O Tocador de Flauta

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Em 80 a.C., o Egito já é um protetorado romano há bastante tempo, embora ainda mantenha sua independência.

Vive uma fase tão conturbada que o Faraó Ptolomeu XI, em seu testamento, lega o Egito a Roma. Entretanto, nesta ocasião, o Senado romano não demonstra interesse de tomar posse da herança, tamanha é a rivalidade entre aqueles que poderiam ser escolhidos para administrar o país mais rico do mundo. É preferível e menos perigoso permitir que o Egito continue independente, contanto que o rei seja totalmente submisso e, acima de tudo, defenda os interesses de Roma.

Como não há herdeiros diretos, Roma põe no trono Ptolomeu XII Aulete, filho ilegítimo de Ptolomeu IX. É chamado de Aulete, tocador de flauta, pois prefere se embebedar e tocar flauta a cumprir os deveres de Estado. Em compensação, de tempos em tempos, os grandes senhores romanos extorquem-no, fazendo com que pague pesadas somas em troca do direito de permanecer no trono do Egito. Aulete por sua vez extorque esses valores do povo egípcio, por meio do aumento cada vez mais escorchante dos impostos.

Junte-se a isso seu comportamento violento e sua vida repreensível para entender a causa da revolta dos alexandrinos que o depõem, colocando no trono sua filha Berenice IV, meia-irmã mais velha de Cleópatra (ou melhor, Cleópatra VII).

Aulete foge para Roma onde, além dos agrados habituais, ainda oferece seis mil talentos de prata a Júlio Cesar, para este fazer o Senado aprovar uma lei que o reconduza ao trono. César aceita a incumbência, cumpre o trato e Aulete consegue retornar ao seu país onde, assim que chega, manda decapitar a rainha, Berenice IV, sua filha.

No curso de duzentos e cinquenta anos, treze Ptolomeus tinham sucedido um ao outro, como faraós do Egito. Depois dos três primeiros (Soter, Filadelfo e Evergetes), que foram realmente bons governantes, começou a decadência da casa real. Irmãos assassinavam irmãos, príncipes matavam seus pais, rainhas os seus consortes que eram também os seus irmãos. Não foi um fato fora do comum, para os padrões da família, o pai ter mandado assassinar sua própria filha.

Foi neste ambiente familiar de intrigas e conspirações que Cleópatra cresceu. A lenda fez de Cleópatra uma mulher bonita e sexualmente liberada, mas as fontes antigas enfatizam a sua cultura e inteligência. Além do grego, Cleópatra falava sete ou oito línguas, entre as quais o egípcio, o arameu, o etíope, a língua dos Medas, o hebraico e o latim.

Fascinada por leituras, a jovem princesa Cleópatra visitava quase que diariamente a grande biblioteca da Alexandria. Mesmo quando César ocupou a maior parte da cidade, no ano de 48 a.C., ela, sua amante e protegida, o fazia acompanhá-la na busca de novas narrativas. O conquistador romano, também um homem de letras, um historiador, ficara impressionado com a desenvoltura cultural dela. As fontes antigas também atribuem a Cleópatra a autoria de livros sobre pesos e medidas, cosméticos e magia.

Os filósofos do Museu desde cedo lhe ensinaram que havia algo que se erguia mais alto do que a coroa, do que o ouro. A Cleópatra adolescente aprendeu que o orgulho de um rei pode ser mais belo do que o poder e que uma submissão, como a de seu pai, não valia a pena. Ela, se um dia fosse rainha, faria tudo para reinstalar a soberania do Egito e restabelecer o velho esplendor.

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