CAPÍTULO 6: A segunda grande guerra Éra

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    Neara, em um movimento instintivo, pegou uma flecha e a disparou contra o inimigo, mirando em sua cabeça. O ser, com um movimento rápido e um reflexo inimaginável, pegou a flecha com a mão centímetros antes dela o atingir. Ele a segurou por um instante, examinando-a, em seguida apertou o cabo e a flecha foi incinerada por um fogo vermelho. Apenas a ponta caiu no chão, intacta, depois disso o ser ergueu a espada.
    Askam pensou rápido. Se levantando, ele pegou Neara pelos ombros e se jogou no chão, em seguida pegou uma das flechas da aljava dela e a fincou no chão. Um escudo novamente se ergueu, os cobrindo. No mesmo segundo labaredas de fogo vermelho preencheram o salão com uma fúria avassaladora. Do lado de dentro do escudo Askam estava por cima de Neara, a protegendo. Ele viu os soldados e os nobres que não conseguiram se proteger sendo consumidos, seus corpos se desmantelavam em cinzas enquanto eles gritavam em desespero.
    Themerus (o ser) abaixou a espada e cessou o ataque, em seguida fez sinal com a cabeça e Darkerus (o que estava o acompanhando) ordenou para avançarem. Os soldados aurons imediatamente seguiram entrando no palácio e destruindo tudo. Themerus começou a andar ameaçadora e calmamente enquanto os soldados passavam por ele.
    Askam saiu de baixo dos destroços com dificuldade. Ele puxou Neara pelo braço e em seguida olhou em volta, procurando alguma maneira de sair dali. De repente ele começou a ouvir gritos e sons de disparos vindo do corredor que, anteriormente, era o caminho para o salão. Repentinamente um inimigo surgiu no fim do corredor e tentou os alvejar. Askam, pego de surpresa, empunhou sua espada e refletiu os disparos. Neara matou o inimigo com uma flecha mas logo depois mais deles começaram a aparecer. Ela, sem pensar muito, pegou outra flecha e atirou na direção do corredor. Ao atingir a parede a flecha ergueu uma barreira e tampou o caminho, barrando os inimigos e dando alguns minutos para os dois pensarem.
    Askam sabia que a barreira não iria aguentar as rajadas de tiros. Ele começou a olhar em volta, tentando achar alguma forma de escapar, seu coração estava disparado em medo e preocupação, sua mente bagunçada não conseguia assimilar as coisas e o desespero começou a tomar conta dele. Foi então que ele sentiu um forte tremor seguido de um som de vidro estilhaçando. Ao olhar para o corredor Askam viu os inimigos em disparada atirando em sua direção e, parado, um dos seres abaixando a mão e começando a ir na direção deles. Ele tentou se proteger mas um dos disparos o acertou abaixo de seu braço e atravessou seu corpo, ele perdeu a força e caiu de joelhos.
Vendo que Askam fora atingido, Neara disparou em sequência, quando as flechas atingiram o inimigo fortes explosões cobriram o corredor. Correndo até Askam ela apoiou o braço dele em seu ombro e o levantou, tentando ver uma forma de fugir. De repente ela viu a enorme rachadura na parede.
    Darkerus estendeu a mão e tocou na barreira que impedia a passagem, reunindo energia do caos ele começou a corrompê-la. Após alguns segundos ela começou a trincar e subitamente quebrou, desaparecendo e liberando a passagem. Os soldados imediatamente avançaram e ele os seguiu. Quando chegou no centro do salão tudo estava vazio, os dois que havia visto não estavam lá e olhando em volta ele viu a rachadura na parede e imediatamente correu até ela. Quando se pôs na beirada Darkerus pôde ver os dois caindo, sem pensar duas vezes ele pegou sua espada e arremessou contra eles para os matar.
    Em queda livre e segurando Neara, Askam viu a enorme espada vindo em sua direção com uma velocidade assustadora. Ele não poderia desviar e Neara não iria conseguir pegar seu arco a tempo, então, no mesmo segundo, ele apontou a lâmina da espada para cima e um raio de energia azul foi disparado contra a arma do inimigo. Ao se chocar com a lâmina de Darkerus as duas energias se repeliram quase que instantaneamente, causando uma explosão muito forte. Askam fez outro movimento e colocou a lâmina em sua frente para proteger ele e Neara da onda de choque. Com o impacto eles foram arremessados para longe e caíram fora dos muros do palácio.

