Capítulo I: Fuga

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      Para alguns, fama, sucesso, dinheiro, ter seu rosto em destaque nos telões e televisores, por si mesmo emprega felicidade. Todavia existem excessões.
      "Nem me lembro do que estou fazendo aqui. É estranho. Já virou abto fazer poses, cantar, dançar e fazer as caras e bocas que eles querem. Tanta gente diz que me odeia ao vivo e online, sem motivo válido, outros juram tanto que me amam, que chega a assustar.
      Sinceramente nem sei mais o porquê disso tudo. Meu sorriso nesse álbum vai ficar lindo com certeza. Mas foda-se! Queria sumir por hoje. Por esse ano. 'Pra' sempre seria um ótimo talvez. Quem sabe..."
      Distraidamente nos próprios pensamentos começa a agir novamente em modo automático. Entretanto, uma voz lhe tira do transe.
      —Sr. Moo, sorria para a câmera! Mão no joelho! Sorria! Sim, ótimo. 
      Seguem-se horas sob a instrução do fotógrafo, sempre buscando posições exóticas, estas como marca registrada própria. Chegando ao esgotamento físico do outro, junto com uma leve suspeita de vingança silenciosa, porém disfarçada por ambas partes.
       "Me tornei a primeira vítima de tortura fotográfica do planeta. Quem diria?"
       Pensa para si mesmo, até sentir uma presença terrivelmente inesperada e indesejada, portando em mãos um café muitíssimo mais indesejado, com conteúdo questionável.
        —Suas fotos ficaram ótimas, Sr. Moo! Minha amiga é muito sua fã e ...
        "Odeio pessoas que não são sinceras! Era só dizer que era 'pra' você e tudo iria ficar muito bem, mas agora estou farto e ainda tenho que sorrir contra minha vontade pelo bem da minha imagem, Senhorita Margot do café."
       Reclama mentalmente, enquanto esboça seu sorriso costumeiro. Margot não se enquadrava em seu quadro de pessoas favoritas sob nenhum ângulo, após ser flagrada pondo substâncias suspeitas em seu café. Entretanto, confrontá-la não iria resolver a estranha obsessão da garota. Restava-lhe apenas certo conforto para ele.
        —Claro, senhorita. Qual o nome da sua amiga?
        Fala em referência a dedicatória pedida, desfrutando do constrangimento e incômodo agora evidente em sua inimiga dos cafés ricos em leite vaporizado sem nata.
        "Não fica assim tão envergonhada que eu quase me sinto culpado por você."
       —Margot! O nome dela é Margot.
      "Okay! A peninha passou."
       Tal ato de valentia por parte dela, não foi bem visto. Foi só mais uma atitude descarada de alguém obcecado por seu personagem público. Um ato idiota, segundo ele, motivado por uma paixonite sem sentido.
       "O pior é manter a porra do sorriso com alguém que mexe no meu café! Sei lá o que você coloca lá dentro garota estranha."
       —Caramba! Eu...ela vai ficar tão FELIZ!
       "Outra burrice desses idiotas. Isso não vai fazer ninguém feliz de verdade. Arg! Só queria sumir..."
        Novamente deseja sumir, fugir, escapar para não ser encontrada por pessoas como Margot Xiung, nem por outros que ao seu julgamento são ignorantes e ridículos. Em especial pessoas como sua inimiga dos cafés pós-gravação, já que nunca considerou que um pedaço de papel com sua assinatura vale-se realmente tamanho alvoroço. Não iria trazer felicidade verdadeira, meramente uma alegria momentânea e passageira. Perde-se nesse contemplado, de tal maneira por acabar nem notando mais uma presença repugnante de sua lista já bem extensa.
        —Sr. Moo? O carro já está esperando para sua aula de canto das 17:30.
        "Eu odeio isso! Já falei? Claro que não. Só sorrio como um bobo e concordo. Vou fugir. E tem que ser agora!"
        —Claro, mas posso passar pelo...
       Ele choca de propósito com um assistente que carregava uma caixa cheia de purpurina usada na decoração. Esta lhe atinge em cheio, cobrindo-o, e oferecendo uma excelente desculpa para sua ausência por algum tempo.
       "Foi proposital, só que purpurina até às orelhas que não vai sair fácil é incomodo 'pra' o caramba! Mas me deu a melhor desculpa para sumir sem ser visto.
       Porém, onde vou agora? Não tenho amigos (pelo menos nenhum que me xingue na cara e não pelas costas), o que resta é andar para sei lá onde."
