Capítulo 2

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Posso ter assustado o leitor com uma parada brusca na narração, mas o fato é que o golpe na minha cabeça foi repentino, mas aproveitando meu estado de total inconsciência, farei uma breve apresentação, neste caso, de mim mesmo. Nasci em 1885, o que me torna, no atual ano de 1912, com 27 anos, nascido e criado em território boêmio, fui ensinado a respeitar a Boêmia, sua cultura e história, algo fortemente incentivado por meu avô, que por sinal é uma marca familiar, homens ou mulheres, com grandes afinidades intelectuais onde ao mesmo tempo que falam sobre os clássicos da música e da literatura, também sabem falar com maestria sobre política. Tive uma infância tranquila e uma adolescência solitária, diferentes dos meus irmãos e irmãs que tinham muitos amigos e outras companhias, nunca tive isso, ao invés disso tive a companhia dos livros e dos grandes nomes da história. Fui formalmente formado e habilitado para atuar como diplomata, mas até 1908 eu era um mero jornalista, foi quando fui convidado para ser professor de uma universidade, mas isso fica para outra hora, agora voltemos para a narração da história, afinal é o que o leitor espera aqui, ou acho que espera.

Quando acordei uma forte tontura me atingiu, durou alguns minutos mas passou e consegui me levantar. O sangue seco ainda estava na minha cabeça e eu ainda estava na floresta, aparentemente deixado para trás pelos soldados que pensaram que eu estava morto. A floresta estava cheia de homens mortos e suas armas, e aparentemente a batalha continuou por mais alguns metros antes que os austríacos recuassem, deixando para trás um rastro de corpos mutilados e ensanguentados. Uma vez de pé e com meu bom e não tão velho fuzil na mão, eu tinha que saber exatamente onde estava, pois a noite já despontava no horizonte e o sol havia se posto sobre as árvores e atrás dos morros, eu não sabia onde eu estava e não sabia para onde ir, o golpe me fez esquecer completamente de onde eu vim.

Caminhei por alguns minutos, mas não consegui encontrar o caminho, agora era realmente noite e não conseguia ver nada além de alguns metros à frente, e para melhorar minha condição, o frio da noite caiu sobre meus ombros dando me alguns calafrios esporádicos. Até agora os únicos sons que ouvi foram os grilos cantando e minha própria respiração, não parecia que havia uma alma viva ali além da minha. Então houve um estalo, depois outro e depois outro, eram passos, lentos e, tentando ser, leves. Em estado de atenção e com o fuzil apontado para o que quer que fosse, andei, de costas, devagar e morrendo de medo. Só parei quando bati em algo duro e grande, pensei que fosse uma árvore, mas não parecia uma árvore. Com minha respiração presa e com o fuzil ainda nas mãos, virei-me lentamente e, como num pesadelo, tive a pior visão que poderia ter, um soldado austríaco, uma montanha de músculos e dotado, provavelmente, de força digna de um búfalo. Pensei em atirar, hesitei, e nesse ínterim houve silêncio, ele olhando para mim e eu olhando para ele enquanto apontávamos fuzis um para o outro. E enquanto nos olhávamos, pude analisar o búfalo à minha frente, além de sua forma bem desenvolvida, tinha o rosto barbeado, cabelos castanhos e duas feridas, uma na perna e outra na o braço.

Tomei coragem, mas ainda empunhando a arma, quebrei o silêncio e perguntei: "Quem é você?".

Apesar da penumbra, pude ver surgir um olhar curioso, mas rapidamente substituído pelo olhar frio de antes e, finalmente, a resposta: "Eu que pergunto quem tu és.

Como não obtive a resposta que queria também não obtive o que ele esperava: "Um soldado boêmio. E você, austríaco, o que você está fazendo aqui?".

"Perdido" foi a única resposta que recebi. "Então você não é o único", respondi com um sorriso torto, e então baixamos a guarda pela primeira vez.

Assim que baixamos as armas houve um estalo na minha cabeça, ele é o inimigo, por que estou baixando a guarda? Voltei a apontar a arma para ele, pensei que haveria uma reação dele, mas ele permaneceu imperturbável, apesar de uma sobrancelha levantada aparecer, ele estava rindo de mim?

Desta vez foi ele quem quebrou o silêncio: "Você não acha que teríamos mais chance de sobreviver se nos uníssemos? A menos que você queira ficar sozinho e morrer congelado ou ser comido por lobos." Confesso que fiquei surpreso com a resposta e o pior, ele estava certo. Com sua resposta, baixei minha guarda novamente.

Embora ele estivesse certo, eu não iria admitir isso abertamente, em vez disso, eu o desafiei: "Então, o que você acha que devemos fazer?". "Sair daqui", foi a sua resposta, logo a oportunidade de provoca-lo novamente: "Aum soldado com medo de cadáveres? Isso é novo". Arrependi-me por um momento de provocá-lo uma segunda vez quando ele se virou para onde estava indo e me olhou nos olhos, apesar da escuridão da noite, e me respondeu com voz pesada: "Se você prefere dormir com o cheiro de carne em decomposição fique, mas não reclame quando você acordar com corvos voando sobre sua cabeça.

Um arrepio percorreu minha espinha com o tom de sua voz, mas eu me mantive firme, e ele estava certo novamente. Ele começou a andar novamente e eu relutantemente andei atrás dele em silêncio absoluto, ele poderia estar certo, duas vezes seguidas, mas ele ainda era meu inimigo.

Caminhamos em silêncio por alguns minutos onde o único som eram nossos passos e os grilos em algum lugar. De forma repentina ele parou de andar e abriu a boca e falou, o que não esperava que acontecesse por sua própria iniciativa: "Albert". Inicialmente eu não entendi, ele percebeu, então continuou: "Albert Bauer, esse é o meu nome, você perguntou antes e eu não respondi, meu nome é Albert".

Na verdade eu tinha perguntado, mas não esperava uma resposta séria, mas agora consegui. Albert, é um nome bonito e combina com ele.

Soldados também amamOnde histórias criam vida. Descubra agora