    Antes de se chocar contra o chão ele abraçou Neara com força, batendo de costas com tudo na aterrisagem. Neara não se machucou e Askam estava meio zonzo. De repente ele viu algo vindo por cima e no mesmo instante a empurrou e virou a lâmina da espada para cima. Darkerus desferiu um golpe com força total contra Askam, mas foi bloqueado, em seguida Neara disparou uma sequência de flechas em sua direção e ele se esquivou para trás, desviando delas. Askam o jogou e ele parou de pé mais ao longe. Preparando novamente sua arma ele saltou na direção do inimigo. De repente, ainda no ar, Askam foi atingido por um feixe vermelho, sendo arremessado no chão, Neara gritou por ele e foi tentar ajudá-lo, mas foi impedida por Darkerus que a atacou. Ela se defendeu usando seu arco. Askam usou a espada para parar e se recompôs, quando levantou o rosto ele viu o mesmo ser de antes abaixando o braço. O ar ficou pesado e sua respiração entrecortada fazia seus pulmões arderem. De repente o ser começou a andar e parou a poucos metros dele. Askam ouviu uma voz falando palavras incompreensíveis, parecia outra língua, aos poucos elas começaram a se encaixar. 
    — Você me entende? — Themerus perguntou, Askam ficou atônito. — Acho que entende. — Olhou para a cidade. — As memórias daquele soldado não são claras. Esse lugar se chama Cândera, foi governado pelo imperador... Vastos e a dois anos quando ele morreu seu filho assumiu. — Voltou o olhar para Askam, que ficou em pose defensiva. — Suponho que esse seja você, Askam.
    — Daquele soldado? — Askam compreendeu. Mais cedo, quando viu o guarda sendo consumido ele também deve ter tido suas memórias sugadas. Agora o inimigo tinha total conhecimento de Cândera, total. — Quem é você! — Askam gritou.
    Themerus estendeu o braço e do nada uma espada surgiu um cima de sua mão.
    — A morte.

    Neara disparou três flechas em sequência, Darkerus desviou de duas mas a terceira atingiu sua perna.
    — Me surpreende muito você ter conseguido atravessar a minha armadura. — Arrancou a flecha, observando-a notou algo de estranho. —  Não só isso, você analisou meus movimentos e mirou no local onde a defesa é mais fraca, se fosse apenas isso eu já te respeitaria, mas o problema é que — Olhou para ela, Neara apertou o arco com a mão, na defensiva. — É justamente nesses locais onde lorde Themerus  revestiu com energia Éra do caos.
    — Você me entende? — Neara questionou.
    — Muito bem. — Darkerus respondeu. — A conexão com lorde Themerus foi rápida.
    — Por quê estão nos atacando?! Quem são vocês!? — gritou.
    — Lorde Themerus nunca se engana. — Empunhou sua espada. — Quando ele disse que este planeta continha a última parte eu fiquei em dúvida, mas quando vi aquele feixe de energia que seu companheiro lançou contra minha arma eu tive certeza. — Com uma velocidade absurda Darkerus avançou contra Neara e desferiu um golpe mirando em suas costelas. Ela se defendeu usando seu arco e a força do ataque a jogou para longe. — Vocês são mesmo especiais!
    Neara foi alvejada por uma sequência assustadora de golpes. Ela estava se defendendo com muita dificuldade, seus braços pareciam queimar em fogo enquanto ficavam dormentes com a dor, suas pernas estavam perdendo as forças e as feridas e machucados de seu rosto ardiam com o suor que escorria pela sua testa e chegava até os olhos, dificultando sua visão.
     No meio dos ataques Darkerus foi interrompido por um soldado que chegou velozmente o atacando com um machado. Ele parou e se defendeu, no segundo em que parou Neara tentou se levantar mas, ao ver isso, Darkerus pulou e golpeou o soldado com o joelho, em seguida chutou Neara na barriga, a lançando alguns metros. Depois cortou o soldado ao meio com um movimento. Quando iria a tacar de novo ele foi impedido por uma rajada de flechas que o pegaram de surpresa. Rapidamente ele se defendeu usando sua espada.
    Neara estava caída ao chão, tonta e quase desacordada. Do nada uma silhueta embaçada apareceu e começou a sacudi-la.
   
