Capitulo 4

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Já em casa, Lucas não parava de repassar mentalmente tudo que tinha acontecido naquele longo e exaustivo dia. A briga com seu irmão, a chegada ao castelo, a proposta do rei, a morte daquele pequeno menino, que parecia ser tão querido por todos.

Trincou os dentes. Aquilo era tudo culpa de Giselli! Se ela não tivesse o abandonado, se o ajudasse a colocar juízo na cabeça de Daniel, se estivesse ao seu lado... Talvez, sua vida fosse outra. Melhor.

Se sua imagem não parasse de vir à mente de Lucas, ficaria mais fácil por os pensamentos em ordem. Se seus pequenos olhos castanhos não brilhassem mesmo sem conseguir vê-los. Se a sensação de tocar seus cabelos ruivos ainda não estivesse em suas mãos, ou se em todo dia ensolarado não se perguntasse se ela estava se protegendo, graças a pele extremamente branca. Que a cor verde lhe caía tão bem. Que era a dona da razão, e tinha motivos para isso: não tinha problema, sentimento ou enigma que Giselli não podia resolver. As lágrimas que saíram sem permissão no dia que ela contou uma mentira idiota para se afastar dele. Sabia que ela não tinha um pretendente, e que, ao contrário do que dizia, o amava sim. Lucas tinha que se agarrar nesse pensamento. Não suportaria descobrir que foi tudo uma grande mentira.

Olhou para Charlotte. Seus cabelos loiros cacheados estavam espalhados pelo travesseiro, de forma delicada. Ela dormia tranquilamente, do mesmo jeito que estava a todo instante. Nada parecia a abalar. Alguns achavam que ela era apenas uma lunática, que não tinha ideia do que acontecia no mundo real. Mas ele sabia que não era verdade. Ela tinha uma força imensa, que só aqueles que a olhassem de perto notavam. Seu coração era mais valente que o de muitos guerreiros.

Ela sabia de seu passado. Sabia que não a amava como mulher, e aceitava isso, pois também não tinha entregado seu coração quando se casou. Eram cúmplices, e isso era maior que as desilusões passadas. Lucas confiaria sua vida a ela, e não tinha dúvidas de que ela a ele.

Caminhou até a estante de madeira, e de dentro da gaveta tirou um pedaço de vidro incomum. A imagem de seu primeiro beijo com Giselli. Em noites de insônia como esta, Lucas costumava olhar para ela, e lembrar da saudosa época em que a conheceu. Sorriu com a lembrança. Ela era insuportavelmente teimosa! Não queria se aproximar dele, por saber que era da família real, que ela detestava. Mas um dia, ele a viu se banhando em um rio que só ele conhecia o caminho. Tentou sair enquanto era tempo, mas ficou deslumbrado com a visão dela ali, tão pura, usando apenas roupas de banho. Os cabelos molhados, seu sorriso bobo, que só alguém que se sente sozinho e em paz pode ter. Mas então ela o viu, e ficou furiosa. Tentou lançar um feitiço nele, mas acabou errando, e criando uma poça de lama na qual caiu. Lucas foi tentar ajudá-la, e naquele momento, os dois sabiam o que aconteceria. O famoso beijo de amor verdadeiro, de jovens de dezesseis anos. A partir dali, viveram a primavera mais feliz de suas vidas.

Então, um dia antes do verão começar, ela pediu para que ele a encontrasse na árvore em que se viram pela primeira vez. Era fácil de identificar, pois era a única que dava flores o ano todo. Flores pretas. E então, entre lágrimas, disse adeus.

- Eu te amo. E não importa o que eu tenha que fazer, pra onde a vida me leve, quantas vezes o sol e a lua se ponham. Eu te amo.-disse ele, numa desesperada tentativa de fazê-la mudar de ideia.

Não esperou que ele dissesse algo mais. Levantou-se, pegou a varinha e foi para algum lugar, levando o coração do rapaz.

Quatro anos depois, Lucas ainda se lembra das palavras dela, e da força que precisou para dizê-las. Guardou de novo a imagem, para que a tristeza não o levasse.

Apoiou-se na janela, para que a brisa noturna o desse uma luz. Esperava que, assim como ela, desvendasse mistérios olhando para o céu. Pensando há quantos anos aquelas estrelas brilhavam, e quantos acontecimentos a lua iluminou.

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