Tempestade ☂

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De dia, ela será uma sombra, para protegê-los do calor; e, quando vierem as chuvas e as tempestades, será também um abrigo e uma proteção. Isaías 4:6





As árvores pareciam grandes demais, e o silêncio obscuro trazia a estranha sensação de inquietação, no entanto, sobressaiam os silvos emitidos ao longe como se viessem das colinas, e eles faziam-se cada vez mais sonoros.

Contrário a momentos atrás, seu foco destoante pudesse ser a razão para que a quietude concedesse origem aos ruídos assombrosos, talvez fosse o turbilhão em sua mente.

Ou simplesmente, tudo fosse inevitavelmente real.

Não havia quem negasse os trovões emitidos das montanhas. Uma severa tempestade se aproximava. Como se Effluvia jamais tivesse ficado dias sem seus dilúvios rotineiros.

Ainda que o céu emitisse avisos do que não tardaria a acontecer, mesmo que o vento gélido soprasse ao ponto de doer os ossos do corpo, ou com o ecoa incessante de seus passos, ainda assim, vez ou outra, havia um denso e ilusório silêncio abalando seus pensamentos.

Juntamente com uma profunda aversão a ele cintilando nos traços fortes e nada sutis da sua expressão amargamente vazia.

O rastro do sangue escuro e espesso, seguia a míseros centímetros atrás das marcas pesadas de suas botas.

Passos duros e movimentos brutos para tirar de seu caminho qualquer galho da trilha que compunha a mata escura e fechada.

Mesmo grosso, o sangue pingava vez nas pegadas, vez nas próprias botas de cano alto.

Aquilo poderia facilmente assemelhar-se a uma macabra cena de terror.

Muito sangue.

Era insano continuar adentrando cada vez mais floresta adentro, enquanto sua companhia nada mais era do que a escuridão assombrosa de uma noite tão fria quanto aquele coração mórbido.

O líquido vermelho vinha do peso morto que carregava em seus ombros, como se fosse um saco enorme de areia, quilos a mais se comparado a si mesmo.

Oposto a seus gostos, os braços estavam totalmente descobertos graças a regata fina que pouco cobria os músculos tensionados daquela região, completamente manchados, devido a bagunça que havia feito ao tentar decapitar a pele rígida do pescoço daquele animal com a coronha do rifle.

Então dominado pela impaciência somado ao cansaço, desistiu de levar a parte quase decepada. Deixou que o peso caísse no chão e com as mãos cobertas pela luva de sempre — de tom vermelho escuro e aberta nos dedos —, tocou a pele áspera da barriga subindo o toque até que chegasse na parte meio presa, meio pendurada. A escuridão era tão intensa que usou do tato para ter certeza onde deveria forçar para terminar de rasgar.

Naquela noite, as nuvens carregadas cobriam a lua e impediam qualquer resquício de iluminação pelo caminho. Contudo, em segundos refletiu um forte clarão, por toda a mata, e o raio que caiu em cima de uma árvore a quilômetros de distância, fez acender toda a cena.

Os olhos castanhos e opacos captaram fugaz, somente o cintilante da poça sangrenta e rapidamente tudo voltou a ser apenas um completo breu.

Foi o suficiente para encontrar o ponto certo, puxou com força e jeito, soltando um arfar pelo esforço. Desprendeu a carne ainda quente da região do pescoço, separando-o do restante. Descartou a cabeça.

Com as próprias mãos.

Deveria ter sido uma visão ao menos aterrorizante, seria para qualquer um.

Mas não para Hoseok.

Eflúvio | HopekookOnde histórias criam vida. Descubra agora