Capítulo 3

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Amala ficou paralisada diante da cena, o coração apertado. Uma onda de tristeza invadiu seu ser enquanto ela testemunhava a desolação estampada no rosto de sua mãe. Aquilo era algo que ela jamais iria esquecer. Com passos hesitantes, Amala se aproximou da cama onde Lupita se encontrava, segurando a caixa vermelha com aperto. Sua voz saiu num sussurro trêmulo e vacilante.

– Mãe, por favor. Eu preciso saber o que de fato aconteceu com o meu pai. – Ela iniciou, sua voz oscilando. A visão de sua mãe chorando desesperadamente, olhando para os céus em busca de forças, abalou Amala por completo.

Lupita, ainda em murmúrios dolorosos, encarou a filha com pesar. As lágrimas continuavam a escorrer por seu rosto, mas ela respirou fundo, reunindo coragem para enfrentar a conversa há tanto adiada.

– Amala, minha querida, está na hora de você conhecer a verdade sobre seu pai – disse Lupita com a voz embargada. – Quando éramos jovens, meses antes de você nascer, seu pai tinha um melhor amigo. Matthew Welsh, eles estudavam na mesma universidade, a University of Colorado, aqui em Denver. Na época, seu pai ainda estava finalizando as partes legais para concluir o bar, e então Matthew o matou. E eu o encontrei... – Ela permitiu que as lágrimas voltassem a correr por seu rosto. – Matthew sorria como um louco e seu pai estava... Ele estava... – Retornou a debulhar-se em lágrimas grossas e agonizantes.

Um soluço ficou preso na garganta de Amala. Seus olhos fixaram-se nos de sua mãe, procurando por algum indício de mentira, mas tudo o que encontrou foi uma sinceridade devastadora. A cena perturbadora, em que sua mãe expunha toda a dor guardada por anos dentro de si, não a deixaria em silêncio por um bom tempo.

– E eu achei que... Eu achei. Oh Deus – Ela tentou recuperar o ar. – Eu achei que se você nunca soubesse da dura realidade, não sofreria tanto.

– Oh mãe, me perdoe. Eu não fazia ideia. Eu... – Perdeu-se em meio às palavras.

Era exatamente a sensação terrível que Amala tentava esquivar desde os seus 13 anos, quando fez uma pergunta semelhante. Todos os anos anteriores, sua mãe havia ocultado a torturante verdade, e agora Amala havia removido sua mãe da inércia apenas para inseri-la em um cenário de dor. Sentia-se como se seu coração fosse feito de mentol, onde cada respiração curta e ansiosa lhe causava uma queimadura interna e permanente.

Amala sentiu a culpa descendo-lhe a garganta como ácido, corroendo seu estômago e causando náuseas. Havia muito tempo desde a última vez em que ela e sua mãe tinham uma conversa franca, que fugisse da rotina. Mas agora que finalmente haviam se aberto, não era como ela esperava.

Sua respiração tornou-se pesada, carregada de angústia, como se estivesse engolindo não apenas uma pílula de emoções ruins, mas também a raiva tóxica que implodia em seu peito pelo que Matthew Welsh havia feito. Era como um coquetel molotov prestes a explodir, a pressão de sua ira em sua mente frágil prestes a desencadear uma explosão, assim como a gasolina reage ao fogo.

Matthew havia traído seu pai. E se havia algo que Amala nutria em seu íntimo era o asco e a repulsa pela traição.

Com as unhas fincadas em suas próprias coxas, Amala observou sua mãe se levantar e sair do quarto. Era uma forma de conter o desejo súbito de largar aquela caixa, contendo tudo o que restava de seu pai, e permitir que o calor do momento a corrompesse, assim como um composto químico inflamável sucumbe a uma chama proposital. Akello sentia o impulso de procurar Matthew, perguntar quem ele pensava que era para destruir assim sua família e tudo que tinha a troco de um estabelecimento. Ela ansiava pelo momento em que poderia confrontar o homem que havia destruído sua família, o traidor que havia roubado a vida de seu pai; Amala não descansaria até que Matthew enfrentasse as consequências de suas ações, e ela estava disposta a enfrentar qualquer obstáculo para alcançar esse objetivo.

Levantou-se, ainda abalada, com a caixa em mãos. Era agora a única lembrança que poderia ter de seu pai, Brian. Nada demais poderia se perder na avenida de sombras.

Amala subiu para seu quarto e depositou a caixa em cima da mesinha de centro. Balançou as mãos pelos cabelos e as lágrimas caiam pelo rosto de pele similar a marfim. Akello sentia seu coração bater tão forte dentro do seu peito, parecidos com golpes raivosos de facadas; como as que Matthew havia dado em seu pai.

Deixou os chinelos próximo a sua cama no tapete branco, caminhou então pelo chão de madeira escura até o banheiro de seu quarto. Era rotina manter sua cama perfeitamente arrumada, utilizava lençóis negros e edredons grossos recheados na cor laranja para trazer cor ao quarto a qual priorizava cores escuras. E em frente a sua cama, observava a estátua segui-la com a cabeça de gesso. Fazendo um baixo som de giz arrastando em um quadro negro preencher o ambiente silencioso.

Akello tratava o sobrenatural da melhor forma. Estava acostumada com pessoas, sombras e seres que nunca tiveram uma forma humana. Desde que aceitou seu dom e talento para lidar com suas questões espirituais, a presença de espíritos e seres foi trabalhada. Afinal, ela tinha a proteção de Lúcifer; Eósforo, Estrela do Amanhecer. Filho de Eos... Chame como quiser, o Deus da manhã.

Para Amala ele era um pai, um protetor e o Deus a qual ela pedia sabedoria com devoção. Na sua concepção e pela convivência a qual tinha com Lúcifer, Akello via-o como um Deus de luz própria. Não fazendo parte do Olimpo, mas também não fazendo parte da mitologia cristã. E ela o seguiria enquanto estivesse viva.

No princípio Amala teve de se acostumar com pessoas respirando contra seu rosto enquanto dormia, vozes chamando seu nome no corredor escuro e a sensação de ser observada a cada momento em que estava de costas.

E na maioria das vezes, ela estava.

No final, ela se adequou da melhor forma. Teve auxílio para proteger sua casa e a si mesma do que poderia vir a lhe assolar através da Estrela da manhã. Vez ou outra via algo de estranho a encarando do lado de fora da janela de seu quarto, no jardim da casa no primeiro solo.

Nada que ela não pudesse lidar.

Deu de ombros. Estava nauseada, como se fosse explodir a qualquer momento em uma pilha de vômito. Parecia que havia recebido múltiplos socos no estômago; sua mãe sentia uma dor tão grande por anos e ela sequer fazia ideia.

E agora que fazia, ela desejava que sua mãe tivesse um alívio da dor que carregava.

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Mais um capítulo :) espero que estejam gostando.

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⏰ Última atualização: Jul 01, 2023 ⏰

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