    — Senho... ara!
    Seus ouvidos estavam abafados e zumbiam muito. Aos poucos ela conseguiu ouvir mais claramente.
    — ...nhorita ...eara! Senhorita Neara!
    Neara se recompôs com dificuldade e viu uma garota jovem a chamando, era uma arqueira. A garota a ajudou a ficar de pé e Neara viu soldados atacando o inimigo enquanto algumas arqueiras atiravam de longe.
    — Senhora, viemos ajudar! — a garota disse.
    Ela avistou mais e mais soldados chegando e atacando os inimigos, uma verdadeira guerra, essa era a palavra. Se lembrando subitamente ela pegou seu arco e, quando iria correr foi atingida por algo. Era Askam, que estava desacordado e coberto por feridas, ela viu que seu braço estava quebrado em um ferimento muito feio. Ela, em um reflexo, o pegou.
    Darkerus estava com dificuldade, sempre que tentava atacar era surpreendido por mais golpes, não conseguindo fazer nada além de se defender. De repente os soldados foram surpreendidos por lanças que surgiram do nada e atravessavam o chão. Sem forças ele caiu de joelhos.
    Themerus puxou a espada do chão e a recolheu fazendo-a desaparecer, depois levantou a mão e simultaneamente os soldados foram cobertos por uma aura vermelha. Fechando-a com força cada um deles começou a ser esmagado e, em seguida, caíam como massas retorcidas, ele andou até Darkerus e parou ao seu lado.
    — Lorde Themerus. — curvou a cabeça.
    — Cale a boca. — disse com desprezo, em seguida olhou para Neara e Askam, desmaiado em seus braços. — Eu mesmo cuidarei disso. — foi na direção deles.

   Neara o viu se aproximar e começou a ficar desesperada. Pegando seu arco ela atirou duas flechas contra ele, elas se desintegraram poucos centímetros antes de o atingir. As pontas caíram no chão e Themerus pisou por cima delas. Vendo que não funcionou ela estendeu o braço para trás, até sua aljava; pegou outra flecha e disparou no chão. Imediatamente um escudo azul circular os cobriu e Themerus parou, intrigado.
    Dentro do escudo Neara pegou em pequeno frasco com uma agulha na ponta e injetou o líquido azul brilhante em Askam. Em segundos suas feridas foram curadas e seu braço voltou a posição original, depois ela jogou o frasco fora e tentou o acordar.
    — Ei, ei. Acorda por favor, acorda! — disse desesperadamente, chacoalhando Askam.
    Askam abriu os olhos de leve, sua visão estava turva e seus ouvidos abafados. Viu o rosto borrado de Neara e atrás dela uma luz, pensou que estivesse morto e que aquele era o paraíso. Do nada ele recebeu um tapa, o que o fez acordar de vez.
    — Ai! – disse espantado.
    — Acorda, acorda, acorda! – Neara não parou de dar tapas.
    — Calma, ei, eu já acordei! – Askam gritou.
    Neara o olhou por um segundo, depois começou a bater nele novamente.
    — Nunca mais faz isso comigo, nunca mais! – dizia nervosa, enquanto batia nele.
    —  Ai, ai. Tá bom já chega! — Ele agarrou os braços dela, a fazendo parar.  — O que aconteceu! Porque eu tô aqui?!
    — Áh tá, tá bom – Se recompôs. — é qu–

    Uma mão quebrou o escudo e agarrou os cabelos de Neara, ela tentou pegar o seu arco mas não conseguiu. Themerus a puxou muito violentamente, em seguida a levantou e deu um soco um seu estômago a fazendo cuspir sangue, depois a jogou no chão e levantou a perna. Neara rolou para o lado, escapando da pisada que quebrou o chão. Ela se levantou, pulou para o alto e tentou dar um chute no rosto de Themerus, mas não deu certo, ele agarrou a perna dela e a quebrou, fazendo Neara gritar de dor.
    Askam viu isso e rapidamente pegou sua espada. Ele se levantou e avançou contra Themerus mas foi impedido por Darkerus que segurou seu ataque. Askam foi jogado e caiu de pé, imediatamente se recompôs e, no desespero para salvar Neara, ele atacou novamente.
    Themerus agarrou Neara pela parte de trás da cabeça e a suspendeu em sua frente. Askam imediatamente parou o ataque para não acertá-la.
    — Está vendo isso?! — Themerus perguntou veementemente. — Isso é o que sua teimosia fez! — Neara tentou dar um soco mas ele pegou o seu braço e o quebrou, fazendo-a gritar.
    — Não! — Askam foi para frente.
    — Parado! — Themerus gritou e ele imediatamente parou. — Vou dizer apenas uma vez, me entregue o fragmento, ou... — Olhou para Neara, depois de volta para Askam. — Vou explodir a cabeça dela junto com metade desse planetasinho imundo.
    — O que?! Eu não sei de nada disso!
    — Não adianta mentir! Está em tudo aqui! Flechas, armas, escudos, tudo! Energia Éra, eu sinto ela em você, por todo seu corpo. Já se perguntou por que você sobreviveu ao meu ataque e todos os outros morreram? — Askam engoliu seco. — Vou facilitar ainda mais, é um cristal transparente, ele emana um brilho azul! — Askam hesitou. — Você está indeciso? — Os olhos de Themerus começaram a brilhar em vermelho.  — Então me deixe ajudá-lo!
    Themerus apertou a cabeça de Neara e em seguida um pulso de luz vermelha escura correu por seu braço e chegou nela. Veias brilhantes começaram surgiu nos lados de seu rosto, seu nariz começou a sangrar enquanto ela se debatia e gritava. Askam ficou desesperado.
    — Quando a energia Éra é introduzida em um corpo, ela começa a corroê-lo de dentro para fora. — Themerus disse. — Um, dois, trê–
    — Espera! — Engoliu seco. — Eu entrego, tá bom? Então solta ela. — Quando Askam falou isso Themerus parou.
    Neara, com a boca cheia de sangue, disse com dificuldade:
    — Askam, não.
    — Confia em mim, só dessa vez. — Estendeu o braço e de repente o fragmento surgiu, flutuando em cima de sua mão. Um som grave e gracioso ecoou. — É Isso não é?
    — Sim. — Themerus disse, com voz admiradora. — Sua companheira precisou quase morrer mas você entendeu — Themerus estendeu o braço. — Agora me entregue.
  
