retratos em cima de uma das mesinhas, aonde estavam ele, Luísa e Poliana no quarto da maternidade com Aurora recém-nascida, os rostos tão felizes e emocionados que a lembrança aqueceu seu peito. Ele voltou a atenção para a menina.
- Hoje não vou contar a história inteira, tá bem? A senhorita precisa dormir e eu também. Mas vou contar um pedacinho... Sabe quando eu me apaixonei pela sua mãe? Ela veio morar aqui, uma vez. Sua irmã tinha acabado de chegar aqui, o papai queria que ela ficasse com ele mas sua mãe ficou com medo que o papai fosse um cara malvado. Você pode acreditar nisso, filha? - Ele ri com a lembrança de Luisa obstinada recusando-se a deixar Poliana sozinha com ele. O bebê parece sorrir de volta, deixando-o encantado. Ele dá um beijo suave na mãozinha agarrada a seu dedo e continua. - Claro que o papai deixou que ela ficasse, afinal era tão bom ter ela aqui... Embora a gente brigasse bastante. Acho que a mamãe me odiava um pouquinho. Mas eu gostava tanto de provocá-la, e de repente tudo parecia tão certo, filha. Eu, ela e a Poli. Mas a mamãe gostava de outra pessoa naquela época, e o papai desistiu, mesmo depois de eu ter beijado ela, e não que ela fosse concordar, mas bem que ela correspondeu... Enfim. Mulheres. Você não vai ser assim, quando achar um namorado, digamos, lá pelos 40 anos, não é? - A bebê dava piscadas cada vez mais longas, tentando ainda lutar contra o sono. Otto continuava. - Mas eu queria ela feliz. E quando a gente ama alguém, filha, a gente só quer que a pessoa seja feliz, mesmo que não seja com a gente. Aí o papai tentou... Tentou muito, durante muito tempo, deixar esse amor escondido. Mas o sentimento sempre permaneceu. E aconteceu, na hora certa. E valeu a pena esperar... - Otto terminava mais uma volta pelo quarto, quando fica de frente para a porta e só então vê Luísa parada, escorada no batente com os braços cruzados sobre o pijama cor-de-rosa, observando com os olhos marejados a interação entre o marido e a filha dos dois. Otto sorri com o flagrante, apoiando a filha contra seu ombro enquanto Luísa se aproxima dos dois e ele a enlaça com o braço disponível. Ela retribui o abraço e ergue a outra mão até as costas da bebê, que parece enfim se deixar levar pelo sono, e juntos movem-se devagar pelo quarto, como se fosse uma dança.
- Você devia ter vergonha de mentir assim pra ela, Otto. - Luísa resmunga, baixinho.
Otto a olha, surpreso.
- Eu não menti...
- Mentiu, sim. - Luísa ergue o olhar até os olhos dele, ficando na ponta dos pés, a luz suave do cômodo refletida no olhar de um verde tão profundo que Otto pensa por um momento no quanto queria mergulhar ali. - Eu nunca te odiei. Principalmente depois de estar aqui... De ver você com a Poli. Eu odiava não conseguir te odiar. Não conseguir entender como estava tão encantada que estava até sonhando com você.
- Verdade? - Otto ri, beijando o alto da cabeça dela. Ela ri de volta, erguendo de novo o olhar pra ele.
- O que eu tinha começado a sentir por você era profundo demais... Tanto que eu fugi. Mas de algum jeito que só agora eu entendo, eu já te amava.
Otto sorri, deixando os lábios irem de encontro aos dela num beijo que demorou por alguns minutos até Aurora resmungar durante o sono entre os dois. Luísa ri, pegando a filha para si enquanto prosseguiam abraçados, no meio do quarto. Otto beija o alto da cabeça da filha, então Luísa a coloca adormecida no berço e a cobre suavemente, depois voltando para os braços o marido.
- Tem razão... Ela parece a Poliana. Inclusive quando resmunga por estarmos muito grudentos.
- Aí é com elas... Porque eu pretendo continuar bem grudado com você.
- Ah, é?
- É. - Sorrindo, ele ergue o rosto de Luísa até que os olhares de ambos estejam presos um no outro. - Eu te amo.
Luisa sorri. Podia ouvir aquela declaração mil vezes, ou melhor, um milhão de vezes, porque "mil" àquela altura já tinha ouvido, e nunca cansaria dela.
- Eu também te amo.
Ele era sua melhor escolha. Sua escolha certa. A escolha que relutara em aceitar, mas que era a que lhe fazia feliz todos os dias. E quando os lábios dos dois se uniram daquela vez, ambos sabiam que aquela noite não terminaria tão cedo.
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One shots - LuOtto
Ficção AdolescenteApenas uma LuottoShipper que ocasionalmente escreve algo "como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer.