Patas machucadas

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Foi na primeira semana do verão.

Fazia algumas horas que meu irmão em um rompante fugiu de casa, novamente evitando nossos pais mas dessa vez eu sabia, ele não iria apenas dar uma volta, provavelmente fugiria para a casa do melhor amigo ou do namorado, como sempre. Eu o compreendia, infelizmente os Rosier estavam ocupados viajando com seus pais, então não tinha chances de visitar alguém e tentar ficar longe por algumas horas de mamãe e papai, mas Sirius me abandonar na casa era oque sempre machucava meus sentimentos, afinal ele anos atrás prometeu nunca o fazer e agora mal durava três dias sem me largar sozinho aos gritos e problemas familiares.

Não tinha como aguentar por muito mais além de algumas horas, os gritos de Walburga com Orion sobre "o filho mais velho irresponsável que haviam tido o desprazer de criar" sendo cada vez mais recheados de xingamentos  e ameaças, que em algum ponto fizeram Monstro me sugerir uma saída por algumas horas de casa, oque aceitei de bom grado e vesti um casaco rapidamente, levando comigo uma mochila com livros e comida, ficaria no parque enquanto os ânimos dos mais velhos se acalmavam.

As ruas pareciam quase fantasmas, estava anoitecendo e o frio começava a dar suas caras, pouco a pouco me fazendo encolher mais para fugir dos ventos fracos porem gelados que o a noite trazia.

Minutos se passaram até chegar no parque, adentrando a pequena floresta era possível chegar numa área escondida, era meu local de descanso, apenas uma clareira bem escondida que anos atrás Sirius havia descoberto, e que com os anos de desuso eu me apossei de seu significado...Era quase um lar, oque se parasse para pensar...Era deprimente que eu enxergasse um bando de arvores e mato mal localizados como algo confortável do que meu quarto ou qualquer cômodo da enorme casa que eu residia. 

Meus pensamentos foram cortados por um rosnado, apontei a varinha rapidamente para o local que o ouvi e aos poucos era possível enxergar os pelos. Uma pelagem escura quase como a noite que dava sinais de vida, e olhos cinzentos que me recordavam a marca registrada dos Black's, não se poderia passar despercebida o tamanho do cachorro, facilmente me derrubaria se pulasse encima de mim, e eu deveria estar com medo

Mas eu não estava. Nem uma parcela do meu corpo tinha medo, e principalmente quando ele parou de rosnar e choramingou de dor, oque me alarmou um pouco e me fez aproximar procurando o machucado, era sua pata que estava em um ângulo esquisito e parecia ser doloroso.

— Lutou com um cachorro maior que você? — Questionei de brincadeira olhando a extensão do machucado, era apenas uma fratura mas que precisava de cuidado ou poderia ficar pior, talvez quebrar de vez e fazer o animal sofrer mais.

Me sentei a frente do enorme animal suspirando e comecei a vasculhar minha mochila, algumas poções para machucados, mas que me fizeram suspirar enquanto lia os rótulos, aquilo funcionaria no animal? Tentar não machucava mas o medo de dar algum efeito ruim permanecia no fundo de minha mente.

— Ok talvez da forma não mágica...mas posso aliviar a dor e diminuir a próxima que vai sentir, oque acha? — Eu sabia que o cachorro não me responderia, mas  seu olhar parecia desconfiado, então com cuidado peguei algumas ervas anestésicas e passei em seu machucado, cuidando para não doer tanto e me atentando aos rosnados baixos dele, incrivelmente eu não tinha medo de uma mordida que podia me dar problemas sérios, mas logo ele se acalmou, provavelmente sentindo os efeitos da mistura, e deitou a cabeça na grama me observando.

Aproveitei e com calma o virei para cima, segurando em sua pata e analisando com calma, apenas colocando uma tala para ela se curar corretamente já estava de bom tamanho, então busquei alguns galhos mais fortes e uma faixa de meu kit de emergências, não era uma imobilização profissional, mas estava firme o suficiente para não causar qualquer dano quando ele andasse.

— Melhor não é? — Questionei o fazendo carinho na cabeça e ri quando a mesma foi depositada em meu colo, um cão carente e dócil...Oque fazia sozinho? Não estava mal cuidado, apenas machucado — Onde estão seus donos, hm? Está sozinho...Se ficar pelas ruas pode se machucar novamente..— Aos poucos os pensamentos me consumiam. Ele se viraria bem? E se brigasse novamente? 