    Askam foi se aproximando devagar. Com o braço estendido ele entregou o fragmento que passou para a mão de Themerus, em seguida Neara foi jogada e antes que caísse no chão Askam a pegou, deitando-a. Themerus admirou o fragmento em sua mão.
    — Ótimo. — Ele invocou sua espada, na lâmina estava outro cristal, ele era vermelho escuro. — Ótimo, agora so faltam seis.
    Ele olhou para Darkerus e o mesmo fez que sim com a cabeça e, empunhando sua espada, foi em direção a Askam. Voltando sua atenção para o Fragmento Themerus começou a aproximar a mão devagar. Em poucos segundos uma aura azul surgiu entre o fragmento e a espada.
    Sem saber o que fazer Askam viu Darkerus se aproximando, ele olhou para Neara e imediatamente viu sua aljava, apenas com uma flecha. Sem pensar duas vezes ele pegou a última flecha que estava na aljava de Neara e a jogou, quando ela bateu no chão uma explosão surpreendeu Darkerus e, aproveitando a oportunidade, Askam deixou Neara e pulou na direção de Themerus. Em um movimento rápido Themerus tentou impedir que ele chegasse perto mas Askam conseguiu, no último segundo, pegar no fragmento com as mãos nuas. No mesmo instante seu corpo foi tomado pela energia Éra do poder. Da ponta de seus pés até o último fio de cabelo Askam estava sentindo todo seu corpo se despedaçando em milhares de pedaços. Em um grito ele concentrou toda a energia para a mão direita, agarrou o rosto de Themerus e a descarregou, lançando-o no chão. O outro fragmento reagiu a isso e começou a liberar ondas avassaladoras de energia Éra. Sua espada quebrou e Themerus foi bombardeado por toda aquela energia, depois os fragmentos começaram a voar para direções diferentes e sumiram.
    Quando Darkerus se levantou ele imediatamente correu até Themerus e desferiu um golpe em Askam, que não se defendeu e foi lançado para longe. Darkerus se ajoelhou e viu Themerus se debatendo enquanto sua armadura e seu corpo se desmantelavam. Sem saber o que fazer ele sentiu algo estranho e quando olhou para sua mão percebeu que estava se desmantelando também. Imediatamente ele gritou para recuarem, as naves auronianas começaram a disparar contra o campo de batalha e os soldados de Cândera tiveram que se defender. Os inimigos fugiram para as naves e Darkerus, com a ajuda de mais soldados, carregou Themerus até uma delas e gritou para irem rápido. Antes de as portas do hangar se fecharem ele olhou para Askam e fechou o semblante, em seguida as naves cessaram os ataques e começaram a partir em alta velocidade, até que todas se foram e o céu ficou limpo.
    Neara, com dificuldade, estendeu a mão e pegou um pequeno frasco contendo um líquido azul e uma agulha na ponta, depois mirou para sua perna e injetou o líquido. Imediatamente ele percorreu por sua veias, fazendo-as brilhar em azul, seu braço e sua perna quebradas se concertaram e seus ferimentos sumiram, ela olhou para os lados, procurando Askam. Quando se virou, ainda sentada, ela o viu no chão e desesperadamente correu até ele, se jogando de joelhos e preparando outro frasco. Suas mãos tremiam e ela estava em desespero.
    Achando o frasco ela imediatamente injetou o líquido no braço dele, quando viu que nada aconteceu ela começou a ficar em pânico. Neara pegou Askam e o levantou, colocando a cabeça dele em seu peito e tentando acordá-lo, de repente ela viu que a mão dele estava se fragmentando, como vidro os estilhaços voavam para cima e sumiam ao sol. O desespero fazia ela chorar enquanto o abraçava.
    — Não, não. — O apertou contra seu peito. — Por favor Askam, não faz isso comigo. — Ela soluçava e falava com a voz engasgada. — Por favor. Eu não consigo sem você.
    — É a primeira vez que você fala isso. — Askam disse, baixo e com a voz rouca. Seu corpo estava se fragmentando.
    Neara olhou para o rosto dele. Chorando ainda mais e o puxando. Askam pegou sua mão.
    — Neara. — disse com dificuldade, não restava muito até que ele desaparecesse.
    — Oi. — Ela disse, tentando engolir as lágrimas enquanto enxugava o rosto.
    — Você lembra daquela vez que foi me ver, e enquanto corria pra chegar em mim você tropeçou e caiu com tudo no chão? — sorriu com dificuldade.
    Neara viu que as bochechas dele estavam trincando, então chorou mais e mordeu o lábio.
    — Lembro.
    — E que depois eu te ajudei a se limpar e você disse que queria ter mostrado aquele vestido pra mim?
    Ela fez que sim com a cabeça, o olhando.
    — Eu vi, você estava linda. Há dez anos aquela cena não saiu da minha cabeça. Todo dia eu pensava em você, usando aquele vestido, com o pôr do sol atrás te iluminando enquanto você abria um largo e alegre sorriso. Tudo o que eu mais queria era voltar naquele momento e simplesmente — ele voltou sua visão para o lado, acariciando a mão de Neara ele admirou o pôr do sol. — simplesmente observar. Não importava se fossem segundos, minutos ou horas, eu simplesmente queria observar. O sorriso da garota que me ajudou tantas vezes, o sorriso da garota que eu passei a... que eu passei a amar.
 
    Neara não conseguia parar de chorar, ela recostou a cabeça em Askam e o segurou forte. Askam se virou para cima e a admirou, depois levantou a mão com dificuldade e passou suavemente os dedos em seu rosto. Ela fechou os olhos.
    — Você está linda, como naquele dia. Sabe, eu sinto por não ver nosso filho crescer. — Neara o olhou supressa, não sobrava muito tempo. — O quê? Você achou que eu não sabia? — Riu, então ele levantou o rosto e foi se aproximando devagar. — Ah Neara, sua tonta.
    Askam a beijou por alguns segundos e sentiu as lágrimas dela, que caíam quentes em seu rosto. Neara o segurou uma última vez, de repente ela não sentiu mais a mão dele e também não sentiu mais o beijo, que parou de repente. Quando abriu os olhos ela viu milhares de pequenos cacos de vidro voando. Askam havia se desmanchado completamente em seus braços, milhares de pequenos cacos de vidro voaram para cima desaparecendo a luz do sol. Neara desabou, chorando e gritando. Naquele momento todos puderam sentir a dor. Um silêncio. Apenas a tristeza tomou conta daquele lugar.
   