       Após conseguir passar escondido com um moletom de capuz, gorro, calças e máscara do camarim, sua fuga torna-se exitosa quando sai pelas portas traseiras do prédio. Decide andar sem rumo até dar-se conta de um local relativamente seguro para um refúgio temporário.
       "A estação 6661 é a duas quadras daqui. Talvez um trem para alguma cidade do interior ou algum bairro isolado seja um começo. Bom ou ruim, já não desconheço. He! Parece até piada.
       Na verdade, acho que tudo sempre foi uma piada cruel."
       Caminhando rumo à estação, o ajuste do gorro e da máscara trazem um ligeiro refrigério dos olhares e aglomerados persistentes de tantos admiradores constantes. Ser um showmen não lhe fazia bem à privacidade. Entretanto, o caminho torna-se pouco a pouco mais pacato.
        "Que mausoléu isso aqui! Nenhum rastro de alma 'pra'fazer remédio. Melhor assim. Sei nem se tenho saco mais para isso: autógrafos, fotos, sorrisos, etc, etc."
        Adentra num trem aparentemente vazio, sem olhar ao redor, senta-se abaixando o gorro e a máscara ainda com um pouco de purpurina sendo sacodida no processo.
         "Ufa! Enfim sozinho. Nem sei mais o porquê disso tudo, mesmo. Tanta gente na minha cola, só que nenhuma tem preocupação, ou interesse de verdade por mim: "Moo Ling". Apenas o fantoche Sr. Moo importa. Eita ideia de merda me fazer entrar nisso! Pelo menos ficasse viva para dar sermão nessas horas. Me largou sozinho no inferno! Espero que o caixão de luxo seja do agrado, velha! Posso sumir agora? Quero apenas me desintegrar o mais rápido possível no século XXI."
      —Posso sumir de verdade?
      —Não sei. Sumir de verdade pode ser bem menos legal do que você pensa, estranho. Não recomendo.
      Fala uma voz feminina bem ao seu lado, fazendo-o tensar-se no instante. Retira as mãos do rosto, olhando surpreso dita figura sentada ali, quase colada em si, vestida de forma similar, mas sem máscara.
       "De onde diabos saísse tu assombração? Posso jurar que esse troço tava vazio!"
       —Que foi distraído? Que viu um fantasma.
      "Eu estava tão aéreo que não vi a rainha das perguntas tolas aqui? Maravilha. Mais uma fã lunática para minha cota de hoje. E eu achando que estava livre..."
       —Sr. "Quero sumir", acho melhor ajustar o gorro e a máscara. Existem câmeras na estação. Talvez goste de rios de paparazzi por todos os lados, mas eu não.
        "Ela sabe? Sabe, não sabe? Era o que faltava!"
        —Relaxa! Não vou chamar ninguém. Só chutei uma hipótese. Você tem cara de riquinho em fuga, e para subir nesse trem, só pode estar querendo sumir. Então é conhecido. E julgando pela tua reação, bem conhecido!
        "Droga! Será que posso apagar ela e fugir?"
        Dando-se conta do absurdo qual pondera seu pensamento estala um tapa no próprio rosto surpreendendo a garota, que se afasta dele, deslizando devagar naquele instante.
       "Ai! Devo estar ficando biruta. No mínimo é uma simples trombadinha, e no máximo uma "garota da noite " atrás de uns trocados, nenhuma ameaça significativa. E se for julgar minha boa sorte... uma repórterzinha mexeriqueira atrás de um furo para um blog online. Como disse: nenhuma ameaça real! Pelo menos não parece... mas se for...nem me importa mais dessa ser a última viagem."
      —Ei! Sr. Celebridade! Só para informar, eu sei me defender muito bem, 6 golpes que imobilizam qualquer um, e 2 que possivelmente matam após dois minutos. Mas mesmo assim seria um tremendo desperdício de tempo. Todo meu dinheiro gastei em guloseimas nada saudáveis. Nem um centavo sequer! Nadica! Zerada! No pó da rabiola!
       Esse estranho confronto o tranquiliza em parte, uma pequena parte. Não conseguiria confiar por completo na mulher. Ainda mais com história tão suspeita rondando-a. Afinal, não daria para embarcar sem dinheiro ali.
       "Essa garota é estranha. Estranha e mentirosa."
        —E como conseguiu embarcar?
        —Abaixa essas sombrancelhas julgadoras que foi uma recompensa pela minha boa ação.
        Ela levanta um objeto, bastante conhecido a ele enquanto imita seu olhar, entretanto com um sorriso de deboche à tira colo.
