'prosperando no caos'
CONVIVER CONSTANTEMENTE com uma sentença de morte dolorosa e definitiva me fez aprender a não ter medo da imprudência, do impossível e do inevitável.
Ao longo dos anos, enquanto a doença progredia e a fragilidade em meus ossos piorava mais e mais, entendi que não importava o quanto tentássemos viver, ou o quanto minha mãe tentava ignorar a mim e a essa doença, nada voltaria a ser como era antes.
Meu pai não sairia de casa, minha mãe ainda teria aquele brilho explendoroso e único em seus olhos e sorrisos, e meu tio não teria que se preocupar constantemente de que em um dia subitamente, iria enterrar a garotinha que viu crescer ao passar dos anos.
E eu não viveria menos do que me era suposto se viver.
Olhando para todos aqueles anos atrás, onde minhas tonturas e mal estar eram suspeitas de uma má alimentação ou uma falta de nutrição, lembrei-me de quando, pela primeira vez, eu senti os efeitos da doença em meu corpo.
É uma lembrança vaga, turva e quase desaparecida em minha mente.
Sei que estávamos no atendimento de emergência e eu havia me machucado no parquinho em que íamos quando mais nova. Minhas pernas e mãos não paravam de sangrar, o sangue mal coagulava, era constante, morno e de certa forma bonito.
A cor escura que escorria me deixou vidrada, a dor colocada em segundo plano.
O pronto-socorro estava cheio, algum acidente estranho na via principal trouxe inúmeros corpos sem vida e outros muito feridos e desacordados, a gritaria, o cheiro do sangue com produtos de limpeza e as luzes fortes demais me deram dor de cabeça.
Mamãe estava ao meu lado e notou meu desconforto, deslizou, trêmula e gentilmente, as mãos em meus fios longos e ondulados em uma carícia singela, meu pai, inquieto e de pé, olhava de um lado para o outro, procurando alguém que estivesse disponível, seus olhos vez ou outra voltavam pra mim e passavam pelos meus ferimentos, uma careta de ansiedade aparecendo.
Ele suspirou e se abaixou, seus olhos na altura dos meus enquanto movimentava suas mãos até minhas coxas, as segurou e apertou, uma carranca desgostosa pintando suas feições ao olhar novamente os corte fundos e arranhões extras que eu tinha.
Sempre fui uma criança caótica, envolta de brigas infantis, fugas e discussões com garotos mais velhos que eu.
Eu era, sou, vivi e viveria meus últimos suspiros, envolta do caos.
Eu o controlava e o causava.
━ Não está doendo mais, certo? ╸ele murmurou, minha atenção voltou pra ele e olhos escuros fitaram os meus, a mesma cor refletida em minhas íris, balancei a cabeça em negação e ele relaxou virando o rosto para onde os médicos e enfermeiras estavam indo e voltando. ━ Ao menos uma coisa boa esses imprestaveis de merda fizeram quando chegamos, te medicaram.
VOCÊ ESTÁ LENDO
∂яєαмѕ → ᵉ. ᶜᵘˡˡᵉⁿ
Fiksi Penggemar"sᴏɴʜᴏs; o ato de se entregar ao seu eu mais obscuro e aos desejos de carne, desejos fantasiosos e uma realidade alternativa. Levado a um novo mundo por uma sequência de ideias soltas e incoerentes às quais o espírito e alma se entregam sem luta; de...