Olhando em seus olhos eu conseguia ver certas emoções, mas eram tão confusas que nem eu conseguia descrever, era estranho. O animal parecia me conhecer mas eu nunca tive contato, animais em casa eram proibidos por conta do asco que minha mãe possuía.

Um arrepio se passou por meu corpo ao lembrar que deveria estar ali a muito tempo, já estava escuro e eu deveria estar na hora do jantar em casa, caso contrário os gritos facilmente seriam virados para minha pessoa. A chance de passar dos gritos pela fúria recente me fez levantar e arrumar minhas coisas, mas parei ao ouvir um latido, o cachorro ainda estava ali.

— Oh porra...Eu não posso te deixar aqui...— Falei me ajoelhando para o fazer carinho enquanto pesava algumas consequências, mentalmente pensando se valeria a pena. — Algumas noites...Talvez ela fique de bom humor e apenas me xingue, eu fui um dos alunos modelos desse semestre...— Ao ter certeza e traçar um plano, me levantei e comecei a andar, chamando o cachorro e logo andando ao seu lado — Eu vou te levar para casa, mas sem latir, eu levo sua comida no quarto e se alguém entrar de surpresa, se esconda debaixo de minha cama...Porra eu to dando comandos demais você não vai entender...só fique quieto, ok? — eu falava quase nervoso, mas o problema foi fazer o cachorro passar pela passagem secreta até meu quarto, ele parecia quase amedrontado enquanto se enfiava nos corredores estreitos, oque me fazia o fazer carinho na cabeça e liderar o caminho, suspirando aliviado ao colocar ele para dentro oficialmente e me jogar na cama, rindo baixo ao vê-lo pulando junto a mim

— Vou te dar um banho, amanhã meus pais vão a uma reunião e estaremos sozinhos, oque acha? — Falo brincando com seu pelo mas logo meu nome sendo gritado me faz entrar em alerta, vendo o cão rosnar — Fica quieto, está tudo bem, ok? Espere aqui quietinho — digo suspirando e logo saio correndo para a sala de jantar, quase me arrependendo mas com calma me sentando.

Poucas horas haviam se passado, e quando finalmente fui liberado, tive que me segurar de correr para o quarto, sabia que traria mais comentários ou problemas para mim e a noite havia acabado ao meu pensar, com cuidado pedi a um elfo para me levar comida no quarto, de preferencia carne e logo subi.

— Demorei um pouco, perdão — Falo ao animal e o vejo me observando curioso, mas dou de ombros, logo o elfo chega e o atendo na porta antes de deixa-lo entrar, peço para avisar que não me perturbem pois iria estudar e fazer algumas lições, trancando com cuidado a porta deixo o prato no chão após verificar se não havia nada venenoso para cachorros e me sento no chão ao lado — Prontinho, pode comer.

Digo apenas e fico observando o teto repensando aquele dia, o quão ferrado eu poderia estar por ter ajudado aquele animal? Seria muito castigado? Disso eu tinha certeza, mas seriam alguns dias e logo...logo eu poderia voltar a fingir que aquilo tudo não me afetava tanto, os dias passariam rápido e estaria novamente em Hogwarts, protegido fisicamente ao menos e com mais tempo livre, parecia contar os dias para voltar a plataforma.

— Hm? Oque foi? — Questionei ao cão quando ele encostou o focinho em meu ombro, só ai me fazendo perceber que algumas lágrimas haviam escapado, provavelmente vindo de meus pensamentos desenfreados e bagunçados. Limpei rapidamente e suspirei me levantando, ignorando os choramingos baixos, indo em direção ao banheiro para me banhar e preparar para dormir.

Alguns minutos depois eu voltava já vestido e vi o cachorro na cama, me fazendo rir baixo antes de deitar, logo o vendo se esparramar mais próximo.

— Se me passar pulgas eu vou te jogar pra rua de volta — Aviso brincando e fico o fazendo carinho enquanto olhava pro teto, a sensação de vazio parecia um pouco menor, mas não significava que naquela noite, eu fui dormir sem estar chorando. 

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