        —O Sr. Moo Ling vai ficar muitíssimo grato por eu encontrar sua carteira, e deixá-la no achados e perdidos da próxima estação onde vou descer. Na última parada é claro. E logicamente, minha passagem é simplesmente uma mera recompensa pela ótima ação social prestada aos velhos gagas e decrépitos que esquecem as coisas por aí.
       "Só pode estar me zoando! Rainha do sarcasmo também?"
        —Acho que ele ficaria muito agradecido, senhorita.
       Pronuncia entre dentes com um sorriso obviamente falso, enquanto estende a mão atrás do objeto "perdido". Tão perdido que encontra-se até poucos momentos bem acomodado no bolso do moletom.
       —Sabe que eu também acho?
       Fala já guardando o objeto no bolso, ignorando o gesto de seu colega de acento.
       —Ele pode até me ligar pedindo meu pix para me mandar uma recompensa!
       —Hahahahaha!
       —Está rindo do quê Sr. Celebridade?
       —Nada. Só acho que o Sr. Moo Ling deve estar faminto, e perdido por aí, sem poder voltar para casa. Pobre Sr. Moo Ling!
       Assim, abraça a si mesmo, num ato  mais cômico que penoso. Gerando absolutamente nenhuma reação na garota, de forma à simplesmente desembrulhar as duas barrinhas de chocolate que portava.
       —Ele eu não sei. Mas eu estou. 'Fai uma bafinha'?
       Dita pergunta com a boca cheia, quase passa despercebido pelos ouvidos do mais velho. No entanto decide-se por responder, de modo mais gentil possível por ele.
        —Aceitaria se oferecesse com a boca menos vazia.
         Debocha de seu ato voraz, afinal simpatia para seu eu verdadeiramente não era caso muito conhecido, e ela conseguia que esse lado viesse a tona sem nenhuma atuação.
        —Então toma.
        Despeja algumas barrinhas no colo do rapaz, obrigando-o descruzar os braços no ato. Então ao pegar entre os dedos uma, dar-se em pensamentos mais amigáveis.
        "Sério? Esse não era o único jantar que ela tinha? Para falar a verdade, acho que não cheguei a comer nada hoje, e estou tanto tempo na maldita dieta que já nem lembro o sabor dessas coisas. Será que tudo bem mesmo 'pra' você se eu comer?"
       Eis que uma dentadela põe o ponto final nesse empace. Dentada por parte dela é claro!
       —Ei! Achei que era minha!
       —'Bofeiou, danfou Fenhou Cefefidade!'
       Tal gesto encheu-lhe de ira, tamanha que tomou de volta o doce das mãos femininas, devorando-o dessa vez com afinco, em parte pelo sentimento, contraparte foi pela fome e o sabor que não sentia haviam décadas. Não tantas, mas pareciam ser até três, ao invés de uma e meia. Pode ser por esse fato, deverás infortuno, que certo sorriso com sinceridade passou-lhe desapercebido.
        "Agora é que eu como o resto! Descarada! Roubou uma mordida, depois de já ter me oferecido, na cara dura! Vê se pode!"
       —Fazia tempo que não se dava ao luxo de comer uma dessas né? Nada saudável, mas com um sabor divino!
       —Fato!
      Concorda enquanto dar de ombros, já desembrulhando a próxima vítima de sua voragem, o doce mal teve tempo do último 'croc' de adeus.
       —Sim!
       Grita cerelepe a garota que sabe sob o acento erguendo os braços, com os punhos fechados, exclamando à viva voz seu apreço pela iguaria.
       —Que vivam os doces! Barrinhas! Sucrilhos! Chocolates com avelãs! E todas as besteiras que dizem que não podemos comer! Huahuahuahuahua!
        —Hahahaha! Okay! Mas desce daí maluca. As câmeras podem gravar e ajudar na sua condenação por dano ao patrimônio. A não ser que seja fã de serviço comunitário.
        —Sempre topo uma socialização.
        "Dona da última palavra também. Quando será que foi a última vez que fiquei tão a vontade com alguém?"
        Quem diria que após anos incômodos ao lado de pessoas, muito mais incômodas ainda, se sentiria a vontade para ser autêntico, livre para mostrar seus defeitos sem dedos indicadores em seu rosto. Uma sensação nova, porém, nada ruim.
       "Nem sei quem é você, mas acorda um lado que eu já tinha esquecido de mim. Logo num primeiro encontro? Que perigo! Hahaha! Tô calvo de saber que ninguém é tão bonzinho, tem coisa aí na história."
