A clínica

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Capítulo 1
Triiin! triiin!
Ouvi o sinal para levantar, sai da cama, me troquei, esperava prontamente na porta, quando ela se abriu, me juntei aos outros no corredor. Caminhei em silêncio, não gostava de conversar com ninguém, cheguei á mesa, me servi e fui para o canto.
Olhava para àquela comida e me sentia enjoado, não que a comida fosse ruim, mas tudo que eu pensava me fazia perder o apetite, por isso só conseguia olhar.
Outras pessoas se sentaram próximas a mim, porém ninguém se aproximou o bastante. O tempo passou e quando acabou o horário do café fui para o jardim, andava sem rumo, o meu pensamento vagava sem direção e eu não conseguia captar nenhuma frase que se formava. Me sentia como uma casca, só possuia a carcaça, minha alma era vazia, eu não tinha nada. Nunca tive.
Encostei na parede, sentei e fiquei por ali, não queria ver outras pessoas, queria apenas um lugar escuro onde eu pudesse ficar e ninguém pudesse me ver.
- Willian? - alguém me chamou. Virei o suficiente para saber quem era, Marciliano, um dos coordenadores da clínica.
- Você está atrasado para a consulta com Daniele, ela mandou lhe procurar. Vá, ela esta á sua espera.
Levantei e fui andando na frente, não esperei por ele, cheguei em frente á porta, hesitei e bati, alguns segundos depois uma voz firme mandou abrir e me sentar.
Quando entrei, encontrei uma mulher mais velha sentada à minha frente.
Daniele era a psiquiatra da Clínica de Reabilitação Mental de Belo Horizonte, lugar onde eu estava estabelecido há mais de um ano. A cada quinze dias eu tinha que vir vê-la, não gostava de contar a minha vida para ninguém, e nossa consulta se resumia à apenas assuntos corriqueiros como meu dia-a-dia, e a convivência com os outros internos, exceto quando ela tentava uma aproximação sobre meu passado.
Daniele tinha aproximadamente 50 anos, tinha cabelos louro-avermelhados, era baixa, magra e apresentava pequenas rugas perto dos olhos. Apesar de tudo ninguém lhe daria mais que 40 anos, ela não chegava a ser simpática de mais, mas também não era grossa. Ela era bastante profissional e não aparentava deixar-se abalar por nada que ouvia, uma reação que ninguém espera de alguém que ouve passados torbulentos e vidas devastadas de criminosos que atentam à própria vida.

Me sentei, e a acenei a cabeça seguido por um Bom dia. Daniele procurou nos arquivos a minha ficha e foi direto ao ponto:
- Como você está? Vejo que em nossa última consulta, começamos a adentrar no seu último ano, porém você não quis falar sobre isso. Certo? - disse olhando algumas linhas escritas em um papel a sua frente.
Apenas meneei a cabeça afirmando. Olhava para as minhas mãos e mentalmente contava até cem, estava me sentindo desconfortável.

-Willian, sei que é dificil para você falar sobre sua vida, mas é algo que é necessário. Acredito que você não queira continuar por aqui, e muito menos que queira continuar a sofrer. Você precisa se comunicar mais, para que eu possa te ajudar.

- O que você quer que eu diga? Que eu te conte todas as vezes que eu acordei de um sonho feliz e na hora que senti fome, tive que comer lixo, ou restos no esgoto se quisesse sobreviver? Ou te conte que enquanto você estava se deleitando em uma casa confortável, em uma família, em uma felicidade inconsequente eu dormia na rua ?! - Acabei perdendo o controle e me levantei, eu agora gritava com aquela mulher a minha frente, que a única coisa que denunciava o seu espanto, era as mãos que se prendiam a mesa.

- Me diz ? O que você quer!

- Willian acalme-se por favor! Você tem uma visão muito curta da realidade. A sua vida não é a única que nao é fácil, as pessoas que estão aqui e outras que você não conhece também tem uma vida difícil. O viver, a experiência de cada indivíduo muda, é diferente, por isso você não pode rotular a sua como pior, pois não conhece todas as outras.Você não pode carregar o peso do mundo e nem os erros dos outros nas suas costas! Pare de ter autopiedade de si mesmo, de se martirizar! Precisa dar um passo para a libertação.

Eu estava atônito ali, meu corpo tremia... como aquela mulher que nunca soube o significado de necessidade, de prostituição, miséria e dor ousa á dizer que o meu sofrimento tem que entrar em um campeonato de vidas e pessoas fracassadas! Cansei de escutar essa mulher. Me endireitei olhei firme para ela.
- Você Dra. Daniele, não tem o DIREITO de falar isso. Já que quer me provar que entende o que dor, te convido á tirar um dia da sua HUMILDE vida, e ir até a Pedreira. Você não me conhece, e não pode me julgar. Você nunca saberá o que é ter a minha vida. Você diz que eu preciso me libertar, e quanto á você e o resto do mundo se aprisionam em suas vidas mediucres?! Para falar de algo você tem que conhecer.

Cuspi essas palavras da forma mais calma que consegui. Não esperei para ouvir mais nada. Simplismente sai, deixando toda aquela conversa para trás, ninguém tem o direito de dizer qual dor é a maior, e me mandar esquecer toda a minha vida. Se eu esquecer eu estou me esquecendo, esquecendo quem eu sou. Se eu me esquecer da vida, não há por que deixar meu corpo por ai, tentando ser algo que eu não sou, prefiro não ter vida, não ter corpo e nem alma.

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Olá gente aqui está o primeiro capítulo. Peço que continuem a me dar essa chance, e acreditar nessa história. Se possível comentem ou deem estrelas, façam críticas construtivas. Obrigado mais uma vez. Boa noite.

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