Esta cena se passa poucas horas antes do encontro da Alice com Ramon em seu quarto
Alice narrando...
A Jô me chama, precisa me entregar algo , eu vejo em sua mão, quase amassando um papel.
Mas antes, ela me esquadrinha por completo._O que foi , Jô? - Pergunto preocupada, cheia dos efeitos de tudo que havia em minha mente, na minha vida...Eu estava tão fodida...E ninguém podia me ajudar.
_Foi uma surpresa pra mim, ver o estado em que você chegou aqui... - Ela balança a cabeça, ajeita o óculos, um toque que ela tem há muito tempo, ou... Enfim, era ela. Eu sabia que não vinha algo bom.
_Isso aqui, Alice, é uma carta do seu pai! Do André, China! Uma carta pra você! - Tempo , ela me olha - Eu li antes; ela abaixa a cabeça, envergonhada..._ Mas é algo que sua...
_Que minha mãe pediu! - Completo
_Que sua mãe pediu - Ela me encara, confirmando.
Eu espero um tempo de segundos, tentando ler o que seus olhos com a barreira de vidro, transparecem.
_ Porquê vocês insistem em me tratar como uma criança? Como uma ...- Olho pro lado e vejo a decoração da casa grande, imaculada, cuidada por ela, nossa funcionária há anos - Uma peça de vidro que pode se quebrar a qualquer momento?
_ Engano seu, minha querida...
_Não é engano, vocês me tratam como...
_Como um cristal! Você é um cristal, Alice...Desde pequena...Assim que te víamos...Nada mudou! - Ela se aproxima - Ninguém quer que você se machuque...
Mas eu tenho tantas coisas por dentro, que vocês não fazem idéia...Não podem me proteger de tudo...
Pensei, mas não disse.
Ela me entrega o envelope
_Seu pai quer falar com você...Aqui está...Leia!
Inconscientemente, absorvida por todas as coisas que vivi nos últimos momentos...Uma médica me pedindo histórico familiar...Uma doença, uma gravidez... Quem era meu pai? E minha mãe?
_Ele não é meu pai de verdade...Você sabe..._ Digo, olhando pro envelope em minhas mãos, e então volto a olhá-la - Você sabe muita coisa, não é?
_Eu só sei que você JAMAIS deveria repetir isso! Jamais, Alice! A ingratidão é muito dolorosa!
Abaixo a cabeça, concordo com ela.
_Não saber de onde veio também dói...Ter uma expectativa enorme sobre você, dói! - mostro o envelope aberto por ela - Não ter um pingo de liberdade ou, privacidade, dói!
Ela se aproxima e segura a mão onde está o envelope
_Não seja ingrata! Mimada! De onde você veio, pouco importa! O que você tem, o que você tem Alice, desde o inicio, é muito mais do que teria se não fossem eles!
Me assusto com o tom de voz da Jô, e lembro mais uma vez da médica pedindo o histórico dos meus familiares. Eu não tenho acesso a nada! E se precisasse?
Não tinha a ver com gratidão, mas... Eles me colocaram em um castelo, onde eles só veem o brilho, mas eu me sinto numa masmorra!Eu nem mesmo tenho coragem de dizer ao pai do meu filho, que ele formará uma família...Porquê ele também está inserido nisso, nesse poder mentiroso, onde apenas pouquíssimas pessoas manobram o jogo todo.
_Você não sabe nada do que eu sou! Talvez você saiba o que eu fui, enquanto não tomei consciência de que ... Olhei pra baixo , sem forças - Eu sou uma pessoa, Jô! - olho pra ela - E nem posso ser a primeira pessoa a ler uma carta com meu nome nela!
Ela solta minha mão
_Pense o que quiser, Alice! muitas meninas gostariam de ter o amparo, o cuidado, o amor, o privilégio que você tem! Você tem tratamento de princesa ! Você É a princesa deles...Não entende? - Ela endireita os óculos mais uma vez , indignada - Vou preparar o jantar.
E sai.
Ela não entende...Nem sei porquê tentei fazê-la entender.
Talvez, só precisasse encontrar uma forma de desabafar com alguém que pudesse ver as coisas pelo meu lado.
Mas era inútil!Não havia ninguém.
Eu nunca estive tão sozinha na vida.
_A propósito, sua mãe está esperando o embarque para retorno. Tentou contato com você, dei uma desculpa qualquer...- Elas esfrega a mão num pano de prato
_Minha mãe de volta...Ainda tem mais essa...
Abro a carta.
Muitas palavras carinhosas, detalhes de coisas que têm feito lá dentro, uma espécie de terapia pra ele, eu sei. Fala das fotos que recebeu da Sol, da saudades que sente da minha visita e da minha mãe. Que o aperto é tão grande que as vezes pensa que pode morrer, que seu coração não é mais forte como antes.
Uma lágrima escorre quente, ao ler nas letras a tristeza dele.
Eu me sinto presa, sem liberdade, sem privacidade...Imagina ele! Há tantos anos numa jaula, longe da família, de uma cama confortável, de um dia inteiro no sol, um banho de piscina...
Viajo um pouco nesse sentimento que salta do papel, e me invade, se encontra com nossas formas distintas de prisão.
No trecho final, algo me surpreende.
"...Estou mais próximo de você do que possa imaginar!
Um abraço , que hoje será apenas na memória, mas em muito breve, será real!
4 são as estações do ano.
Um dia, a árvore está seca; no outro, começa a florir.
Tudo pode mudar, e vai!
Seu pai, que tem por você o amor mais puro e forte desse mundo e além!A.Yssuz"