       Assim, ele adormece, sendo acordado por mãos femininas logo após um tempo.
        —Ei! Sr. Perdido!
        —Sim?
        —Acho que é a nossa estação. Está na hora de ir. Promete não tentar sumir até o Sr. Moo Ling me procurar e pagar minha recompensa?
         "Ela... ainda quer me ver? Por quê? Ninguém quer um segundo encontro comigo, não sem ganho. Mas dane-se!"
        —Prometo tentar.
        Estende o dedo mínimo qual é tomado reciprocamente, selando desta forma a promessa entre os dois.
        —Ótimo. Vou deixar meu número residencial no cartão dos achados e perdidos para o Sr. Distraído. Até mais ver, Sr Moo!
        "Ela sabia e agora decide virar o jogo?"
         Vira-se para o lado, mas nada mais havia da bela companhia. Somente a luz solar iluminando já o vagão. Parte apressado para alcançá-la, no entanto, não havia ninguém lá. Até suas pegadas viraram fumaça, quem dirá a presença da formosa dama.
       "Espera! Onde ela foi? Não... está em lugar algum!"
       Dita confusão, levá-lo a crer estar delirando. Sim, devido sua ansiedade, seus problemas, imaginou uma linda mulher que o compreendia e escultava-o, e ainda dividia guloseimas, confuso, mas sim um delírio. Ninguém é tão puro para nunca ter pecado, nem tão pecador para não haver redenção. Quanto menos ele! Cada um tem a fantasia que quer. Essa foi a dele. Muito real e vívido, contudo, uma mera fantasia. Isso. Não estava louco.
      "Estou delirando? Mas minha carteira realmente não está aqui."
       Ele olha em volta, e finalmente dar-se conta do sumiço do trem. Louco ou são? Apenas um lugar lhe traria as respostas dessa incógnita.  Sendo assim, partiu caminhando em direção aos achados e perdidos dali. E por alguma razão desconhecida, os batimentos de seu coração estalaram frenéticos, como por uma dose de cafeína direto na veia, uma ansiedade desconhecida, junto um medo freguês da casa.
        Perguntando ao encarregado do local, uma mistura exótica de alívio e outros sentimentos o invadiram, após escultar sua confirmação do objeto no local.
       —Sim senhor. Aqui está.
       Trouxe-lhe o objeto, junto com uma espécie de formulário.
       —Assine aqui, aqui também e preencha o número do seu documento de indentificação aqui.
        —Obrigado!
        Se retira ainda transtornado, pois dentro do objeto faltava exatamente o cartão de embarque. Então, suas respostas começariam com perguntas primeiro. Volta ao lugar, tornando a buscar suas respostas com o homem.
        —Ah! Mais uma coisa. Se não for pedir demais, posso ver o número da pessoa que deixou isso aqui? É que quero agradecer a gentileza.
       —Normalmente não, mas minha filha é muito sua fã. Será que pode me dar seu autógrafo?
      "Chantagista e corrupto barato. Por um rabisco num pedaço de papel..."
      Após cumprir sua parte no acordo, o senhor lhe libera a ficha assombrado, pois fez o trato imaginando não haver nada ali. A carteira tinha sido deixada junto com um bilhete anônimo em letras bonitas, então teve que preencher a maior parte das informações sozinho, deixando boa parte em branco. Haver algo, dava calafrios, porém calou-se fingindo não ocorrer nada demais.
      Com o número já discado, Moo sai da sala e inicia a chamada atrás de pistas.
      —Alô. Desculpe, é da residência da senhorita Lótus Amon Feng?
      Uma voz feminina e irada contesta da linha.
      —Não tem graça. Deviam se envergonhar desse tipo de coisa. Passar trotes assim...
      —Sinto muito, acho que ela me passou o número errado. Desculpe.
      —Mentira! Ela morreu há 13 anos. Não é possível que tenha lhe passado esse número! A mãe dela foi parar num sanatório depois dessa história de trotes, e morreu lá. Deixem de perturbar!
      Desligam do outro lado abandonando-o com milhares de pensamentos numa tempestade assolando pela cabeça do rapaz.
      "Acho...que tem algo bem errado aqui"
       Guarda o aparelho no bolso ajusta seu disfarce e decide voltar para procurar as respostas desejadas. Iria descobrir, desvendar, e mostrar o enigma da sedutora misteriosa da noite passada. Isso com certeza. Voltaria.

Antes que o sol nasça para nós Onde histórias criam vida. Descubra agora