"Quatro"

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   -É só isso que me resta. Correr para não ser presa como meu pai. Ficar entre grades até sua morte. Fui eu quem o matei sim, mas o fim já o esperava há muito tempo. Mas acaba que isso não faz diferença. Não restou ninguém para me amar, apenas eu mesma. Apenas eu terei que correr para manter minha dignidade para não terminar como Chester Winne.

   Doncaster - 4 anos atrás

   -Nessa época, eu já não estava bem. Sem mãe, meu pai preso, sem o amor dos meus tios... Eu não via motivo para continuar. Apenas raiva, rancor e vontade de vingança.

   Estava acabando as aulas. "Finalmente", Faity pensava. Faltava menos que um mês para o ano letivo terminar e todos poderem seguir o que planejam para a vida adulta. Mas a jovem não estava tão animada quanto os outros. Ela não sentia algo preenchendo um vazio como os outros. Na verdade, não sentia diferença alguma. É como se nada tivesse mudado em sua vida. Apenas um dia após o outro continuaria, como todos os outros anos até então.

   O sinal finalmente toca e todos saem da sala. Faity, a caminho para o portão de saída, observa vários grupos de jovens ao redor e casais se beijando pelos cantos. Agora sim, ela sentia um vazio. Mas não era novidade, e sim, constante. De qualquer forma, não fazia diferença para ela essa sensação. Apenas se acostumou.

   Quando, enfim, chegou ao lar, Faity não viu ninguém de cara. Geralmente, via seus tios na sala de estar assistindo a novela ou jogando tabuleiro. Apesar da estranheza, ignorou essa informação e foi ao banheiro se trocar.

   Ao sair e ir a caminho de seu quarto, viu sua tia Clover e o tio Derek conversando no quarto deles com a porta entreaberta. Ignorou novamente, mas quando entrava em seu quarto, é interrompida com seu tio a chamando.

   -Faity! Oh, você chegou! Venha aqui, queremos conversar com você.

   Ela estranha um pouco esse comportamento, já que eles nunca a chamam para conversar sobre nada, apenas perguntam como foi o dia, o que tem a dizer, e vão para seus trabalhos, que, na maioria das vezes, se atrasam. 

Ela senta na cama de casal, e os dois se olham, como se decidissem quem falaria primeiro.

   -Então, querida. Recebemos uma ligação, hoje. De sua amiga, a Claire... Ela disse que você está a ignorando, desviando olhares. E que está preocupada com você. E nós também! - diz Clover um tanto apreensiva.

   -Ah... Ela que está me ignorando. Depois que começou a namorar aquele maluco, ela nem olha direito na minha cara. Mas é claro que eu tenho que ser a culpada. - diz calmamente a garota, inclinando seu corpo para trás e revirando os olhos

   -Mas não é só isso, Faity. Você anda muito sozinha, apenas em seu mundo. Deveria sair um pouco mais, espairecer a mente. - continua a mulher.

   -Sim! Recebemos ligações da escola toda semana, dizendo que você está sempre em um canto, olhando sempre... - Derek suspira antes de continuar - para o nada. Você não era assim, Faity. Apesar de tudo, você não era desse jeito.

   -Claro que incomoda vocês, não é? Incomoda a todos. Todos sempre me olham torto. O que devem pensar, hein? "Que garota estranha, olha as roupas dela, que coisa esquisita!". "Olha aquele olho branco, que bizarro.". "Será que ela tem algum amigo?". - diz Faity com veias pulsando pela testa - Mas parece que vocês ignoram isso! Não é possível que não notam - ela levanta da cama, apoiando as mãos na quina da cabeceira.

  Derek a olha um tanto quanto assustado:

   -Nunca vimos ninguém te tratando assim! Sempre te dão atenção! Você deve apenas estar interpretando errado.

   -Não acredito nisso. - A jovem se dirige para frente do tio e o olha nos olhos - Estou mentindo então? Acha que estou ficando louca? Isso só prova que vocês não são diferente dos demais.

   Derek e Clover ficam sem saber o que dizer. Faity observa a situação deles, com a expressão sádica, mas logo se neutraliza e sai do quarto, com a postura ereta e encostando a porta.

   Os tios não sabiam o que fazer. Faity não saía de casa, praticamente não saía do quarto. Mais e mais eles pensavam na sobrinha, com preocupação, enquanto ela os via como vilões dos quais não deveria confiar por completo.

   O fim das aulas chega. Mas pra ela... Bom, pra ela não fazia muita diferença. Ela percebeu que é tudo sempre a mesma coisa. Todo ano, era sempre a mesma rotina. Sabendo que seu pai estará preso até o dia de sua morte, talvez seria o que fazia ela continuar viva. Poder vê-lo em um caixão, solitário, já que ele fez com que perdesse todos que o amavam. Inclusive sua esposa. E finalmente vê-lo sendo enterrado sem nenhum remorso de perdê-lo.

   Derek e Clover saíam de casa. E Faity continuava lá. Na verdade, foi apenas uma vez que eles a viram do lado de fora. Mas ainda sozinha. A menina pensava, olhando para baixo, claramente tensa, com as veias e suas mãos saltando para fora.

No One Ever Loved Me (cap.II)Onde histórias criam vida. Descubra agora