Desde os seus 13 anos – período a qual Amala havia decidido não mais perguntar sobre seu pai para sua mãe, havia desenvolvido uma grande ansiedade diante da reação da mulher mais velha, percebera que Lupita havia entrado em um estado de depressão profunda. Passava seus dias do trabalho para o seu quarto e em algum – quase nenhum, momento mantinha uma conversa genuína a qual Amala se sentisse falando com um ser vivo, não um objeto inanimado.Lupita era uma juíza distrital de sucesso em Denver, a qual recebia 175 mil dólares anuais. E ainda sim o dinheiro não lhe traria de volta o ânimo que outrora era emoldurado em um sorriso quando Amala a abraçava enquanto criança.
Elas viviam sozinhas naquela residência desde as primeiras memórias de Amala, vez ou outra recebiam visita das irmãs de sua mãe e suas primas. Porém, ninguém nunca ficava para o jantar na enorme e solitária casa de Lupita Nkosi, nem mesmo os vizinhos que outrora a cumprimentavam durante suas caminhadas até seu trabalho, no Nkosi's Bar.
A catarse nunca havia chegado para sua mãe e a jovem não conseguia elaborar uma pergunta em meio a isso tudo; sobre o que havia acontecido nesse meio período. Tudo que lhe restava na memória eram momentos de frieza em que Lupita havia se tornado aquela casca vazia e antiga de algo que um dia fora uma bela borboleta.
Amala sentia uma avalanche de emoções; em partes sentia-se traída e completamente enganada pela única pessoa a qual confiava sua vida, fazendo contraste vinha a sensação de solidariedade com a mulher que havia mentido para si por anos e o ódio de ter perdido alguém que parecia ser incrível, seu pai.
Era como tocar um quadro cinzento com os sentidos sensoriais reduzidos a zero; não fazia sentido para si lutar conta a clássica frase que repetia em sua cabeça: "Você não pode mudar o que aconteceu e já passou."
Então, com o coração pesado e finas lágrimas no canto dos olhos, desceu e guardou a caixa em seu quarto, para que trouxesse a tona aquela descoberta em uma conversa futura com sua mãe.
Afinal, teria de se livrar das caixas em seu sótão.
Dois dias depois, Amala estava seu quarto a refletir, andou de um lado para o outro em angústia, antes de sentar-se próxima a seu altar; acendendo um incenso de mirra com o seu isqueiro favorito.
Em seu altar, havia uma estátua em gesso de um belo híbrido entre um ser humano e uma criatura alada. Nu, coberto por um fino véu esculpido em gesso, era possível observar detalhes da pele da escultura e sua expressão amena e calma. Adiante um caldeirão de ferro contendo folhas de louro e alho representando o útero fértil da mãe terra acolhida por Lúcifer enquanto as cartas de seu oráculo consagrado representavam seu meio de comunicação direto com o divino. A direita leste um cálice prata com o sigilo da estrela da manha, abaixo um castiçal com uma vela de ervas feita a mão por Amala, enquanto no esquerda oeste descansava uma pena de corvo e logo abaixo um crânio de píton para representar a energia a qual viemos e retornamos; água, fogo, ar e terra: o princípio etérico.
Finalizava seu altar com um atame, personalizado com o nome "Amala" apenas para devolver a energia masculina e o falo que complementava a criação do mundo.
Era simples, mas era sincero.
– Eu não sei o que fazer. – Iniciou sua conversa com Lúcifer enquanto vinha a embaralhar as cartas de tarot.– É algo que está me corroendo por dentro. Ver ela chegar do trabalho, jantar e ir para o quarto. Eu sei agora que ela escondeu isso de mim minha vida inteira. Eu mereço ouvir da boca dela a verdade. É mais que justo! – Argumentou posicionando as cartas em uma fileira.
O cheiro doce e aromático do incenso predominava o ar agora e a acalmava. Mas o ódio que crescia gradualmente estava a perfurar seus pulmões.
Respirou fundo, teria de deixar a raiva para outro momento.
Hierofante, 3 de espadas e A Sacerdotisa; passado, presente e futuro.
Amala respirou fundo, contemplando os elementos de cada carta antes de chegar a uma conclusão: suas próprias limitações eram obstáculos que alimentavam a mágoa e a dor que a consumiam nesse momento. Era exposto pelo Hierofante no passado e o 3 de espadas no presente.
– Eu acreditei em minha mãe. Eu me privei de buscar conhecimento sobre meu pai apenas por acreditar nela. Eu sei que não deveria estar com raiva, e sei que foi ingenuidade de minha parte. – Disse agora observando A Sacerdotisa.
Tal carta vinha lhe falando que sua busca pelo conhecimento finito era o que a mantinha o mais longe do infinito; Amala sabia que se quisesse descobrir mais do mundo a qual fazia parte deveria olhar para dentro si e expandir suas buscas.
– Eu percebo. – Finalizou sua leitura com uma expressão neutra, fechando seu baralho. – Eu acho que devo ouvir agora dela.
Concluiu suas preces, determinada a compreender as motivações de sua mãe e finalmente descobrir mais sobre seu pai.
Amala desceu as escadas de mármore com a caixa vermelha em mãos, racionalizando seus pensamentos. Não queria iniciar uma briga, mas era seu direito saber; estava pronta para ouvir o que quer que fosse.
Ajeitou a mecha teimosa de seu cabelo cacheado atrás da orelha e transitou entre os corredores brancos com novos quadros emoldurados nas paredes, em direção ao quarto de Lupita.
Encarou a porta branca e bateu três vezes antes de ouvir um: "Entre, querida."
Então os olhos de sua mãe se fixaram em direção a caixa vermelha não mais empoeirada, vívida como sangue escarlate.
– Esse é meu pai, não é? – Mordeu o interior das bochechas a encarando.
Foi nesse momento que sua mãe, sentada à beira da cama, desabou em lágrimas. Com uma mão cobrindo os olhos, ela murmurava 'Não, não, não', como se fosse um pecado demoníaco escorrendo por entre seus dedos. Lupita soluçava, apertando os lençóis em angústia.
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I Ran
RomansaEm seus 26 anos, Amala Akello recebeu um presente da estrela da manhã. Por sua lealdade enquanto devota. Em troca de sua busca por conhecimento, o dom de regressar ao passado e avançar o futuro foi despertado de sua glândula pineal não mais calcific...