    Dias depois a reconstrução começou. As pessoas e os soldados removiam os escombros e limpavam as ruas, eles recolhiam os corpos e os enterravam em cerimônias dignas. Quando Neara voltou ao palácio ela foi para o quarto de Askam, ao abrir a porta ela se deparou com a cama e as coisas sujas, com a ajuda de algumas servas ela começou a limpar o quarto. Ao checar por baixo da cama ela viu uma caixa, a puxando ela a colocou por cima da cama e ao abrir pôs a mão na boca e caiu em lágrimas, as servas rapidamente foram até ela mas Neara pediu que saíssem do quarto, todas saíram. Ao abrir a caixa novamente ela não conseguiu conter o choro, um vestido bege cobriu a cama. Ela passou a mão por cima do tecido e o sentiu, pensou ter o jogado fora a dez anos porque estava cheio de buracos, mas lá estava ele, completo e novo igual aquele dia. Ela se inclinou e recostou o rosto sobre ele, novamente as lágrimas começaram a vir e ela o apertou com força, chorando sobre o vestido.
    Mais tarde, no mesmo dia, todos os cidadãos foram para fora da cidade, cada um carregava uma lanterna e todos iam em direção a um vale. Neara estava em cima de um morro, ela usava aquele vestido e carregava uma lanterna. Ela levantou o rosto para o alto e fechou os olhos, ao sentir o cheiro dos lírios e da brisa as memórias de dez anos voltaram vívidas em sua mente. Ela quase que podia escutar Askam gritando para que devolvesse sua bolsinha de moedas, a chamando de tonta. Desejou ter aquilo de novo. De repente alguém tocou em seu ombro, quando abriu os olhos ela viu Catarine, que estava ao seu lado e também segurava uma lanterna. Seus cabelos estavam brancos e ela já estava de idade.
    — Você está pronta? — Catarine perguntou.
    Neara fez que sim com a cabeça e, ao olhar para o campo, viu o brilho dos lírios. Ela admirou e em seguida levantou a lanterna, a soltando e a deixando voar. Catarine também fez isso e a soltou para o alto.
    Um a um, cada cidadão levantou e soltou sua lanterna, em poucos instantes o céu de Cândera foi coberto por milhares de pontos amarelos intercalados com a luz da lua. Neara passou a mão sobre a barriga e deu um leve e triste sorriso.
    — Dartran. — Neara disse, com os olhos no céu. — Aquele que brilha na luz, em canderiano. — Olhou para Catarine. — Você acha que ele iria gostar?
    Ela sorriu.
    — Eu tenho certeza.

    Passado o tempo de luto, Neara voltou para o castelo e assumiu a posição de rainha. Como primeiro grande feito ela construiu o túmulo de Askam na mesma caverna onde ele descobriu a pedra. Sua espada e armadura foram seladas e escondidas, dentro da grande construção.
    Os meses passaram, seu filho nasceu forte e saudável, sempre que ela o olhava as memórias boas eram lembradas. Neara nunca deixou de contar a ele os incríveis feitos de seu pai, a história do grande herói que salvou o mundo de um ser maligno. Askam nunca foi esquecido, sua história e de Neara passaram de geração em geração no que ficou conhecido como “A LINHAGEM DO HERÓI”.
   O tempo passou, Cândera mudou-se para o subsolo estabelecendo-se nas zonas de cânderionite e, pouco a pouco, ela foi se tornando uma lenda, uma lenda que depois de dois mil anos ainda continuava lá. Dois mil anos em que os que ficaram na superfície foram evoluindo, construindo aviões, prédios e carros. Formando cidades, estados e países. A humanidade cresceu e junto com ela as histórias criadas a partir daquela. De pouco em pouco a história foi sumindo, o tempo fez com que tudo aquilo fosse cada vez mais se tornando uma vaga e distante lembrança, até que todos se esqueceram.
    Bom, até agora...

              CONTINUA NA PARTE 2...

AIR FALCON - Parte 1 (Finalizado)Onde histórias criam vida. Descubra agora