A realidade de um pesadelo

22 2 0
                                    

Capítulo 2
Sai do consultório buscando me acalmar, sigo para o quarto. Eu não sei por que ainda me surpreendo quando ouço coisas do tipo que acabei de escutar. Eu não sou arrogante ao ponto de achar que ninguém é capaz de me entender, só não concordo quando as pessoas dizem saber como é ou que, eu tenho que ficar 'feliz' por existirem situações piores que a minha. Eu não gosto de estar aqui nessa clínica, todos que aqui trabalham acabam por nos rotular como loucos, sem solução, indivíduos que vivem á mercê de sua própria sorte que, no caso é por eles considerado o pior tipo de Sorte. Nos olham com pena, e chamam Deus como que para pedir misericórdia, que nos dê assistência, se não nessa vida em outra qualquer ... em alguns olhares é possível enxergar um certo tipo de felicidade por não ser ele a passar pelo que passamos. Não quero a pena de ninguém, o que eu fiz para estar aqui hoje, não foi porque eu queria chamar à atenção de ninguém, o destino me fez de vítima e o sistema não me deu recursos e nem chance para mudar... o que fazer quando a vida te da ás costas? Continuar tentando encontrar motivos para não desistir? Continuar sofrendo, lutando contra a correnteza, acreditando que um Deus ou uma força maior irá te salvar?
Eu acreditei e fiz fielmente cada uma dessas coisas mas, chega um dia que você percebe que tudo é em vão. Se pergunta por quê continuar dia após dia querendo mudar o imutável...
O meu dia chegou quando eu tinha 20 anos, era meu segundo dia em claro, não me alimentava á um dia. Ali estava eu jogado em uma saleta num barracão abandonado, meus únicos perteces eram um espelho, uma faquinha, e uns farrapos no corpo.... eu tinha conquistado a minha liberdade, não existia mais aquele que me torturou, não existia mais nada que me prendesse nesse mundo! Eu tinha lutado ou tentado lutar contra cada obstáculo, mas simplesmente cheguei á conclusão de que não importaria se eu mudasse, se me tornasse alguém com o minímo de dignidade. Porque para todos eu poderia ser diferente mas, para mim eu sempre seria sujo, a éscoria dos outros, eu nunca seria capaz de abandonar o que eu sou, esse ser imundo.... Pode-se mentir para qualquer um, menos para si próprio e isso eu jamais faria. Eu fui o meu próprio lobo.
Naquele dia eu senti meu corpo convulcionar, e senti pouco a pouco a inconsciência me tomar por completo, e eu agradecia por finalmente ter um fim.
Acordei, acho, uns dois dias depois em um hospital, estava confuso, olhava para meu corpo e o via inerte, com algumas manchas de sangue, meus pulsos e outros ferimentos mais graves estavam enfaixados e tinha uma mangueirinha intra-venosa no meu braço direito.
Alguém entrou no pequeno e improvisado quarto, era um homem, checou os hematomas perguntou como me sentia e disse que uma assistente social e uma psicologa passariam mais tarde para conversar comigo.
A única coisa que eu fiz foi perguntar como havia chegado até ali, ele me disse que cheguei em uma ambulância, mas que não foi informado como me acharam, deu um meio sorriso triste antes de sair, me olhou profundamente e disse :
-"Garoto você chegou desacordado aqui e poderia estar morto se tivesse chegado 10 minutos mais tarde. Você perdeu muito sangue, e seus ferimentos são profundos mas, já demos os pontos. A sua inconsciência foi devido aos medicamentos fortíssimos que tomou. Agradeça á Deus por ter colocado alguém para te achar, pois se não o tivesse feito, bom..." abaixou a cabeça e saiu.
Mal ele sabia que, tudo o que eu não queria era ser salvo. Mais tarde duas mulheres vieram conversar comigo, se identificaram como Lúcia e Renê, me disseram que eram contratadas pela prefeitura e que estavam ali, no intuito de me fornecer ajuda. A Dra. Renê, a psicologa me fez perguntas mais objetivas como : o que eu sentia estando ali, o que me levou até o hospital, se tinha sido intencional, o que eu desejava para o futuro, o que eu pensava sobre o meu passado, como eu descreveria tudo o que eu vivi e, tudo o que eu quis viver.
A assistente social, Lúcia me questionou sobre a minha família, se eu tinha casa, emprego, onde eu morava etc.
Depois de algum tempo agradeceram pela minha colaboração e me informaram que voltariam para me comunicar o que poderia ser feito.No dia seguinte voltaram e me informaram que a prefeitura local disponibilizou uma vaga em uma clínica de recuperação (psiquiatrica) com todo acompanhamento nescessário, disseram-me sobre o meu estado clínico, eu não possuia uma anormalidade psiquica que fosse irreversível, segundo a Dra, eu estava em uma crise depressiva mas, que com o devido tratamento (terapia e medicamentos), e força de vontade eu conseguiria vencê-la.

