A criança sentia saudade da sua mãe e de seus beijos na testa. Sentiam saudade de seu pai e de seus abraços. Sentia saudade da comida da avó, do cheiro da da casa dos tios, das brincadeiras dos primos. Sentia saudade de como a vida era antes.
Sua família desmoronara. O pai morrera em um acidente de trabalho, a mãe havia se envolvido com homens perigosos. A morte também levara a avó, os tios não se reuniam como uma família normal e os primos já eram grandes demais para brincarem com a criança. Ela estava sozinha.
Ela pensava em tudo isso sentada na mesa da velha e bagunçada cozinha, aquela que já fora tão cheia e feliz. Sua irmã já não parava mais em casa, sabe-se lá para onde ia. A criança suspeitava de algo, mas nada dizia. Ela voltava cheia de hematomas de madrugada, e sempre com algo novo, seja comida para o resto da família ou alguma outra coisa. Seu irmão mais velho trabalhava, ou pelo menos tentava. E o irmão menor, coitado, vivia chorando, esperando a mãe chegar, mas o máximo que via era a criança dando-lhe algum leite industrializado. E levantou-se para fazê-lo.
O bebê olhou-a com seus olhos lacrimejantes, à espera de algo, naquele quarto macambúzio. A criança pegou-o no colo e ficou à beira da janela observando outros pequenos a brincarem numa quadra. Ela costumava jogar muito ali. O bebê aninhava-se em seu corpo magro. Do segundo andar daquele sobrado mal-cuidado, a criança conseguia ver tudo: sua irmã saia, com a mesma maquiagem pesada e preocupação. E a criança continuava a ter lembranças de sua antiga vida; o tempo em que a irmã saia segurando sua mão, e elas iam para o colégio juntas; o pai ajudando-a com o dever de casa e a mãe cuidando do bebê, com a ajuda do outro irmão. Era tudo perfeito na medida do possível, mas era. A criança só queria sua antiga vida de volta.
Colocou o bebê no berço e apagou a luz, saindo do quarto que a mãe dividia com ele. Entrou em outro cômodo, aquele que a irmã quase não usava mais a noite. Outro lugar pequeno, mas era arrumado e personalizado ao seu modo. Limpava-o todos os dias, para ajudar ou simplesmente para não dar trabalho. A criança deitou-se na cama e fechou os olhos, querendo esquecer tudo e viajar para um de seus mundos mágicos. Naquela noite, porém, foi diferente.
A criança estava em local escuro e úmido, nada aconchegante. Ouvia goteiras, e sons horríveis que iam aumentando lentamente. A criança procurava saída, mesmo sem saber onde estava ou o por quê disso. Ela nem estava tão assustada, até aparecerem as imagens. Arrepiaram-na toda e a menina gritou um som surdo. Não eram relacionadas a lendas urbanas ou a qualquer coisa relacionada. Era um futuro terrível e ela não o desejava. Ela tinha tantos sonhos, queria ajudar a família, formar-se, conseguir um bom emprego, ter boas amizades, ter uma vida feliz. Ela não queria o que aparecia em seu pesadelo. De forma alguma.
Então abriu os olhos, cheios de lágrimas, e o que viu a assustou ainda mais que os pesadelos. Foi um susto bom, porém. Um susto ótimo.
Quem a criança via era sua mãe, a fazer carinho em seu curto cabelo e perguntar se estava tudo bem. A criança sem entender muita coisa, apenas levantou rapidamente e abraçou a mãe, coisa que não fazia a muito tempo, e chorou nos braços dela. Sentia saudades do tempo passado. A criança queria apenas voltar no tempo e mudar a ordem das coisas. Ela queria seu pai ainda vivo. Salvar uma vida não poderia mudar muita coisa, não é mesmo? Ela sabia que não poderia ser assim. Então apenas aproveitou o abraço, pois sabia que ele era raro e duraria por pouquíssimo tempo. Ela queria tudo como antes e disse isso para sua mãe.
A mãe entendeu a vontade da filha, mas apenas disse, tristemente: "Querer não é poder, minha criança, infelizmente." A criança apenas assentiu e voltou para cama, enquanto a mãe saia do quarto e ia para não se sabe onde. Ela abraçou o cobertor e apenas queria não ter novamente um pesadelo, mas nem precisou se importar com isso, por um inquietante motivo...
A frase de sua mãe, que, por mais que não soubesse, iria acompanhá-la pelo resto de sua vida.
••••
Olá pessoal! Estou aqui para, além de comentar o conto, pedir minhas sinceras desculpas. O livro ficou sem atualização por aproximadamente três semanas (eu conto-as por cada domingo ou sábado sem postar) e eu tive motivos para isso, espero que entendam. Foi época de provas (eu postei um capítulo-aviso, apagado depois) e eu tive uma crise criativa. "Mas já?" Vocês podem estar se perguntando e eu entendo. Foi algo repentino, talvez provocado pela semana doida de estudos. Enfim, peço-lhes minhas sinceras desculpas.
E sobre o conto, eu meio que mudei a forma de abordar o assunto principal deste livro, além deste conto ter sido menorzinho. Peço que deixem sua opinião, que façam críticas positivas para que eu possa melhorar. Ah, e se gostarem, peço também que cliquem ali na estrelinha para votar, ajuda muito!
Além do mais, dedico esse capítulo/conto a Luciemilly, por sempre acompanhar o livro, obrigada. <3
PS: Estou preparando uma pequena surpresinha essa semana, para compensar as 3 últimas. Ai que eu vou realmente precisar da opinião de vocês.
Bem, um beijo
Vick (@vicckf)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Contos de Desencontros
Short StoryEste não é um livro apaixonante. Não é um romance épico. São pequenos contos de pessoas sem rumo. Desiludidas. Desencontradas. PLÁGIO É CRIME. Violar direito autoral da pena de detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa. art. 3º da Lei nº. 9.610/98.