Capítulo IX: Último adeus

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      Unindo-se em um entrelace carinhoso, as mãos do jovem casal anunciam o fim de algo. Juntos iniciaram, e juntos chega o momento da despedida, ainda que de certa forma dolorosa.
      —Pronto?
      —Eu... não sei. Foram tantos momentos...
      Diz um pouco duvidoso. Existia uma parte que lhe impedia de dizer adeus, em grande parte pelas lembranças especiais ainda vívidas. Ela como sempre o compreendia e dividia suas agonias internas como suas, isso o tranquilizava profundamente.
      —Sim, foram. Mas nunca vamos conseguir avançar se não for assim.
      —Mas...
      É interrompido pela separação de suas palmas, gesto que dizia não haver mais nada a ser dito. Ele desnudava-a com um mero olhar. Acabavam os argumentos para recuar agora. Seria do jeito dela. Amava-a demais para confrontá-la, ainda mais nesse momento tão... significativo à ambos.
      —É melhor assim, Sr. Moo Ling.
      Cabisbaixos, acentem com a cabeça em sincronia harmônica perfeita, exclusiva deles. E Moo ergue algo em mãos.
      —Lótus.. okay. Já estou com a gasolina.
      —Então, é só espalhar.
      Atiram o combustível no vagão ainda tombado do incidente na estação, esta agora isolada e condenada à demolição, afim de abrir espaço para a nova escola bem mais útil para população local.
      —Sabe? Meio que estou triste.
      —Eu ainda mais. Por muito tempo aqui foi a única casa que tive.
      Fala enquanto lacrimeja, parando para enxugar os olhos. Desvia então o olhar da máquina para seu marido.
      —Ei! Nada de tristeza. A gente prometeu que não ia chorar.
      Já coberta pelas lágrimas tenta consolá-la.
      —Quem tá chorando? Eu não estou chorando! Você está chorando! E eu também estou feliz! Eu estou livre! E...vou destruir o que me aprisionou lá, eu vou me livrar de... um amigo que me trazia de volta toda lua cheia... que me abrigou da chuva e do frio... que me...
      Afogando-se de vez nós soluços e lágrimas consolam-se nos braços um do outro.
      —Que me trouxe você. Eu sei. Não precisa ser forte comigo. Conheço como você é chorona. Ai!
      Uma "cotovelada amorosa" tira-os do momento. Esse era o jeito exótico de Moo animar Lótus. Pois simplesmente funcionava assim com eles.
      —Só tenho um coração. Um coração que se reflete em lágrimas.
      —Muitas lágrimas. Ai! Calma.
      Esfrega o braço onde recebe o beliscão da sua senhora.
      —Quieto você é mais sexy.
      —Então vou me calar com mais frequência.
      —Mas acho que já pode me soltar. Não temos muito tempo.
      Comunica separado-se de seus braços e ajustando seus respectivos capuzes. Não teria como explicar o que estavam fazendo se fossem pegos pelas câmeras. As vezes se esquecia que não era mais invisível. Mas seu marido já havia pensado nos detalhes antes.
      —Relaxa. É a nossa despedida, cuidei das câmeras para te dar tempo.
       Dar de ombros desdenhando, provocando uma cara pavorosa em sua esposa.
       —Como investigadora me sinto tentada a te denunciar, mas sou complice, então vou deixar passar por hoje.
      Eles olham a máquina ao longe, já que era necessário uma distância segura.
      —Quer dizer algumas últimas palavras?
      —Não. Pode falar primeiro.
Logo de um longo suspiro, o escritor resolve iniciar seu discurso de despedida.
      —Senhor Trem dimensional, ou seja lá como for o seu nome, eu serei eternamente grato por mim trazer o que mais me importa nessa vida. Mas também, mesmo que numa parte pequena ou bem grande, vou te odiar por ter feito sofrer a garota mais linda do mundo. Fim. Vou te destruir hoje.
      Sorrir de forma macabra enquanto ergue o controle da bugiganga que provocaria um pequeno curto circuito dentro da cabine do condutor daqui a pouco.
      —Se ele fosse um ser humano já ia te prender agora.
      Diante do rosto horrorizado da mulher ele somente sorrir. Já conhecia o mal carácter um do outro bem demais agora. Então lhe entrega o controle, esse era um momento dela.
      —Eu me esforço. Sua vez.
      —Bom, eu nem sei o que dizer. Se é um: "eu te odeio" ou um: "muito obrigada". Mas eu vou me lembrar de você com certeza. E estou me achando louca agora...eu 'tô' falando com um trem! Chega!
      Aciona o botão causando uma explosão surgir do interior da cabine, as chamas se propagam graças à gasolina. De repente a máquina coberta pelo fogo ergue-se sozinha sob os trilhos, começando andar devagar contra todas as possibilidades, num passo trêmulo e instável. As chamas consomem a locomotiva enquanto começa a desaparecer lentamente, e de mais uma explosão assustadora com maior escala, qual Moo cobre sua esposa com o próprio corpo sendo os dois arremessados uns passos para trás, todavia sem lesões por sorte . Percebem o sumiço da máquina. Havia acabado. O trem sumiu para sempre.
      Após confirmar que ambos estavam bem ergue sua esposa e correm, fugindo com sucesso do local.
      —Assim na cara dura? Já?
      Pergunta se referindo a sua frieza ao eliminar a máquina que deveria significar bem mais para ela do que à ele.
      —Sim. As feridas que saram mais rápido são aquelas que arrancamos os curativos de vez.
      Profere após retomar o fôlego, já que seu corpo não era mais como antes.
      —Que durona.
      —Deixe de choramingar Sr. Ling. Já acabou. Eu sou sua esposa, e estou livre. Vamos logo 'pra' casa que quero meu pudim de café.
      Animada e faminta puxa-o pelo braço rumo ao seu lar. Ele sim que estava passando mal com tantos desejos e o aumento do apetite (originalmente grande) de sua amada. Mas olhar esse sorriso e a barriguinha já saliente, lhe eram uma alegria a mais cada dia.
      —E eu pensando que tinha escondido direito na geladeira.
      A despedida podia ter chegado ao fim, mas novas aventuras ao lado dela estavam garantindo muitas emoções. Tudo começou em um trem fantasma, com uma garota misteriosa na estação 6661.

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