Eu recusei de inicío, e as duas mulheres se colocaram a me provar que era a melhor opção já que, eu não tinha casa, parentes, ou alguém que pudesse me abrigar, que eu poderia ter uma vida melhor se eu me desse essa  oportunidade. Algum tempo depois aceitei, e comecei a pensar que poderia funcionar, me disseram que o tempo previsto era de um ano e meio.
Dois dias depois eu estava aqui na clínica, que fica na região metropolitana de Belo Horizonte. Mas desde que cheguei aqui, não consegui melhorar, tenho graves crises de depressão, chego ao fundo do poço, choro, grito, não me alimento, também não tenho um convívio normal com ninguém, nunca contei nada sobre a minha vida. As vezes apenas para me lembrar quem eu sou, me auto-flagelo e chego á ficar com hematomas, tiro sangue de mim mesmo, apenas para sentir o que me foi destinado. Quando alguém da coordenação nota eu digo que me machuquei fazendo algum tipo de trabalho ou bati em algum móvel.

A conversa com a Dra. Daniele martela na minha cabeça, chego ao quarto sigo para o banheiro me olho no espelho e me vejo moleque chorando pelos cantos, com fome e sujo, sinto um ódio misturado com medo e tristeza. Olho para a direita no pequeno armário e vejo uma escova de cabelos. Eu não penso, eu sinto... sinto um enorme vazio, pego a escova e á atiro no espelho a minha frente, cacos de vidro voaram com o atrito. Começo a chorar, me sento no chão e balanço para frente e para trás. Baixinho murmúro uma música infantil
* Brilha, brilha estrelinha.... - repito ela várias e várias vezes.
Não sei quanto tempo fiquei assim, mas ouvi um barulho, peguei um caco de vidro que estava na minha frente, levantei devagar, escutei passos, esperei, até que alguém virou no banheiro, eu me atirei em cima de quem quer que fosse, meu corpo e mente trabalhavam sozinhos eu só via imagens cortadas.... - eu deitado no chão enquanto ele me surrava. Eu procurando comida pelos cantos da rua com dores de tanto apanhar ...
Eu fui com tudo para cima da pessoa e a cortei no rosto e braços, eu esbravejava gritando, quando senti uma força contra mim que me lançou com toda intensidade para o chão, bati a cabeça no vaso sanitário e senti o sangue ao meu redor...
Vi um borrão no rosto da pessoa que, não sabia o que fazer, chorava, gritava, tentava conter o sangue de si próprio enquanto caia ao chão em desespero. Nesse momento parei de perceber qualquer coisa, uma dor me puxava pra longe.

******************
Oi gente este é o segundo capítulo, e terceira parte do livro. Agradeço a quem está lendo...
Eu particularmente gostei muito desse capítulo. Logo logo o Willian terá um choque em sua vida e quem sabe a oportunidade de se abrir e se perdoar ....
Esta semana tem o próximo. Beijos :)

sorrisosOnde histórias criam vida. Descubra agora