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"Como foi viver numa época onde as mulheres não trabalhavam? Onde todos os seus afazeres eram domésticos e para satisfazer a sociedade e o marido. Tal marido arranjado por seu pai ou como pagamento de dívida, quem sabe. Será que depois de algum tempo realmente aparecia o amor? Com a convivência? Será que depois de ter filhos e se sentir ligada eternamente a alguém, o peso da frustração e monotonia não lhes caia sobre os ombros? Será que isso era permitido? Depois de 1827 quando a lei permitiu as mulheres a ter acesso a educação, será que mesmo permitido estudar elas não estudavam? Será que estamos regredindo nisso também?"

Esses questionamentos vem a minha mente após acabar de ler um livro futurista onde mulheres vão ser probidas novamente de estudar e voltarem a ser apenas mãe, e as que não puderem ser mãe, serão forçadas a trabalhar em um local com muita radiação.

Fecho o livro muito puta pela realidade ser tão boa e nunca ser boa o suficiente. Olho para o lago que fica a alguns metros e respiro fundo. A lua esta clara e a noite fria. Levanto da cadeira de balanço e abro a porta entrando da varanda para a cozinha da casa da minha mãe que está assistindo TV.

Dobro o lençol que estava em minhas pernas e o coloco no sofá enquanto sento no encosto do mesmo apenas o suficiente para beijar na testa da minha mãe que se vira e me cheira.

- Estou indo, amanhã será um longo dia de trabalho. - digo e vou pegando minhas coisas relativamente bagunçadas em cima do móvel da TV.

- Porquê não dorme ai e vai amanhã cedo, já está tarde minha filha. - minha mãe diz com a preocupação de sempre.

- Já falamos sobre isso. - Lhe dou um sorriso, pego a chave do carro e saio.

Dirijo por volta de duas horas numa estrada ótima e com poucos carros por ser um pouco afastada dos predios e movimentos urbanos.

Já estou na cidade grande, passando pelas ruas pouco movimentadas e o silêncio barulhento da madrugada, tem um semáforo aberto e acelero ao ver que não tem movimento na avenida oposta, assim que meu carro atravessa a rua escuto uma buzina alta e antes que eu possa me virar para ver, sinto o impacto forte e tudo escurece.

Escuto barulho de vozes e sinto uma dor muito forte na cabeça. Levo minha mãos involuntariamente para segurá-la e tentar de alguma forma amenizar ela.

Sinto alguém segurar uma das minhas mãos e apertá-la gentilmente. E de alguma forma isso me conforta.

Tento abrir os olhos e lembrar o que aconteceu. Abro aos poucos pois as luzes estão muito fortes e isso não ajuda muito. Desisto e fecho os olhos, apenas escuto uma mulher conversando com outras pessoas e explicando que não sabe como isso aconteceu, que eu estava em cima do telhado gritando que ia me jogar e quando finalmente desisti dessa loucura, deslizei e cai.

Eu ia me jogar de cima do telhado? Porque eu faria isso? Deve ser sobre a pessoa que está no leito ao lado.

Obro os olhos devagar e observo a cama ao meu lado, é de madeira, tem um lençol branco, percebo que não há cortinas nos separando, tem muitas outras camas iguais e o local também parece ser bem antigo, em que hospital estou?

Tento levantar rapidamente e assim que o faço fico tonta e sento de volta. O mundo está girando e minha cabeça lateja. Olho para quem segura minha mão desde que acordei e é um homem alto e com lindos cabelos cacheados e loiros, olhos castanhos um tanto frios o que não condiz com sua mão forte segurando a minha com tanta preocupação. Mas porque ele está aqui comigo?

Tento lembrar do que aconteceu e enquanto forço minha mente em meio a tantas vozes e pessoas conversando alto, lembro do acidente. Eu sofri um acidente, meu Deus, quanto tempo se passou? Onde está minha mãe? MINHA MÃE! Ela deve estar super preocupada.

Olho para o homem e pergunto apertando sua mão.

- Onde está minha mãe?

Ele franze o cenho, parece um pouco confuso.

- Eu não conheço sua mãe. - Ele responde e percebo que ele não me conhece assim como eu não o conheço.

- Porque está segurando minha mão? - pergunto olhando para elas, que ele solta imediatamente.

- Foi um reflexo, costumamos querer tranquilizar pessoas em choque. - ele diz e levanta. Entoa percebo que ele está todo de branco e logo deve ser um médico.

- Médicos fazem isso? Desde quando? O que aconteceu comigo?

- Você não lembra de nada?

Tento forçar minha mente mais um vez e a última coisa que lembro é do acidente.

- Eu lembro que sofri um acidente de carro, estava voltando da casa da minha mãe a noite e quando fui ultrapassar o sinal antes que fechasse, ouvi uma buzina e tudo escureceu. - o médico para e me olha sério.

- Você sabe que a senhorita dirigir é crime, não sabe? - Ele fala com tanta convicção que eu quase acredito.

Dou uma gargalhada e ele arregala os olhos, assim como a mulher que passava ao lado e a paciente mais velha do meu outro lado. Eles parecem assustados com a altura que eu ri. O que está acontecendo?

Começo a ficar assustada com a situação e observo ao redor para ver algo que me mostre que estou dormindo, que estou sonhando.

Saio andando e o médico me manda parar e voltar pois acha que a pancada deve ter me feito ter causado alguma alteração.

Corro e chego do lado de fora. Começo a entrar em pânico. Meu coração acelera, e minha boca que já estava seca, piora. O que aconteceu com o mundo? Eu só posso estar sonhando.

O médico me alcança e eu o olho assustada, meus olhos se enchem de água e ele fica parado como se não soubesse o que fazer.

- Porque os carros são assim? Como se eu tivesse voltado no tempo? Porque as ruas não são asfaltadas? Porque as casas parecem obras que nos consideramos patrimônio público? Porque estou nesse lugar? - começo a chorar tentando acordar a todo custo.

- O mundo está igual, tudo está mudando, mas as coisas estão normais... - ele fala cauteloso. E continua - como você queria que as coisas fossem?

- Normais. Parece que eu entrei num livro de história. Dos anos 40.

- Anos 40? Temo que a senhorita esteja se referindo a 1840... Estou certo?

- Não, é claro que não! Em que século você vive?

- No século 20, no ano de 1920 para ser mais exato. - o médico fala normalmente.

Eu sinto que dou um leve sorriso e então tudo escurece novamente.

Como Vim Parar Aqui?Onde histórias criam vida. Descubra agora