Not about angels - Jenlisa

Outubro; 1980

Armários arrombados

A manhã daquela sexta-feira estava ensolarada. Não estava quente, pelo contrário, o vento frio ainda se fazia presente na pequena cidade.

Lisa ergueu uma das mãos, a colocando na direção do sol e permitindo que os raios passassem a pelas brechas de seus dedos, chegando a tocar-lhe a face, num carinho morno e delicado. Ela estava deitada no gramado que ficava atrás da escola, as aulas haviam acabado mais cedo naquele dia por conta dos jogos que aconteceriam em breve, e, portanto, exigiam treinos rigorosos dos atletas e das lideres de torcida. Por sorte, Lisa não era um deles, e poderia aproveitar alguns minutos antes de voltar para casa.

Ela passou a abrir e fechar os dedos, brincando com eles e os raios dançavam na visão dela, uma dança lenta e calma. A apresentação foi interrompida quando alguém projetou um sombra sobre ela, interrompendo o sol e, consequentemente, sua quase diversão.

- Vamos na feira amanhã. — Lisa cerrou os olhos afim de ver quem era, apenas por uma confirmação, pois pela voz ela podia dizer que era Rosé. A feira era um evento escolar anual, tinha como objetivo divertir, atiçar o espirito esportivo dos estudantes e arrecadar fundos para o baile do ultimo ano, este que iria demorar um pouco, mas quanto antes começarem as arrecadações, mais recursos teriam.

- Ok.

Ela não iria. Como sempre não estava com vontade nenhuma de sair, e Rose revirou os olhos, agarrando as mangas do casaco tricotado de Lisa e a puxando para cima, deixando a garota sentada.

- Lisa, quando eu disse "vamos" o sujeito era "nós'" — Ela continuava sem entender o ponto, e a loira se sentou em sua frente, apesar de saber que iria se arrepender, afinal, tinha uma leve alergia de grama e ficaria com um pouco de coceira, mas o que ela não fazia para conseguir conversar com a Manoban? - E o "nós" significa que você também vai.

- O que? Eu não vou. — soltou um riso baixo, irônico.

- Não foi uma pergunta.

Rose abraçou as próprias pernas, as trazendo mais próximo possível do corpo e encarou a amiga. Lisa suspirou, ela conhecia aquele olhar, podia dizer que Park estava preocupada. Somente naquela semana ela havia ligado três vezes durante a madrugada, sempre em busca de companhia e de alguém que a acalmasse.

Mas se Rose estava preocupada, era com motivo. A garota foi a única que viu Lisa mudar. Ela acompanhou de perto, esteve la em cada lagrima, a abraçou toda vez que a menina do gorro precisava, a ajudou a voltar para a escola e até mesmo ia passar as tardes na casa dela, ela cuidou de Lisa, pois os pais desta estavam abalados e incapazes para isso. E quando a garota dizia que preferia ficar em casa do que sair, Rose compreendia, dizia que estava tudo bem, mas na verdade não estava. Ela estava assistindo a melhor amiga se afundar lentamente num mar de emoções que ela não conseguia controlar. E aquilo não era "tudo bem''.

Por outro lado Lisa sabia. Ela tinha noção de que suas amigas achavam que, a qualquer momento, ela faria alguma merda. O que elas não entendiam era que, por mais que não quisesse viver, Lisa não queria morrer. Ela estava no ciclo de respirar e bombear sangue, e certamente não tinha vontade de fazer nada. Estava presa ali, seus pais, suas amigas, estes a acorrentavam ali e não a deixavam querer partir. Se não fossem os laços, seria tudo fácil demais. Seria fácil deixar para trás, tomar decisões. Mas não é bem assim que as coisas funcionam, e ela sabia disso.

- Mas aquelas duas vão estar lá. — Ela pareceu uma criança reclamando. Lisa não sabia se elas iriam estar, mas foi a melhor forma, e a mais rápida, que ela conseguiu pensar em escapar da situação. Para sua sorte, ou azar, elas realmente iram, e isso se confirmou quando Rose suspirou.