Otto acorda assim que amanhece, o sono interrompido pelo impulso de Luisa pra sair rápido da cama. Ele se ergue nos cotovelos para vê-la partindo como um raio para o banheiro, pela quinta vez naquela semana, então suspira, preocupado. Alguma coisa estava muito errada com Luísa, mas ela era teimosa demais pra procurar um médico sem ter certeza da necessidade. Decidido a convencê-la daquela vez, ele segue até o banheiro atrás da mulher, encontrando-a apoiada na tampa da privada, erguendo o olhar pra ele sem jeito ao terminar de devolver o jantar da noite anterior
- Você não tem que ver isso, Otto.
- Acho que eu falei algo como "na saúde e na doença", seis meses atrás. - Ele alcança uma toalha pra ela, que seca a boca e fecha a tampa da privada, sentando-se sobre ela em seguida. Ele se aproxima dela, colocando os cabelos dela atrás da orelha. - Amor, você precisa ver um médico. Eu estou a semana inteira falando isso, a Poliana já falou, minha mãe já falou. Uma simples virose não duraria tanto.
Luísa tenta desviar do olhar atento dele sobre si. Precisava contar pra ele, mas ainda não... Não antes de ter certeza. Não queria dar a ele uma esperança vazia, porque sabia o que aquilo significaria pra ele se fosse verdade.
O que significaria para os dois.
Ela concorda com a cabeça, se levantando, e vai até a pia, pegando a escova e a pasta de dentes. O olhar de Otto a acompanha com atenção, e ela o olha pelo espelho, não conseguindo evitar um sorriso com a expressão preocupada dele. Quando termina ela vai até ele, enlaçando-o pelo pescoço.
- Ei... Tá tudo bem, Otto. Se continuar assim eu vou procurar um médico. Prometo.
- Luísa...
- Não se preocupa, amor. - Ela o beija de leve, voltando pro quarto. - Por que a gente não dorme mais um pouco? Hoje é a formatura da Poli, o dia vai ser longo.
- Não, preciso cuidar de uns últimos detalhes para o lançamento do Pinóquio, foi bom ter acordado cedo. Descanse. Você vai ficar bem? Quer que eu traga um café ou algo pra você comer?
O estômago dela embrulha de novo só em pensar em café, e ela dá um sorriso amarelo que não passa despercebido a Otto. Ele suspira.
- Pra você estar negando café, você realmente deve estar doente, Luísa.
- Não estou doente. "Não exatamente", ela pensa, contendo um sorriso. Ela o beija de novo antes de despistar. - Deixa disso... Claro que vou ficar bem, estou me sentindo melhor, vou dormir mais um pouquinho. Pode ir tranquilo.
A contragosto e ainda preocupado, Otto sai do quarto após se trocar, mas Luísa não volta pra cama. Ela vai até a bolsa que usara no dia anterior e pega um pacote de lá, só o abrindo após estar de novo no banheiro, com a porta trancada daquela vez. Ela pega a caixinha entre as mãos, analisando as instruções com cuidado. Não era diferente das dezenas de outros testes de gravidez que já fizera durante seu primeiro casamento, exceto que dessa vez ela seria capaz de jurar que sabia o resultado. Ela pensa por alguns minutos nos últimos dias - não tinha sido só o enjôo que lhe chamara a atenção: seu corpo estava diferente, ela sentia sono o tempo todo, mas só caíra em si na tarde anterior, quando a secretária da ginecologista entrara em contato pra agendar os exames de rotina e a lembrara que caso estivesse menstruada no dia agendado, seria preciso remarcar. Só então pensara que estava atrasada - ela tinha conferido o calendário do celular aonde anotava as datas da menstruação e se deu conta de que o atraso já era de quase um mês. Descrente a princípio, Luísa tinha tentado tirar a ideia da cabeça, não queria se iludir com a possibilidade de novo, mas acabou comprando o teste num impulso, decidida a não fazê-lo tão cedo. Porém, com Otto tão preocupado e ela mesma começando a acreditar que nada mais explicaria tudo o que andava acontecendo, era melhor tirar a dúvida de uma vez. Ela segue as instruções da caixa e coloca o dispositivo sobre a pia do banheiro para esperar os cinco minutos do teste, sentando-se em seguida, pensativa. Não tinha dúvidas do quanto Otto ia ficar feliz, ele nunca disfarçou o quanto lamentava o que perdeu no crescimento de Poliana e na curta vida de Stella, mas eles nunca haviam levantado a possibilidade de uma gravidez. Durante a lua de mel deles, no café da manhã do hotel, uma mulher com o filho havia pedido que eles olhassem o carrinho por alguns minutos, enquanto ia ao banheiro tentar consertar o estrago que o menino fizera ao derramar na roupa da mãe o conteúdo da sua mamadeira. Eles aceitaram de bom grado e Luísa ficara observando o olhar fascinado de Otto ao bebê, o interesse genuíno dele ao observar o garotinho. Na ocasião ela perguntara se ele gostaria de ter mais filhos, mas ele apenas respondeu que eles tinham Poliana e que ela dava trabalho o suficiente, mas ela sabia que o comentário era por ele acreditar que ela não poderia engravidar. Acabou deixando o assunto pra depois e não lembrara mais do episódio até então. Por parte dela, ela tinha acreditado que simplesmente não era pra acontecer, apesar de nenhum dos numerosos exames que já fizera ter indicado qualquer problema. Luísa já tinha aceitado que seria um sonho vivido apenas através do papel que desempenhava na vida da Poli. Mas agora, talvez... Talvez a vida tivesse lhe preparado mais uma surpresa.
Ela olha o celular, se dando conta que o tempo do teste já havia passado, e levanta-se num pulo para pegar o dispositivo nas mãos e olhar a minúscula tela, aonde ela leu as palavras que confirmaram que era verdade... O sonho que ela já nem ousava mais sonhar se realizou. Ela seria mãe. Os olhos de Luisa se encheram de lágrimas ao colocar o teste sobre a pia do banheiro e espalmar as mãos sobre a barriga, quase sentindo a vida que se formava ali, e de repente ela não podia mais esperar pra contar pro homem que tornou isso real. Sem trocar o pijama por uma roupa mais apropriada ou mesmo colocar um roupão, ela disparou pela porta até ouvir as vozes de Otto, Glória, Poliana e Pinóquio na sala. Se controlando, embora não pudesse tirar o sorriso enorme do rosto, ela respira fundo e entra na sala, indo ao encontro da família. Daquela vez não temia que algo fosse dar errado, não queria esperar pra ter certeza que tudo estava certo, ela sabia que estava, sentia em cada célula do seu corpo que podia comemorar sem medo.
- Bom dia!
- A gente tava falando de você. - Otto responde, acreditando que com todos insistindo, Luísa enfim concordaria em procurar um médico. Ela ri, se dirigindo até ele, brincando:
- Hum, por isso que minha orelha tá fervendo...
- Você melhorou, meu amor? - Gloria questiona, fechando um colar na nuca de Poliana. O sorriso de Luisa aumenta, como se isso fosse possível. A sogra era a avó mais coruja do mundo, Luísa não tinha dúvidas do quanto ela ficaria feliz com a novidade. Ela alcança Otto, ficando por trás da cadeira dele e apoiando a mão em seu ombro.
- Sim... Melhor. - Ela confirma com a cabeça, respirando fundo. Poliana ergue o olhar para ela.
- Você precisa ir logo no hospital ver isso, tia. - Otto, tomando café, acena com a cabeça e gesticula para Luísa, como quem diz "está ouvindo?". Ela continua sorrindo.
- Eu vou... - Ela olha para a sobrinha, torcendo pra que ela ficasse feliz com a notícia. Mas pensando no quanto a menina era especial e amorosa, sabia que não tinha com o que se preocupar. Ela continua. - Aliás é sobre isso que eu quero falar com vocês.
- Graças a Deus, um problema a menos, não é? - Glória diz, aliviada. Ela também vinha tentando há dias convencer Luísa a procurar um médico.
- Na verdade é o contrário. - Luísa responde, ainda acariciando o ombro de Otto, ansiosa por compartilhar a notícia. Poliana olha de um pra outro, confusa.
- Como assim? - Glória parece ter entendido, mas se controla até ter certeza. E não precisa esperar muito, Luísa coloca uma das mãos sobre a barriga e solta a notícia exatamente no meio de um gole que Otto dava no café, fazendo-o engasgar:
- Tô grávida! - Por pouco, Pinóquio não toma um banho de café com o susto que Otto leva. Ele definitivamente não esperava ou contava com essa possibilidade. Rindo, Luísa alcança os ombros dele, perguntando se ele estava bem, antes de ele levantar-se e se virar pra ela, enquanto Glória, Poliana e Pinóquio comemoravam em volta deles.
- Você tem certeza disso?? - A expressão assombrada de Otto não deixava dúvidas de que ele não tinha certeza se era real ou se estava sonhando.
- Acabei de fazer o teste. - Eles trocam um beijo antes de se abraçarem. - Deu positivo! -Eles ficam presos naquele abraço por alguns instantes, mas logo Poliana interrompe, batendo as mãos, eufórica.
- Aí tia, eu não acredito!! - Eles recebem as felicitações da família, todos ficam radiantes com a notícia. Otto ainda está assimilando as palavras dela quando puxa a cadeira para que ela se sente a mesa, pedindo:
- Senta aí e me explica direito essa história. - Todos riem, mas é Glória quem o lembra do absurdo do pedido:
- Explica direito?! Otto, que história é essa?
- É modo de falar. - Ele capitula, erguendo a mão e reconhecendo que o pedido não fazia muito sentido. Poliana ainda eufórica olha a tia, os olhos cheios de lagrimas:
- Não acredito, eu vou chorar, tia! - Elas se abraçam, emotivas. A garota sabia o que o futuro irmão ou irmã representaria para o pai e Luísa, e pra ela mesma: um novo começo, um novo amanhecer na vida de toda a família. Otto olha a mulher nos olhos, parecendo finalmente assimilar a realidade do que estavam vivendo:
- Então esse tempo todo você não estava doente? Você...
- Nós. - Ela o corrige, docemente. Luísa sabia o quanto aquela palavra significava na história dos dois. Uma vez ela lhe corrigiu quando ele usou essa palavra, com um severo "não existe nós!". E agora ali estavam eles, e o "nós" não só existia, como gerou frutos. Ele repete, como se precisasse ouvir de novo.
- Nós...
Luísa confirma com a cabeça, os olhos dançando nos dele, a felicidade estampada no rosto, mil palavras ditas no olhar que trocaram - a confiança, a cumplicidade e a certeza de que era apenas o começo de uma jornada inesperada, porém maravilhosa na vida dos dois. A voz dela transborda amor ao dar a ele a certeza que ele precisava:
- NÓS vamos ser pais.
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One shots - LuOtto
Novela JuvenilApenas uma LuottoShipper que ocasionalmente escreve algo "como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer.